861
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Eletromiografia de superfície: Caracterização da atividade elétrica em queimaduras de face

Surface electromyography: Characterization of electrical activity in facial burns

Geraldine Rose de Andrade Borges1; Hilton Justino da Silva2

RESUMO

OBJETIVO: Formação de cicatrizes hipertróficas ao nível muscular pode interromper a contração do músculo no segmento em que se insere, dificultando o movimento dessa estrutura. A eletromiografia de superfície capta os potenciais de ação em resposta a uma contração muscular, registrando e fornecendo informações sobre o recrutamento muscular, podendo auxiliar no prognóstico em termos de intervenção cirúrgica e reabilitação. Esse estudo teve como propósito caracterizar a atividade elétrica dos músculos da face, acometidos por queimadura em região de face ou face e pescoço com formação de cicatrizes restritivas.
MÉTODO: Foi realizada uma análise exploratória de dados, observacional, transversal com uma população dos 5 aos 58 anos, de ambos os sexos. E aplicado um protocolo de avaliação eletromiográfica da musculatura periorbicular.
RESULTADOS: Foi verificada diferença significativa na média da atividade elétrica dos grupos musculares, entre os dois grupos na execução dos movimentos, com exceção dos movimentos de abertura/fechamento da boca, e fechamento dos olhos no músculo orbicular da boca. Na maioria dos movimentos os padrões de ajustes de ativação da musculatura foram os mesmos nos dois grupos, porém, devido à presença de cicatrizes hipertróficas restritivas, a média da atividade elétrica dos músculos foi mais elevada no grupo caso do que no grupo controle.
CONCLUSÕES: Essa pesquisa contribuiu para compreender o esquema utilizado pelo sistema neuromuscular no movimento, em indivíduos com cicatrizes restritivas por queimaduras.

Palavras-chave: Eletromiografia. Queimaduras. Face. Cicatriz.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Formation of hypertrophic scars, at the muscular level can interrupt the muscle contraction in the segment in which it is inserted, hindering the movement of this structure. Surface electromyography captures action potentials in response to a muscle contraction by recording and providing information on muscle recruitment, which can assist in the prognosis in terms of surgical intervention and rehabilitation. The aim of this study was to characterize the electrical activity of face muscles affected by burn in the face or face and neck with restrictive scars.
METHODS: This observational cross-sectional study used exploratory data analysis in a population of both sexes, aged between 5 and 58 years. An electromyographic protocol of periorbicularis muscles was applied.
RESULTS: A significant difference was found in the average electrical activity of muscle groups during movement between the case group and controls, except for opening and closing of the mouth and closing of the eyes in the orbicularis oris muscle. In most movements, muscle activation adjustment patterns were the same in both groups, but due to the presence of restrictive hypertrophic scars, the average electrical activity was higher in the case group than in controls.
CONCLUSIONS: This study contributes to understanding how the neuromuscular system functions during movement, in individuals with restrictive burn scarring.

Keywords: Electromyography. Burns. Face. Scar.

INTRODUÇÃO

Em queimaduras é comum a formação de cicatrizes hipertróficas –frequentemente associadas a contraturas. Ao nível muscular, podem interromper a contração do músculo no segmento em que se inserem, dificultando o movimento dessa estrutura e quando localizadas ao nível cutâneo também alteram o movimento1.

Na face, podem alterar as funções de mastigação, deglutição e reduzir os movimentos mandibulares2. Também promovem déficits de fala, sensibilidade e rigidez, limitando os movimentos e expressões faciais3 .

O tratamento da cicatriz hipertrófica é muito demorado e ainda existem muitas dúvidas sobre os efeitos das terapias no tecido da cicatriz em nível celular e há falta de instrumentos para quantificar as mudanças provocadas por esse processo2,4,5.

Nos últimos anos tem sido utilizada, na fonoaudiologia, como auxiliar no diagnóstico e tratamento dos distúrbios motores orais, a eletromiografia de superfície (EMGs)6, que capta os potenciais de ação em resposta a uma contração muscular, registrando e fornecendo informações sobre recrutamento muscular, podendo auxiliar no prognóstico em termos de intervenção cirúrgica e reabilitação7.

Partindo do pressuposto que a retração cicatricial altera a atividade elétrica muscular e isso provoca uma disfunção fisiológica nas estruturas musculares orofaciais, o objetivo desse estudo foi caracterizar a atividade elétrica dos músculos da face, acometidos por queimadura em região de face ou face e pescoço. E justifica-se pela carência de avaliações quantitativas relacionadas ao impacto da cicatriz em pacientes vítimas de queimaduras4.


MÉTODO

Essa pesquisa foi submetida à apreciação do CEP (Comitê de Ética e Pesquisa) da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, de acordo com a resolução CNS 466/12, e aprovada com o número do CAAE 44215115.8.0000.5208, parecer n° 1.097.632.

Trata-se de uma análise exploratória de dados, observacional, transversal, no ambulatório do setor de reabilitação do Hospital da Restauração-PE (HR), no período de agosto de 2015 a janeiro de 2016. Compreendeu crianças e adultos, de 5 aos 58 anos, de ambos os sexos, frequentadores do HR.

Foram abordados 20 pacientes do HR, subdivididos em: Grupo caso - dez pacientes admitidos na Unidade de Terapia de Queimados (UTQ); Grupo comparação: dez voluntários, do Setor de Reabilitação do Hospital, compatíveis em idade, sexo e peso com o grupo caso. A amostragem foi por conveniência e, com o objetivo de reduzir o viés da amostragem, foi estabelecido o grupo controle para pareamento quanto às variáveis preditoras de idade, sexo e peso.

Foram estabelecidos como critérios de inclusão no grupo caso pacientes acometidos de queimadura de face ou face e pescoço, que apresentavam cicatrizes restritivas. E no grupo comparação, voluntários compatíveis em idade, sexo e peso com o grupo caso. Considerou-se como critérios de exclusão, nos dois grupos, os pacientes com comprometimentos neurológicos, psíquicos ou cognitivos limitantes; os que apresentaram áreas cruentas em região de face; os que não apresentaram dimensão facial suficiente para a utilização dos três pares de eletrodos; perda da qualidade do sinal eletromiográfico, e, apenas no grupo caso, os acometidos por queimaduras de 1º grau e os que não apresentaram cicatrizes restritivas. No grupo comparação os que apresentaram cicatrizes restritivas em região orofacial, por qualquer natureza.

Para realizar a coleta de dados, foi desenvolvido um protocolo baseado no Protocolo de Avaliação Eletromiográfica da Musculatura Periorbicular de Regis et al. 8. Para compô-lo, foi escolhida a musculatura orbicular da boca, com seu feixe superior subdividido em porção direita; o feixe inferior do orbicular do olho direito; e os músculos dispostos na região zigomática direita, nos casos de queimaduras nas duas hemifaces. Porém, quando a queimadura ocorreu em apenas uma hemiface, foi avaliada a musculatura do lado lesado.

O protocolo desenvolvido foi organizado em duas partes: identificação e avaliação eletromiográfica. Nesta última etapa foi realizado o exame eletromiográfico através o aparelho Miotool, número de série: 0366, com software Miograph 1.0. E utilizados eletrodos descartáveis de superfície da marca MEDTRACE® (Kendall, Canadá), infantil.

Essa etapa seguiu a ordem dos procedimentos citados abaixo:

1 – Inicialmente, o indivíduo foi orientado a permanecer na posição de plano Frankfurt.

2 - Foi realizada a limpeza da pele com compressa de gaze embebida em álcool 70º.

3 – Posicionado o eletrodo de referência (terra) na região do olécrano da ulna, para fim de estabilização de sinal. Foram selecionados três canais, cada qual com dois eletrodos, fixados bilateralmente respeitada a distância inter-eletrodos de 2,0cm (25mm) de centro a centro. Os eletrodos foram propositalmente cortados para se ajustarem ao objetivo dessa pesquisa, mantendo o padrão de 2,5cm (20mm) de diâmetro, cada, assim dispostos: o primeiro par de eletrodos foi posicionado, paralelamente, na linha da porção inferior das fibras do músculo orbicular do olho direito. O segundo par de eletrodos foi posicionado, paralelamente, na região das fibras musculares do zigomático maior. O terceiro par de eletrodos foi posicionado, paralelamente, na linha da fibra da porção superior do músculo orbicular da boca no lado direito.

4 – Para normalização do sinal eletromiográfico da região do feixe inferior do orbicular dos olhos, foi solicitado o fechamento forte dos olhos. Na região zigomática, foi solicitada uma expressão facial de quem sente um odor desagradável. E no feixe superior do orbicular da boca, foi solicitada a projeção dos lábios. Cada atividade foi sustentada por cinco segundos e repetida três vezes, com intervalos de dez segundos entre elas. O programa utilizado executou todos os modelos matemáticos e o resultado fornecido pelo mesmo correspondeu a 100% da ação do músculo. Os cálculos desses índices foram realizados conforme as normas científicas que determinam que os dados brutos (RAW) devem ser normalizados pela CVM (contração voluntária máxima) servindo de base para calcular todos os índices posteriores, facilitando a compreensão da atividade muscular9.

5 - A atividade elétrica, ou seja, a aquisição do sinal eletromiográfico, foi captada, ao mesmo tempo, na região do feixe inferior do orbicular do olho, nos feixes musculares da região zigomática e na região do feixe superior do orbicular dos lábios, durante o repouso, com o objetivo de captar a atividade muscular basal. Um minuto após a aquisição da CVM, foi solicitado que o indivíduo entrasse em situação de repouso, permanecendo em silêncio, por dez segundos, sem movimentar os músculos da face. Posteriormente, foi iniciada uma nova aquisição em que o paciente, previamente orientado, realizou as manobras de abrir e fechar a boca, protrusão labial, retração labial, fechamento dos olhos. E também solicitadas três repetições de cada movimento. Nas aferições das manobras para avaliação do repouso, eliminaram-se os valores captados de um a três segundos, e de sete a dez segundos. Selecionando o registro dos três a sete segundos centrais, por serem considerados mais estáveis, para considerar a média desse intervalo. E nas aferições das manobras para realização das atividades, foram selecionados os intervalos de três segundos, nas três repetições de cada atividade e nos três músculos estudados.

Os registros gravados foram analisados por meio do cálculo do Root Mean Square (RMS), normalizada (CVM) através dos índices fornecidos pelo software, expressos em porcentagem (%). Posteriormente, registrados os valores expressos em porcentagem (%) da média ajustada de cada atividade, em cada músculo, e realizada a média aritmética das três repetições, para chegar à média da atividade elétrica e análise estatística.

Os dados foram analisados descritivamente através de frequências absolutas e percentuais para as variáveis categóricas (sexo e local da cicatriz, grau). E os dados das medidas: média, mediana e desvio padrão, para as variáveis numéricas, foram analisados inferencialmente através dos teste t-Student pareado. Destaca-se que a verificação da normalidade das variáveis diferenças foi realizada através do teste de Shapiro-Wilk. A margem de erro utilizada nas decisões dos testes estatísticos foi de 5%. O programa utilizado para digitação dos dados e obtenção dos cálculos estatísticos foi o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 21.

Não houve risco físico na realização desta pesquisa, pois não foram utilizadas técnicas invasivas e nenhum indivíduo referiu sentir incômodo ao realizar as tarefas solicitadas.


RESULTADOS

Dos dez pares de indivíduos examinados, quatro eram do sexo masculino (40%) e seis (60%) do sexo feminino. No grupo caso os dez indivíduos (100%) apresentaram queimaduras de 2º e 3º graus.

Na Tabela 1 são apresentados os dados do local da cicatriz e do tempo de lesão, que variou de 6 meses a 17 anos. A tabela mostra que a média da lesão foi 3,66 anos, mediana igual a 2,69 anos e desvio padrão com valor superior à média, o que indica uma variabilidade bastante elevada para este parâmetro do estudo. Também houve uma variação com relação ao local da cicatriz, pois oito indivíduos (80%) apresentaram diferentes locais de queimaduras e apenas dois (20%) apresentaram locais de queimaduras idênticos.




Na Tabela 2 estão os resultados da idade e do peso nos dois grupos. Desta tabela se destaca que as médias e medianas da idade foram bastante próximas, e a média de peso foi aproximadamente 3kg mais elevada no grupo comparação (62,20 kg x 59,40kg), entretanto, para a margem de erro fixada (5%) não se comprova diferença significativa (p>0,05) entre os grupos para nenhuma das variáveis.




Na Tabela 3 estão os resultados da atividade elétrica muscular entre os grupos (caso/comparação), por movimento, em cada grupo muscular. Desta tabela se destaca que as médias de cada músculo, em cada movimento, foram correspondentemente mais elevadas no grupo caso do que no grupo comparação.




Foi verificada diferença significativa na média da atividade elétrica dos grupos musculares, entre os dois grupos na execução de quase todos os movimentos, com exceção dos movimentos de abertura/fechamento da boca e fechamento dos olhos, no músculo orbicular da boca.

Em relação ao movimento, as maiores médias ocorreram em ambos os grupos (caso/comparação) no zigomático quando realizado o movimento de retração labial (223,56 e 79,45, respectivamente) e, em segundo lugar, em ambos os grupos, no músculo orbicular da boca durante o movimento de protrusão labial (94,47 e 53,64, respectivamente).

Apenas o movimento de fechar os olhos a ordem da ativação dos músculos, segundo a média da atividade elétrica, apresentou diferença entre os grupos. No grupo caso, o músculo mais ativado foi o zigomático (24,11), seguido do orbicular da boca (17,90) e do orbicular do olho (13,17); no grupo comparação foi o zigomático (7,22), seguido do orbicular do olho (6,24) e orbicular da boca (2,66).


DISCUSSÃO

O presente trabalho traz resultados da atividade elétrica dos grupos musculares orofaciais em indivíduos com cicatrizes restritivas por queimaduras. Ou seja, ele revela informações sobre a funcionalidade e a interação das unidades motoras desses músculos, durante as atividades executadas, proporcionando a capacidade de verificar qual musculatura foi mais ativada no momento do exame.

Nesta pesquisa, não foi verificada diferença significativa entre os grupos com relação à média do peso e da idade, o que pontua positivamente na comparação da análise da média do sinal elétrico, dos dois grupos, minimizando a probabilidade da influência dessas variáveis no resultado.

Neste estudo, as médias da atividade elétrica de cada músculo, em cada movimento, foram correspondentemente mais elevadas no grupo caso do que no grupo comparação, corroborando com os resultados de estudo de EMGs dos músculos abdominais com cicatrizes ativas, por cirurgia, que apresentou aumento da atividade elétrica no lado da cicatriz ou no lado oposto em todos os casos10. Apenas no músculo orbicular da boca, nos movimentos de abertura/fechamento da boca e fechamento dos olhos, não houve diferença significativa na média da atividade elétrica dos grupos musculares, entre os dois grupos, o que será discutido adiante.

Apesar da média das atividades elétricas ter sido mais elevada no grupo caso do que no grupo comparação, podemos afirmar que na maioria dos movimentos os padrões de ajustes de ativação da musculatura, para executá-los, foram os mesmos nos dois grupos (Tabela 4). Isso reforça algumas citações – para cada movimento facial os músculos realizam ajustes diferentes11, ou seja, existe um padrão de ajustes específicos para cada movimento. E McClean & Tasko12 citam que existe uma correlação positiva entre a atividade eletromiográfica, velocidade e distância do movimento (medida da linha trajetória de um corpo).




No repouso, cessamento da contração muscular com retorno dos potenciais ao seu nível basal mantendo apenas um grau residual de contração que reflete um estado tônico de baixa atividade13,14, a maior média foi no zigomático, ou seja, o músculo mais ativado foi este, seguido do orbicular da boca e do orbicular do olho. Apesar de não ser possível fazer inferências estatísticas quando relacionamos os valores das atividades elétricas ao local da cicatriz, percebemos que a maioria está localizada na região do terço médio e inferior (Tabela 1), o que indica uma maior ativação dos músculos dessa região.

Também podemos perceber que existe um desvio padrão importante na média do orbicular da boca, seguido do zigomático, o que indica uma variabilidade elevada na atividade elétrica entre os indivíduos do grupo caso. Esse fato pôde ser compreendido analisando individualmente cada sujeito desse grupo, verificando a presença de diferentes formas e espessuras de cicatrizes que podem estar relacionadas com os diferentes tempos da lesão, determinando cicatrizes com variados graus de ativação.

Cicatrizes hipertróficas ativas apresentam processo cicatricial em atividade modificado, há síntese excessiva e degradação deficitária de colágeno, mantendo dessa forma um excesso de fibras colágenas (cicatrizes mais espessas) que provocam a tensão cutânea - esse processo pode levar vários anos para se completar2,15-18. Então, quanto mais recente a cicatriz, maior a atividade dela e maior grau de tensão.

Na abertura e fechamento da boca, o movimento é iniciado com a rotação do côndilo concomitantemente com o movimento de translação. A depressão da mandíbula é realizada pela ativação dos pterigóideos laterais (protrusores), ajudados pelo digástrico (retrusores). Posteriormente, é realizado o movimento inverso (elevação da mandíbula) com ação dos músculos masseteres, pterigóideo medial e temporal11.

Nesse movimento a maior média, em ambos os grupos, foi no zigomático, o que pode ser justificado pelo fato do movimento de abertura provocar um afastamento vertical dos lábios, dominados pelos movimentos mandibulares19, promovendo o aumento da distância entre os pontos de origem e inserção dos músculos da região zigomática, ativando-os.

Porém, essa ativação mais acentuada no grupo caso pode ocorrer pelo encurtamento ou retração desse grupo muscular, devido à cicatriz hipertrófica, que é alongado na sua superfície de inserção durante a abertura da boca, sendo tracionado no sentido caudal e ao mesmo tempo tracionando o orbicular do olho, no mesmo sentido, o que explica também uma ativação maior desse músculo (orbicular do olho) no grupo caso.

A aproximação do desvio padrão da média, nesse músculo (orbicular da boca), não possibilitou comprovar diferença estatística entre os grupos (caso/comparação). No entanto, é perceptível o valor superior da média e da mediana em relação ao grupo controle e, esse desvio padrão também pode estar sendo influenciado pelos diferentes tempos de lesão. Isso porque cicatrizes hipertróficas ativas são mais fibróticas, espessas, e apresentam aumento de resistência ao alongamento10. Portanto, variações no tempo da lesão podem indicar variações no nível de tensão cutânea, além de variações na espessura, que podem alterar a captação da condução do potencial de ação pelo eletrodo de superfície7.

Na protrusão labial, a maior média ocorreu no orbicular da boca em ambos os grupos, como esperado, pois a contração desse músculo é responsável pelo movimento de protrusão16. A segunda maior média foi no zigomático, seguido do orbicular do olho.

A diferença nas médias entre os grupos (caso/comparação) pode ser explicada, também, pelo fato da maior parte dos indivíduos apresentarem como local da lesão o terço médio e inferior, com presença de cicatrizes hipertróficas restringindo a atividade dos músculos da região zigomática e orbicular dos lábios, exigindo mais esforço para realizar esse movimento. Há um alongamento dos músculos da região zigomática, tracionando-o em direção ao orbicular da boca e consequente tração do músculo orbicular do olho, ativando-o.

Na retração labial, há uma contração moderada do complexo muscular bucinador, zigomático maior e risório, podendo atuar também o zigomático11 menor (elevando o ângulo da boca), levantador do lábio superior e asa do nariz. Isso explica a maior média dos dois grupos ter sido no zigomático, seguida do orbicular da boca (que tem suas comissuras elevadas para cima e para os lados) e do orbicular do olho.

A média bastante elevada no zigomático, do grupo caso, pode ser justificada pelo aumento no esforço, tensão, para realizar o movimento dos músculos dessa região, devido às cicatrizes restritivas. Isso provocou uma contração mais forte acompanhada da contração do orbicular do olho, que é encontrada quando se realiza o movimento de gargalhada, citado por Madeira11, porém neste caso com ajustes musculares de um sorriso.

Na atividade de fechar os olhos a contração do músculo orbicular do olho fecha as pálpebras, há abaixamento da pálpebra superior e elevação da pálpebra inferior. A pálpebra inferior possui menos mobilidade do que a superior18. Portanto, inferimos que a sua ativação é menor do que a superior. Segundo Bonatto Júnior et al. 19, no fechamento forte do olho há uma colaboração maior da parte orbital, levando a pele da fronte, têmporas e bochechas em direção ao ângulo médio das pálpebras.

Durante o movimento de fechar os olhos, o grupo caso apresentou um padrão de ajuste muscular diferente do grupo controle. A maior média, em ambos os grupos, foi no zigomático, pois a porção mais ativa do músculo orbicular do olho, orbital, não foi estudada. O zigomático, do grupo caso, apresentou um nível de ativação alto em relação ao grupo controle, o que pode ser justificado pela presença de cicatriz restritiva nessa região, dificultando o movimento da pálpebra inferior. Isso provocou um ajuste que resultou em uma ativação semelhante ao fechar os olhos com força, solicitando mais unidades motoras para conseguir executar os movimentos.

Consequentemente, o músculo orbicular da boca foi mais ativado, em relação ao grupo controle, devido à força tensional, em direção a esses músculos que se encontram retraídos, encurtados, por causa da cicatriz hipertrófica. A média do orbicular da boca, no grupo caso, foi bem maior do que no grupo comparação, porém, não foi comprovada significância estatística, pois o valor do desvio padrão foi maior do que a média. Isso indica uma variabilidade que pode também ser justificada pelo tempo da lesão como já descrito7,10.


CONCLUSÕES

Portanto, podemos concluir que na maioria dos movimentos os padrões de ajustes de ativação da musculatura foram os mesmos nos dois grupos, porém, devido à presença de cicatrizes hipertróficas restritivas, a média da atividade elétrica dos músculos estudados, em cada movimento, foi mais elevada no grupo caso do que no grupo do comparação. E nos casos em que houve ajustes diferentes da musculatura, percebe-se clinicamente que o tempo e o local da lesão podem estar influenciando; no entanto, devido à amostra reduzida, não foi possível comprovar estatisticamente a influência desses fatores no nível de ativação da atividade elétrica muscular. Isso indica a necessidade de mais estudos, com uma amostra maior, para comprovar estatisticamente essa influência.

Porém, apesar das limitações, os dados dessa pesquisa contribuem para responder algumas questões sobre o esquema de controle utilizado pelo sistema neuromuscular durante a modulação do movimento, em indivíduos com cicatrizes restritivas, por queimadura, em região de face ou face e pescoço. Além de sugerir que a associação da EMGs à avaliação clínica pode ser vista como uma ferramenta útil, na reabilitação em queimados, capaz de correlacionar e quantificar a atividade muscular obtida em resposta a uma instabilidade provocada, à terapia, e acompanhar os ganhos ou perdas durante o processo de intervenção terapêutica.


REFERÊNCIAS

1. Borges GRA, Santos VA, Silva HJ. Uso da eletromiografia de superfície e análise do comportamento da musculatura orofacial. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(1):58-6.

2. Magnani DM, Sassi FC, Andrade CRF. Reabilitação motora orofacial em queimaduras em cabeça e pescoço: uma revisão sistemática de literatura. Audiol Commun Res. 2019;24:e2077.

3. Magnani DM, Sassi FC, Vana LPM, Andrade CRF. Correlação entre escalas de avaliação da cicatrização e as alterações miofuncionais orofaciais em pacientes com queimaduras de cabeça e pescoço. CoDAS 2019;31(5):e20180238.

4. Kaartinen IS, Välisuo PO, Bochko V, Alander JT, Kuokkanen HO. How to assess scar hypertrophy--a comparison of subjective scales and Spectrocutometry: a new objective method. Wound Repair Regen. 2011;19(3):316-23.

5. Junker JP, Kratz C, Tollbäck A, Kratz G. Mechanical tension stimulates the transdifferentiation of fibroblasts into myofibroblasts in human burn scars. Burns. 2008;34(7):942-6.

6. Rahal A, Lopasso FP. Eletromiografia dos músculos masséteres e supra-hioideos em mulheres com oclusão normal e com má oclusão classe l de Angle durante a fase oral da deglutição. Rev Cefac. 2004;6(4):370-5.

7. Ocarino JM, Silva PLP, Vaz DV, Aquino CF, Brício RS, Fonseca ST. Eletromiografia: interpretação e aplicação nas ciências da reabilitação. Fisioter Brasil. 2005;6(4):305-10.

8. Regis RMFL, Nascimento GKBO, Silva HJ. Protocolo de avaliação eletromiográfica da musculatura periorbicular e supra-hióidea durante a fala. In: Silva JH, org. Protocolos de eletromiografia de superfície em fonoaudiologia. São Paulo: Pró-Fono; 2013. p. 67-76.

9. Santos CMB, Gosmann RP, Cunha DA, Silva HJ. Índices eletromiográficos para músculos mastigatórios. In: Silva JH, org. Protocolos de eletromiografia de superfície em fonoaudiologia. São Paulo: Pró-Fono; 2013. p. 27-38.

10. Valouchová P, Lewit K. Surface electromyography of abdominal and back muscles in patients with active scars. J Bodyw Mov Ther. 2009;13(3):262-7.

11. Madeira MC. Anatomia da face: bases anátomo-funcionais para a prática odontológica. São Paulo: Savier; 2013.

12. McClean MD, Tasko SM. Association of orofacial muscle activity and movement during changes in speech rate and intensity. J Speech Lang Hear Res. 2003;46(6):1387-400.

13. Bydiowski SP, Bydiowski CR. Fisiologia do músculo esquelético. In: Douglas CR, org. Tratado de fisiologia aplicado a fonoaudiologia. São Paulo: Robe; 2002. p. 67-79.

14. Marsura A, Santos MP, Silvia MA, Sena RO, Mendes TCA, Leite A, et al. A interferência da alteração de tônus sobre a reabilitação fisioterapêutica após lesões neurológicas. Saúde Foco. 2013;6:1-6.

15. Prentice WE. Fisioterapia na prática esportiva: uma abordagem baseada em competência. Porto Alegre: AMGH; 2012.

16. Oosterwijk AM, Mouton LJ, Schouten H, Disseldorp LM, van der Schans CP, Nieuwenhuis MK. Prevalence of scar contractures after burn: A systematic review. Burns. 2017;43(1):41-9.

17. Clayton NA, Ward EC, Maitz PK. Intensive swallowing and orofacial contracture rehabilitation after severe burn: A pilot study and literature review. Burns. 2017;43(1):e7-e17.

18. Standring S. Anatomia: a base anatômica da prática clínica. Rio de Janeiro: Elsevier; 2010.

19. Bonatto Júnior A, Freitas AG, Mélega JM. Miectomia do Músculo Orbicular dos Olhos: Procedimento Associado à Bleroplastia. Rev Bras Cir Plást. 2002;17(1):27-36.










1. Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento; Hospital da Restauração, Unidade de Tratamento de Queimados, Recife, PE, Brasil
2. Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Recife, PE, Brasil

Correspondência:
Geraldine Rose de Andrade Borges
Universidade Federal de Pernambuco – Centro de Ciências da Saúde
Av. da Engenharia s/n – Cidade Universitária
Recife, PE, Brasil – CEP: 50670-420
E-mail: geraldineborges@yahoo.com.br

Artigo recebido: 20/3/2022
Artigo aceito: 3/3/2023

Local de realização do trabalho: Hospital da Restauração, Recife, PE, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

© 2024 Todos os Direitos Reservados