1182
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Os rastreadores de eventos adversos a medicamentos se aplicam a pacientes hospitalizados por queimaduras?

Do trigger tool drug adverse events apply to patients hospitalized for burns?

Pamela Alejandra Escalante Saavedra1; Leticia Soares2; Silvana Borges Nascimento3; Jessica Vick Leal de Oliveira4; Camila Alves Areda5; Kattia Braz da Cunha6; José Adorno7; Dayani Galato8

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a aplicabilidade dos rastreadores para identificaçao de eventos adversos a medicamentos em pacientes internados por queimaduras.
MÉTODO: Trata-se de um estudo transversal, baseado na revisao dos prontuários de pacientes hospitalizados na Unidade de Tratamento de Queimaduras do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF A aplicabilidade dos rastreadores foi verificada por meio da análise dos registros da evoluçao clínica dos pacientes.
RESULTADOS: Foram analisados 219 pacientes, dos quais 11 (5,0%) apresentaram eventos adversos registrados em prontuário. Em 57,1% (n=125) dos prontuários revisados foram encontrados rastreadores de eventos adversos a medicamentos, sendo os mais eficientes: antieméticos, anti-histamínicos, naloxona, elevaçao de creatinina sérica, contagem de plaquetas <50.000, sedaçao excessiva, rash cutâneo, transferência para nível de cuidado de maior complexidade e interrupçao abrupta do tratamento. Contudo, verificou-se que alguns rastreadores se confundem com a evoluçao do tratamento ou com os procedimentos realizados, como é o caso do prurido e da glicose <50mg/dL. Houve associaçao entre o registro de eventos adversos com número de medicamentos utilizados maior que 13 (p=0,003).
CONCLUSAO: Observou-se que busca ativa de eventos adversos com uso de rastreadores ajudou na detecçao de eventos dessa natureza, o que poderia melhorar o cuidado em saúde dos pacientes queimados. Contudo, os resultados apontaram a necessidade de validaçao de rastreadores específicos da terapêutica das queimaduras.

Palavras-chave: Efeitos colaterais e Reações Adversas Relacionados a Medicamentos. Segurança do Paciente. Queimaduras. Medicamentos Genéricos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the applicability of trigger tools to detect adverse drug events in inpatients at the Burn Care Unit of Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF
METHODS: We performed a cross-sectional study, we reviewed and analyzed electronic health records of inpatients.
RESULTS: We analyzed 219 patients, eleven inpatients (5.0%) experienced adverse events. Here we show that trigger tools in 57.1% (n=125) of electronic health records reviewed. The trigger tools antiemetic, antihistamines, naloxone, serum creatinine elevation, platelet counts <50,000, excessive sedation, skin rash, to transfer to level of care more complex and abrupt cessation of treatment pointed out adverse drug events. We find association between occurrence of adverse events and number of drugs used greater than 13 (p=0.003).
CONCLUSION: We observed that use of trigger tools in active surveillance allows for identification and assessment of adverse events among hospitalized patients. However, the results pointed out the need for validation of specific trigger tools of burn therapy.

Keywords: Drug-Related Side Effects and Adverse Reactions. Patient Safety. Burns. Drugs, Generic.

INTRODUÇAO

Entre os recursos disponíveis ao tratamento de doenças, o uso de medicamentos é um dos mais empregados, no entanto, eventos adversos a medicamentos (EAM) e erros medicaçao sao frequentes no ambiente hospitalar1, provocando o aumento da morbimortalidade dos pacientes e tornando-se um problema de saúde pública. Segundo a Organizaçao Mundial da Saúde, evento adverso é qualquer ocorrência médica desfavorável que pode ocorrer durante o tratamento com um medicamento, mas que nao possui, necessariamente, relaçao causal com esse tratamento.

Inseridos no conceito de evento adverso estao as reaçoes adversas aos medicamentos (RAM). Os erros de medicaçao podem ser compreendidos como uma causa evitável para os eventos adversos. Segundo alguns autores, um evento adverso a medicamentos pode ser entendido como um dano causado pelo uso do medicamento2.

No Brasil, foi identificada incidência de eventos adversos em 7,6% dos pacientes internados, sendo 66,7% destes eventos evitáveis3. Um estudo realizado em hospital do Rio de Janeiro identificou incidência de 14,3% de eventos adversos a medicamentos em pacientes hospitalizados4. Resultados ainda mais expressivos foram encontrados em estudo realizado em hospital pediátrico argentino, que apontou frequência de 26% de eventos adversos, em sua maioria dano temporário, em pacientes hospitalizados5. Destaca-se que os incidentes devem ser informados ou notificados aos gestores do serviço de saúde para que medidas preventivas possam ser tomadas6, mesmo que nao tenham gerado um EAM.

Dada a importância da identificaçao das causas dos EAM, realizam-se pesquisas utilizando listas de rastreadores. Os sinais ou rastreadores atuam como pistas na identificaçao de um EAM e sao representados, por exemplo, por alteraçoes clínicas como níveis plasmáticos de glicose, uso de medicamentos como vitamina K ou anti-histamínicos ou mesmo pela suspensao abrupta de algum tratamento farmacológico7. A metodologia de busca ativa de eventos adversos utilizando sinais discretos ou rastreadores rapidamente localizados no prontuário eletrônico se tornou um desafio para instituiçoes envolvidas em segurança do paciente. Os sistemas automatizados de detecçao de danos em tempo real sao relevantes para substituir a revisao manual de prontuários, o que permitiria intervençao imediata de clínicos para prevenir ou mitigar danos iminentes8.

Vários estudos sobre EAM já foram realizados envolvendo pacientes em ambiente hospitalar7, mas há carência em pacientes queimados. As queimaduras sao lesoes extremamente agressivas e, em grande parte das ocorrências, sao provocadas por agentes térmicos, químicos ou elétricos9,10. Podem atingir camadas profundas como tecido muscular, tendoes e ossos, podendo levar à perda de funçao, de membros ou à morte do indivíduo.

O tratamento de pacientes com queimaduras é complexo e envolve diversas estratégias, como procedimentos cirúrgicos e curativos especiais, além de inúmeros medicamentos10. Estes pacientes geralmente permanecem no hospital por longos períodos10 e devido à gravidade do caso, a ocorrência de eventos adversos relacionados aos medicamentos pode comprometer ainda mais o estado de saúde11.

O objetivo do presente trabalho foi avaliar a aplicabilidade dos rastreadores para identificaçao de eventos adversos a medicamentos em pacientes internados em uma Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ) de um hospital de alta complexidade referência em queimados do Distrito Federal.


MÉTODO

Tipo e local do estudo


Foi realizado estudo transversal, baseado na análise documental do livro de registros e dos prontuários eletrônicos dos pacientes da Unidade de Tratamento de Queimados de um hospital de média e alta complexidade, em Brasília, Distrito Federal. A UTQ é um dos 40 centros de referência no atendimento às vítimas de queimaduras do país e o principal da Regiao Centro-Oeste, atendendo em torno de 200 pacientes agudos (queimaduras recentes) por mês, dos quais aproximadamente 20 necessitam de internaçao devido à gravidade das lesoes10.

Populaçao

Foram incluídos no estudo todos os pacientes hospitalizados por queimaduras, no período de 1° de janeiro a 31 de dezembro de 2014. Pacientes com reinternaçao para cirurgia reparadora ou com internaçoes nao relacionadas a queimaduras foram excluídos. As reinternaçoes (pacientes sequelados) foram excluídas por serem na sua maioria de curta duraçao e por apresentar tratamentos medicamentosos ou nao medicamentosos muito distintos das internaçoes agudas.

Instrumentos e coleta de dados

Pacientes, trauma e hospitalizaçao: Foram revisados os prontuários eletrônicos para dados demográficos e do trauma (idade, sexo, comorbidades), para dados da hospitalizaçao (superfície corporal queimada, agente causador, tempo de internaçao, tipo de saída - alta, transferência, óbito ou evasao), os resultados laboratoriais e as prescriçoes diárias. Foi utilizada a Diretriz do Ministério da Saúde para determinaçao da superfície corporal queimada e classificaçao do agente causador9.

Uso de medicamentos e hemoderivados: quanto ao uso de medicamentos, foi investigado, além do nome, o número de medicamentos utilizados durante toda a internaçao. Os medicamentos identificados foram classificados segundo classificaçao Anatômica Terapêutica Química (ATC).

As informaçoes coletadas foram referentes a todo o período de internaçao dos pacientes, considerando-se desde a admissao hospitalar até a alta, transferência ou óbito. Os medicamentos utilizados foram aqueles prescritos durante toda a internaçao dos pacientes.

Rastreadores

Os rastreadores de eventos adversos utilizados foram aqueles presentes na lista proposta em 2004 pelo Institute Healthcare Improvement (IHI)12 e adaptados por Giordani et al.13, os quais pretendem identificar medicamentos, resultados laboratoriais e sinais/sintomas presentes na documentaçao clínica dos pacientes que indiquem um possível EAM. A lista de rastreadores pesquisados nos prontuários inclui 19 itens divididos em: medicamentos (sete), resultados laboratoriais alterados (oito) e sinais/sintomas clínicos (quatro).

Os medicamentos rastreadores foram antieméticos (droperidona, ondansetrona, prometazina, hidroxizina, proclorperazina, trime-tobenzamida ou metoclopramida), anti-histamínicos (difenidramina e dexclorfeniramina), antidiarreico, vitamina K, flumazenil, naloxona, e poliestireno de sódio.

Os resultados laboratoriais alterados investigados foram glicose <50 mg/dL, elevaçao da creatinina sérica, contagem de plaquetas <50.000, contagem de glóbulos brancos <3.000, exame positivo para C. difficile nas fezes, tempo de tromboplastina parcialmente ativada (PTT) >100 segundos, razao normalizada internacional (IRN) >6 e níveis de digoxina >2ng/mL. Os sinais e sintomas pesquisados foram: sedaçao excessiva, incluindo letargia e queda, rash cutâneo, transferência para nível de cuidado de maior complexidade e interrupçao abrupta da medicaçao.

O procedimento de busca de rastreadores em prontuários foi realizado por dois pesquisadores de maneira independente e os resultados confrontados para concordância, as diferenças foram resolvidas por um terceiro pesquisador. Os rastreadores referentes a sinais e sintomas clínicos foram identificados por revisao detalhada da evoluçao médica, da enfermagem e relatório de alta registrados no prontuário eletrônico de cada paciente.

Os resultados laboratoriais alterados e uso de medicamentos foram extraídos dos laudos e das prescriçoes diárias de cada paciente, respectivamente. Os prontuários identificados com presença de rastreador(es) foram separados e utilizados para composiçao da amostra.

Eventos adversos a medicamentos e estabelecimento da causalidade: A amostra de prontuários com presença de rastreadores passou por 2a revisao para identificaçao da presença ou registro de evento adverso ao medicamento. Desta forma, considerou-se evento adverso relacionado aos medicamentos as situaçoes registradas nos prontuários que causaram dano aos pacientes e que puderam ser posteriormente relacionadas ao uso de medicamentos.

Para determinaçao da causalidade, foram analisados pelos pesquisadores os dados clínicos, resultados laboratoriais e os medicamentos adotados pelos pacientes. Foi utilizado o algoritmo proposto por Naranjo et al. (1981) para determinaçao da causalidade dos eventos adversos aos medicamentos.

Estudo Piloto

Para avaliar a aplicabilidade do instrumento de coleta de dados desenvolvido, foi realizado um piloto com 10% da populaçao do estudo. Os resultados indicaram a necessidade de ajustes no instrumento como alteraçao da ordem das variáveis, inclusao da variável 'agente causador da queimadura', o uso (ou nao) de hemocomponentes e hemoderivados e o tipo de saída do hospital.

Análise estatística

Os dados coletados foram armazenados em banco de dados no programa Epidata versao 3.0 e posteriormente analisados no Statistical Package for Social Science (SPSS) versao 20.0. Eles foram avaliados por meio da estatística descritiva, sendo as variáveis numéricas apresentadas em medidas de tendência central e dispersao e as variáveis nominais, em números absolutos e proporçoes. Para cálculo de associaçao, foram realizados o teste do Qui-quadrado e a Prova exata de Fisher e considerado significativo o p-valor menor ou igual a 0,05.

As prevalências dos rastreadores e dos eventos adversos foram apresentadas em proporçao. No caso do EAM foi realizada a proporçao entre o número de casos (pacientes) com EAM em relaçao ao número de pacientes expostos aos medicamentos (no caso, todos os pacientes investigados).

Consideraçoes éticas

Foi obtida autorizaçao da Diretoria do hospital para acesso e consulta ao sistema informatizado de registros de saúde institucional (Trackcare). O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa por meio da plataforma Brasil e aprovado sob o número 994.877 em março de 2015.


RESULTADOS

Durante o período de estudo, foram admitidos para hospitalizaçao na unidade de tratamento de queimados 234 sujeitos. Desses, 15 foram excluídos por reinternaçoes para cirurgias corretivas ou internaçao por outros motivos, sendo considerados 219 participantes. As queimaduras de 2° grau foram motivo de internaçao de 79,4% (n=173) dos pacientes e a média de superfície corporal queimada foi de 14,9% (DP ± 16,4%; mediana 10%). Em 86,0% (n=188) dos pacientes ocorreu alta conforme plano terapêutico e seguiram em acompanhamento ambulatorial; para 2,7% (n = 6) dos pacientes houve necessidade de transferência para outro nível de complexidade de tratamento; em outros 5,0% (n=11) dos pacientes ocorreu óbito em decorrência do trauma. Em 6,3% (n=14) dos pacientes havia lacunas de informaçao sobre o tipo de saída hospitalar.

A média de idade dos pacientes deste estudo foi de 32,4 anos (DP ± 20,1) e o tempo médio de internaçao foi de l3,9 dias (DP ± l3,7; mediana l0 dias). As comorbidades estiveram presentes, no momento da internaçao, em 63% (n=134) dos pacientes, sendo as mais frequentes o tabagismo (26,1%; n = 35), etilismo (23,9%; n = 32), hipertensao arterial sistêmica (18,1%; n=24), obesidade (17,4%; n=23), entre outras.

Os 2l9 pacientes foram expostos a diferentes medicamentos durante o período de hospitalizaçao. A quantidade de

medicamentos diferentes utilizados por paciente esteve entre um e 59, com média de utilizaçao de 14 (DP ± 8,2; mediana de 13). Os medicamentos prescritos mais frequentemente por paciente foram: dipirona sódica (93,6%; n=205), ranitidina (83,1%; n=182), glicose (74%; n=162), sulfadiazina (67,1%; n=147), albendazol (61,6%; n=135), ampicilina e inibidor enzimático (55,7%; n=122), cloreto de sódio (54,8%; n=120), tramadol (47,5%; n=104), dexclorfeniramina (36,1%; n=79), mebendazol (32,4%; n=71), morfina (31,5%; n = 69), omeprazol (30,6%; n = 67), vacina antitetânica (27,4%; n = 60), clorexidina (24,2%; n = 53) e ondansetrona (23,7%; n = 52). Os hemocomponentes e hemoderivados foram utilizados por 31,1% (n = 68) dos pacientes, sendo os mais administrados o concentrado de hemácias (23,4%; n=16) e a albumina humana (14,6%; n=10).

Os prontuários revisados apontaram presença de zero a cinco rastreadores (total: 203), conferindo uma média de 0,9 (DP ± 1,1) e mediana de um rastreador, estando presentes em 57,1% (n=125) prontuários dos pacientes hospitalizados na unidade. Os principais rastreadores identificados foram antieméticos (55,2%; n = 69), anti-histamínicos (42,4%; n = 53) e glicose <50mg/dL em 28,8% (n = 36) dos casos (Tabela 1).




Dos 16 rastreadores investigados nos 125 prontuários, nove (antieméticos, anti-histamínicos, naloxona, elevaçao de creatinina sérica, contagem de plaquetas <50.000, sedaçao excessiva, rash cutâneo, transferência para nível de cuidado de maior complexidade e interrupçao abrupta do tratamento) apontaram suspeita de EAM. Outros três (antidiarreico, glicose <50mg/dL e contagem de glóbulos brancos <3.000), embora presentes nos prontuários, nao identificaram EAM.

Quatro rastreadores (vitamina K, flumazenil, PTT >100 segundos e INR >6) nao foram encontrados nos prontuários revisados (Tabela 1). Nao foi possível avaliar os rastreadores poliestireno de sódio, exame positivo de C difficile e níveis de digoxina maior que 2 nm/mL devido a nao ser parte da rotina da unidade de tratamento de queimados do hospital.

Em mais da metade dos prontuários revisados foi identificado ao menos um rastreador de EAM, entretanto, mesmo que esse número tenha sido alto, constatou-se incidência de 5,0% (11/219) de pacientes com registro de suspeita de eventos adversos a medicamentos. Contudo, houve pacientes com mais de um registro de suspeita de evento adverso, sendo 24 EAM nos 11 pacientes.

Os órgaos e sistemas fisiológicos afetados pelos eventos adversos foram trato gastrointestinal (desconforto e dor abdominal, náuseas, vômitos e diarreia), dermatológico (placas eritematosas e prurido intenso), sistema respiratório (taquipneia e dispneia), trato urinário (nefrotoxicidade), sistema cardiovascular (extrassístole e taquicardia), sistema nervoso central (síndrome extrapiramidal) e outros (desorientaçao, mal-estar e leucocitose).

A causalidade dos eventos adversos a medicamentos foi estabelecida como definida para sete situaçoes. Esta relaçao foi estabelecida como provável em 10 situaçoes, como possível em duas situaçoes e duvidosa em outras duas situaçoes. Em três casos nao foi possível estabelecer a relaçao causal dos eventos adversos devido a lacunas de informaçao (Tabela 2).




Houve associaçao significante entre ocorrência de evento adverso e número de medicamentos utilizados maior que 13 (p<0,003). Nao foi encontrada associaçao significante entre eventos adversos a medicamentos e desfecho óbito, porcentagem de superfície corporal queimada ou agente causador da queimadura (Tabela 3).




DISCUSSAO

As informaçoes relacionadas à descriçao das características sociodemográficas, clínicas, do trauma e da hospitalizaçao dos participantes deste estudo foram descritas e publicadas por Nascimento et al.10.

Há muitos trabalhos publicados na literatura que abordam o tratamento de pacientes vítimas de queimaduras, contudo, há carência de trabalhos que estudem o tratamento medicamentoso e a segurança dos pacientes relacionadas a este tipo de tratamento. Neste contexto, a ocorrência de EAM e o uso de rastreadores foram investigados trazendo uma contribuiçao para a literatura sobre o tema. Neste estudo, foi observado que a presença de rastreadores nao difere daquela verificada por Giordani et al.13 em hospital universitário do Sul do país, quando estes observaram a presença de rastreadores em 62,9% dos prontuários investigados.

Os resultados deste estudo mostraram que, da lista de 16 rastreadores pesquisados, mais da metade (nove) apontaram suspeitas de EAM; três, embora presentes nos prontuários, nao identificaram registros de EAM e quatro nao foram encontrados em nenhum dos prontuários revisados. Resultado semelhante ao encontrado em estudo realizado por Rozenfeld et al.7 em hospital do Rio de Janeiro.

Nesse estudo, da lista de 18 rastreadores utilizados, oito (uso de coagulantes, antieméticos, digoxina; glicose sanguínea <50 mg/dL, elevaçao sérica de creatinina, sedaçao, rash cutâneo e interrupçao abrupta de medicaçao) identificaram de fato EAM. Outros seis (uso de anti-histamínicos ou antidiarreico, ou resina de troca iônica, diminuiçao de leucócitos, diminuiçao de plaquetas e transferência para nível mais alto de complexidade de tratamento), embora descritos nos prontuários, nao identificaram EAM. E quatro (antagonista de benzodiazepínicos, antagonista de opioides, PTT > 100 segundos e INR >6) nao foram encontrados em nenhum dos prontuários revisados7.

Neste estudo, os principais rastreadores identificados foram antieméticos (31,5% dos prontuários), anti-histamínicos (24,2%) e hipoglicemia (16,4%). De maneira diferente, um estudo de aplicaçao de rastreadores realizado em hospital universitário do Oeste do Paraná encontrou antieméticos (72,1%), interrupçao abrupta da medicaçao (70,0%) e sedaçao excessiva, sonolência, torpor, letargia, queda e hipotensao (34,6%) predominantemente13. Esta diferença pode estar relacionada ao perfil dos pacientes investigados.

Entre os rastreadores que foram observados neste estudo, os antieméticos podem indicar eventos adversos relacionados aos analgésicos e sedativos. No caso de pacientes em tratamento de queimaduras, os anti-histamínicos podem relacionar-se ao manejo de reaçoes alérgicas, bem como, para o alívio de prurido decorrente da reepitelizaçao. Os níveis de glicose abaixo de 50 mg/dL podem relacionar-se a uma dose elevada de insulina ou outro hipoglicemiante, contudo, hipoglicemia também pode estar relacionada à necessidade de inúmeros procedimentos cirúrgicos que exigem jejum dos pacientes queimados para sua realizaçao. Fato este que é confirmado pela baixa prevalência de diabetes na amostra e também do uso de medicamentos hipoglicemiantes.

Observou-se que em mais da metade dos pacientes hospitalizados por queimaduras os rastreadores de eventos adversos aos medicamentos estiveram presentes, em contraste aos poucos registros de EAM nos prontuários. Considera-se que este desencontro de informaçoes pode estar relacionado à falta de um método eficaz de identificaçao e registro destes eventos. Os registros podem contribuir para a elaboraçao de medidas de minimizaçao de danos e custos.

No total de 219 pacientes queimados estudados, a incidência de eventos adversos registrados foi de 5,0%, tendo sido encontrada uma taxa de 24 EAM em 219 hospitalizaçoes. Os resultados deste estudo apontaram que em 8,9% dos prontuários com presença de rastreadores os pacientes de fato foram acometidos por EAM. De maneira diferente, o estudo de Rozenfeld et al.7 mostrou que, em 15,6% dos prontuários com presença de rastreadores, os pacientes realmente tiveram EAM. Resultado semelhante foi encontrado em estudo realizado em hospital oncológico do Rio de Janeiro que realizou busca ativa de reaçoes adversas a medicamentos com a metodologia de trigger tool e comparou os resultados com o método de notificaçao voluntária utilizada na instituiçao. Na revisao de 608 prontuários foram encontrados 165 rastreadores que detectaram 18 reaçoes adversas a medicamentos em 15 pacientes14.

Estudo retrospectivo realizado em populaçao pediátrica utilizou Global Trigger Tool (GTT) para identificar eventos adversos em 200 pacientes. Os autores identificaram 289 rastreadores (1,4 por paciente) e 53 eventos adversos (26 eventos adversos por 100 pacientes)5.

Um estudo retrospectivo, realizado num centro hospitalar de Portugal, utilizou a metodologia de Global Trigger Tool (GTT) para identificar eventos adversos em pacientes hospitalizados. Os autores encontraram 278 rastreadores em amostra de 90 prontuários, dos quais 124 resultaram em eventos adversos15. Os achados do estudo português apontaram maior número de EAM identificados pela metodologia de rastreadores que nos pacientes queimados deste estudo.

Os 219 pacientes foram expostos a até 59 diferentes medicamentos durante o período de estudo. Em revisao sistemática da literatura empreendida por Lanzillotti et al.16, os autores concluíram que os eventos adversos relacionados ao uso de medicamentos sao os mais frequentes em ambiente hospitalar devido à maior exposiçao aos medicamentos.

A relaçao entre maior exposiçao aos medicamentos e presença e EAM também foi confirmada pelos resultados deste estudo. Devido à gravidade das lesoes e às complicaçoes decorrentes do trauma, observa-se a necessidade de grande aporte medicamentoso no tratamento destes pacientes. Dentre os medicamentos mais prescritos, estao os antibacterianos de uso sistêmico e os analgésicos, importantes no manejo de infecçoes e da dor, muito presentes nestes casos.

Neste estudo, os antibacterianos de uso sistêmico foram muito utilizados na prevençao e tratamento de infecçoes nos pacientes queimados, resultado já apontado por Rosanova et al.17 com hemo-cultura positiva em 76,3% pacientes queimados e uso de colistina em 62% destes. Os medicamentos analgésicos encontrados nesse estudo estao de acordo com os descritos por outros autores18, o que poderia apontar para uso padronizado da terapêutica disponível no hospital para manejo da dor.

As limitaçoes do estudo foram, em parte, devido ao modelo, no qual a coleta de dados deu-se pela análise retrospectiva de prontuários. Novos trabalhos que acompanhem de forma prospectiva e que possibilitem a discussao da presença dos rastreadores e suspeitas de EAM com a equipe de cuidado e o núcleo de segurança do paciente sao estratégias importantes a serem incorporadas.

Os dados foram coletados de um centro de referência em queimados de um único hospital (validade interna), nao sendo generalizáveis para outras unidades de queimados do país (validade externa). Contudo, de acordo com o Institute for Healthcare Improvement uma amostra aleatória mensal de 20 prontuários é suficiente para o monitoramento de rastreadores de eventos adversos12. Neste estudo, o mesmo número de pacientes foi acompanhado (considerando a média mensal), o que permitiria fazer inferências sobre a utilizaçao dos rastreadores na populaçao de pacientes hospitalizados por queimaduras.

Por se tratar de uma abordagem nova em pacientes queimados, nao há padrao ouro comparativo e como determinar a especificidade ou sensibilidade dos rastreadores nesses casos. Adicionalmente, o hospital nao realiza rotineiramente alguns testes laboratoriais e microbiológicos relacionados a rastreadores, nao permitindo a avaliaçao da capacidade de identificar eventos adversos de todos os rastreadores propostos pelo IHI.

Este estudo pode nao ter considerado todos os medicamentos para sedaçao e analgesia utilizados nos procedimentos e cirurgias a que os pacientes foram submetidos. Fato que excluiu importante parcela de medicamentos e impediu a identificaçao e análise de possíveis eventos adversos e aplicaçao de rastreadores relacionados.

A lista de rastreadores utilizada neste estudo foi desenvolvida por pesquisadores de hospital com níveis de atendimento secundário e terciário, com diversas especialidades clínicas e cirúrgicas, contudo, sem atendimento de pacientes queimados.

A metodologia foi desafiada pela especificidade do trauma das queimaduras e mostrou a necessidade de adaptaçao dos rastreadores à realidade clínica deste grupo, aos exames realizados e aos medicamentos padronizados no hospital estudado. Os resultados apontaram para exigência de identificaçao de novos rastreadores com base nos EAM desses pacientes e assim possivelmente observar um melhor desempenho dos rastreadores quanto à identificaçao de potenciais EAM.


CONCLUSAO

A ocorrência de eventos adversos foi associada significativamente ao amplo uso de medicamentos durante a internaçao nos pacientes vítimas de queimaduras. O uso de rastreadores era uma ferramenta até entao nao utilizada no monitoramento de eventos adversos aos medicamentos nos pacientes deste hospital. Observou-se que a busca ativa de eventos adversos com uso de rastreadores ajudou na detecçao de eventos dessa natureza, o que poderia melhorar o cuidado em saúde dos pacientes queimados.

Contudo, os resultados apontaram a necessidade de adequaçao da lista de rastreadores com validaçao de rastreadores específicos para a terapêutica das queimaduras devido à complexidade do tratamento e a dificuldade de diferenciaçao entre a evoluçao clínica e o rastreador, o que sugere realizaçao de novos estudos.


AGRADECIMENTO

Os autores agradecem as farmacêuticas Carla Carlos dos Santos e Priscila Batista Correa Parente e à equipe da Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF, pela ajuda na coleta dos dados desta pesquisa.


REFERENCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Fundaçao Oswaldo Cruz. Documento de referência para o Programa Nacional de Segurança do Paciente [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [acesso 2017 Dez 15]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/documento_referencia_programa_nacional_seguranca.pdf

2. Pintor-Mármol A, Baena MI, Fajardo PC, Sabater-Hernández D, Saéz-Benito L, García-Cárdenas MV, et al. Terms used in patient safety related to medication: a literature review. Pharmacoepidemiol Drug Saf. 2012;21(8):799-809

3. Brasil. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Implantaçao do Núcleo de Segurança do Paciente em serviços de saúde. Série Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde. Brasília: ANVISA; 2014 [acesso 2017 Dez 15]. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33852/3507912/Caderno+6+-+Implanta%C3%A7%C3%A3o+do+N%C3%BAcleo+de+Seguran%C3%A7a+do+Paciente+em+Servi%C3%A7

os+de+Sa%C3%BAde/cb237a40-ffd1-401f-b7fd-7371e495755c


4. Roque KE, Melo ECP. Avaliaçao dos eventos adversos a medicamentos no contexto hospitalar. Esc Anna Nery. 2012;16(1):121-7.

5. Daventport MC, Domínguez PA, Ferreira JP, Kannemann AL, Paganini A, Torres FA. Measuring adverse events in pediatric inpatients with the Global Trigger Tool. Arch Argent Pediatr. 2017;115(4):357-63.

6. Capucho HC, Arnas MR, Cassiani SHB. Segurança do paciente: comparaçao entre notificaçoes voluntárias manuscritas e informatizadas sobre incidentes em saúde. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):164-72.

7. Rozenfeld S, Giordani F, Coelho S. Eventos adversos a medicamentos em hospital terciário: estudo piloto com rastreadores. Rev Saúde Pública. 2013;47(6):1102-11.

8. Sammer C, Miller S, Jones C, Nelson A, Garret P, Classen D, et al. Developing and Evaluating an Automated All-Cause Harm Trigger System. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2017;43(4):155-65.

9. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atençao à Saúde, Departamento de Atençao Especializada. Cartilha para Tratamento de Emergências das Queimaduras. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [acesso 2016 Maio 26]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf

10. Nascimento SB, Soares LSS, Areda CA, Saavedra PAE, Leal JVO, Adorno J, et al. Perfil dos pacientes hospitalizados na unidade de queimados de um hospital de referência de Brasília. Rev Bras Queimaduras. 2015;14(3):211-7.

11. Saavedra PA, Meiners MMMA, Lopes LC, Silva EV, Silva DLM, Noronha E, et al. Adverse reactions among in-patients with infectious diseases at a Brazilian hospital. Rev Soc Bras Med Trop. 2016;49(6):763-7. DOI: 10.1590/0037-8682-0238-2016

12. Institute for Healthcare Improvement (IHI). Trigger Tool for Measuring Adverse Drug Events. Cambridge: IHI; 2004 [acesso 2016 Jun 20]. Disponível em: http://www.ihi.org/NR/rdonlyres/8D970CE4-BF8C-4F35-9BC1-51358FC8B43F/2222/

13. Giordani F, Rozenfeld S, Oliveira DFM, Versa GLGS, Terencio JS, Caldeira LF, et al. Vigilância de eventos adversos a medicamentos em hospitais: aplicaçao e desempenho de rastreadores. Rev Bras Epidemiol. 2012;15(3):455-67.

14. Agrizzi AL, Pereira LC, Figueira PHM. Metodologia de busca ativa para detecçao de reaçoes adversas a medicamentos em pacientes oncológicos. Rev Bras Farm Hosp Serv Saúde Sao Paulo. 2013;4(1):6-11.

15. Pierdevara L, Ventura IM, Eiras M, Gracias AMB, Silva CS. Uma experiência com a Global Trigger Tool no estudo dos eventos adversos num serviço de medicina. Rev Enferm Ref. 2016;IV(9):97-105.

16. Lanzillotti LS, DeSeta MH, Mendes-Junior WV, Andrade LCT. Eventos adversos e outros incidentes na unidade de terapia intensiva neonatal. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(3):937-46.

17. Rosanova MT, Stamboulian D, Lede R. Risk factors for mortality in burn children. Braz J Infect Dis. 2014;18(2):144-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.bjid.2013.08.004

18. Castro RJA, Leal PC, Sakata RK. Tratamento da dor em queimados. Rev Bras Anestesiol. 2013;63(1):154-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-70942013000100013









Recebido em 23 de Julho de 2018.
Aceito em 17 de Fevereiro de 2019.

Local de realização do trabalho: Hospital Regional da Asa Norte, Brasília, DF, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


© 2024 Todos os Direitos Reservados