4864
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Relato de Caso

Efeitos do tratamento tópico com ácido hialurônico 0,2% em queimadura de segundo grau: um relato de experiência

Effects of topical treatment with hyaluronic acid 0.2% in second-degree burn: an experience report

Marilene Neves da Silva1; Gislaine Vieira Damiani2; Valéria Aparecida Masson3; Sarah Russo Calil4; Virginia Volpato5; Natália Gonçalves6; Pedro Gonçalves Oliveira7; João Cezar Castilho8

RESUMO

OBJETIVO: Testar o uso tópico diário e prolongado na cicatrizaçao de queimaduras em idoso, observando-se os parâmetros: tempo de cicatrizaçao, presença ou ausência de cicatrizes hipertróficas e o efeito estético final resultante do tratamento.
RELATO DE CASO: Trata-se de um relato de caso realizado em clínicaescola de uma Faculdade de Enfermagem do interior paulista. O estudo descreve o tratamento empregado em lesao por queimadura de segundo grau em uma paciente de 64 anos, que sofreu queimadura de espessura parcial por escaldadura. Foi realizado registro fotográfico e a avaliaçao da ferida. Inicialmente, a paciente recebeu o tratamento convencional com sulfadiazina de prata 1% durante sete dias. Como nao houve resoluçao, iniciou-se o tratamento com ácido hialurônico (AH) 0,2% diariamente. Com 14 dias de tratamento, observou-se completa reepitelizaçao. Após 27 dias do início do tratamento, a cicatriz apresentou-se com melhora de hiperpigmentaçao e nao havia sinais de hipertrofia. Nao foram observados eventos adversos locais ou sistêmicos durante o período de estudo da lesao.
CONCLUSAO: Os dados permitem concluir que a aplicaçao tópica de AH 0,2% em queimaduras de paciente idoso contribuiu para acelerar a cicatrizaçao, melhorou a evoluçao do tratamento e o resultado estético.

Palavras-chave: Ácido Hialurônico. Queimaduras. Cicatrização. Idoso.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To test daily and prolonged topical use in the healing of burns in the elderly, considering the parameters: time of healing, presence or absence of hypertrophic scars and the final aesthetic effect resulting from the treatment.
CASE REPORT: This is a case report carried out in the clinical school of a School of Nursing at Sao Paulo state. The study describes the treatment used in second-degree burn injury in a 64-year-old patient who suffered partial thickness burn by scald. Photographic recording and wound evaluation were performed. Initially, the patient received conventional treatment with 1% silver sulfadiazine for seven days. As there was no resolution, treatment with 0.2% hyaluronic acid (HA) was started daily. At 14 days of treatment, complete re-epithelization was observed. After 27 days, the scar presented with improvement of hyperpigmentation and there were no signs of hypertrophy. No local or systemic adverse events were observed during the study period of the lesion.
CONCLUSION: The data allow us to conclude that the topical application of AH 0.2% in burns of elderly patients contributed to accelerate healing, improved treatment evolution and aesthetic result.

Keywords: Hyaluronic Acid. Burns. Wound Healing. Aged.

INTRODUÇAO

A pele é considerada o maior órgao do corpo humano e é responsável por diferentes funçoes. Entre as maiores causas de dano cutâneo encontram-se as queimaduras, ocupando o segundo lugar entre os acidentes que mais comumente ocorrem no mundo1.

Queimaduras sao lesoes com litígio cicatricial complexo, que desafiam a interface do cuidar em vários seguimentos e promovem a condiçao de um árduo e dolente processo de enfrentamento pelos pacientes, bem como da equipe multidisciplinar2,3.

Pacientes que sofreram queimaduras apresentam reaçao inflamatória sistêmica que modifica o metabolismo, podendo apresentar infecçao da área queimada. Dois fatores contribuem para o aumento da incidência da infecçao: a perda de soluçao de continuidade da pele e a imunossupressao resultante da própria queimadura. No caso de pacientes com queimadura de médio e grande porte, as diversas alteraçoes orgânicas ocasionadas interferem e dificultam o tratamento4.

Os pacientes com queimaduras representam uma populaçao altamente susceptível à infecçao por microrganismos de origem endógena e exógena, como um resultado do rompimento da barreira normal da pele, acompanhado de uma depressao da resposta imune3,5.

Há uma grande necessidade em padronizaçao de condutas relacionadas ao tratamento das feridas, principalmente no que se refere aos procedimentos com curativos. O desenvolvimento de novas técnicas e produtos para a realizaçao de curativos e métodos coadjuvantes no tratamento de feridas tem exigido a criaçao de grupos de estudo sobre as lesoes cutâneas.

Embora se acredite que os recursos e tecnologias já existentes possam ser suficientes, muito há que se pesquisar ainda nesse campo, para promover um aperfeiçoamento de tais recursos e desenvolvimento de tecnologias eficazes e assim torná-los acessíveis ao maior número de pessoas possíveis6.

Neste sentido, o cuidado com feridas, estimulado pelo aprimoramento contínuo de tecnologias e práticas inovadoras, vem ocasionando inúmeros questionamentos em relaçao à eficácia dos produtos utilizados no tratamento, visto que a incidência e a prevalência de lesoes da pele sao ainda extremamente altas, repercutindo em elevados custos financeiros e consequências sociais sobre os portadores, os quais, com frequência, desenvolvem sequelas que levam ao afastamento do trabalho e de suas atividades normais7.

Neste contexto, destaca-se o ácido hialurônico (AH) como nova tecnologia para o tratamento de lesoes dérmicas e epidérmicas. Trata-se de uma molécula constituída por unidades dissacarídeas repetidas, compostas de ácido D-glucurônico e N-acetilglicosamina, unidas por ligaçoes ß-glicosídicas, que contribui com a formaçao da matriz extracelular e reparaçao tecidual. O AH apresenta características essenciais a qualquer cobertura de origem biológica, como biocompatibilidade, biodegradabilidade e nao imunogênicas8-10.

Um estudo investigou a açao tópica do AH em queimaduras de ratos adultos, até a epitelizaçao completa das lesoes. Os autores concluíram que o AH tópico contribuiu para acelerar o tempo de cicatrizaçao, melhorou a evoluçao histológica e o resultado estético em queimaduras do dorso de ratos adultos11.

Ademais, resultados do estudo realizado com 16 pacientes portadores de queimaduras de diversos graus de profundidade e extensao, em que áreas similares foram tratadas com creme de AH 0,2% ou tratamento tópico convencional (creme de sulfadiazina de prata 1%, soluçao de nitrato de prata a 0,5% ou vaselina sólida), demonstraram que o uso de AH tópico apresentou eficácia superior ao tratamento tópico convencional, em todos os parâmetros analisados. O principal benefício do AH foi o aumento na velocidade de reepitelizaçao12.

Os dados acima descritos estimularam a realizaçao de estudo com creme de AH 0,2% com o objetivo de testar o uso tópico diário e prolongado na cicatrizaçao de queimaduras em idoso, observando-se os parâmetros: tempo de cicatrizaçao, presença ou ausência de cicatrizes hipertróficas e o efeito estético final resultante do tratamento.


RELATO DE EXPERIENCIA

Trata-se de um relato de experiência realizado em clínicaescola de uma Faculdade de Enfermagem do interior paulista. O estudo descreve o tratamento empregado em lesao por queimadura de segundo grau superficial e pequenas áreas de segundo grau profundo em uma paciente de 64 anos, que sofreu queimadura por escaldadura no dia 27 de outubro de 2016. A paciente foi orientada sobre o estudo e autorizou a divulgaçao das imagens, assinando um termo de autorizaçao de uso de imagem.

Inicialmente, a paciente submeteu-se a tratamento tópico com sulfadiazina de prata 1% durante sete dias, em serviço de atençao terciária. Em 3 de novembro de 2016, foi interrompido o uso desse tratamento devido ao insucesso na reparaçao da lesao.

Nesta mesma data, a paciente foi admitida na clínica-escola e realizada a avaliaçao da ferida. Esta apresentava 10 centímetros de diâmetro, localizada em regiao do flanco direito (Figura 1A), com fina camada de fibrina e pequenas áreas de queimadura de segundo grau profundo.


Figura 1 - Evoluçao da cicatrizaçao da queimadura de segundo grau em regiao do flanco direito.



Foi iniciado protocolo com limpeza diária com soluçao salina e aplicaçao de fina camada creme à base de AH 0,2% (Hyaludermin® - TRB Pharma). A evoluçao da lesao foi acompanhada semanalmente, avaliada e registrada pela equipe da Clínica de Enfermagem. Os resultados foram registrados em prontuário da paciente e por meio de registros fotográficos da lesao. A análise dos efeitos do tratamento foi realizada com registro fotográfico a uma distância de 20 centímetros, com máquina digital com 14.1 megapixels.

No primeiro dia a lesao apresentava extensa camada de fibrina (Figura 1A). Após sete dias de tratamento, observou-se significativa reduçao do tecido fibrinoso (Figura 1B) e cicatrizaçao parcial da ferida. Em 14 dias de uso de creme de AH, foi identificada a completa reepitelizaçao da área (Figura 1C). No 28º dia, a cicatriz apresenta-se elástica e com áreas hiperpigmentadas (Figura 1D).

A reparaçao tecidual apresentou ótima evoluçao após tratamento tópico, diário, com creme contendo AH 0,2%, sem prejuízo da área perilesional.

Durante o tratamento, o creme à base de AH apresentou facilidade de manipulaçao e remoçao durante os curativos diários. Nao foram observados eventos adversos locais ou sistêmicos durante o período de estudo da lesao (Figura 1).

Após a cicatrizaçao, deu-se continuidade ao uso do AH por 27 dias e observou-se uma melhora da hiperpigmentaçao da área cicatricial e ausência de hipertrofia (Figura 2).


Figura 2 - Cicatriz por queimadura 27 dias após o uso do ácido hialurônico 0,2%.



DISCUSSAO

O AH 0,2% tem se mostrado eficiente em diferentes processos de cicatrizaçao. Seu mecanismo de açao faz com que este seja ativo em todas as fases da reparaçao tecidual (inflamaçao, proliferaçao e remodelaçao). Os dados deste estudo corroboram achados na literatura que comprovam a efetividade do uso de AH 0,2% tópico no tratamento de lesoes de difícil resoluçao12-14.

Nesse sentido, pesquisa recente demonstrou que o uso de AH proporcionou cicatrizaçao de forma mais rápida e efetiva de queimadura decorrente da exposiçao a fertilizante, em comparaçao ao uso de ácidos graxos essenciais (AGE)15.

Mais ainda, especificamente em lesoes térmicas, um estudo de coorte com 60 pacientes com queimaduras de espessura parcial apontou que a aplicaçao de AH combinado com zinco reduziu o tamanho da ferida em 50% em média nos cinco primeiros dias de seguimento. A cicatrizaçao completa ocorreu em 93,3% da amostra em 21 dias de seguimento, com tempo médio de cicatrizaçao de 10,5 dias16.

Em estudos experimentais o AH demonstrou superioridade em comparaçao a outras coberturas, no que concerne a menor tempo de cicatrizaçao das feridas e características histológicas como maior densidade microvascular e melhor elasticidade17,18.

Quando o AH é aplicado em feridas, ocorre maior retençao de água, favorecendo um ambiente adequado para a formaçao de colágeno e elastina, permitindo que as células se proliferem e se diferenciem e, consequentemente, acelerando o processo de cicatrizaçao19.

Além disso, alguns pesquisadores demonstraram que o HA tem o potencial de ser usado na regeneraçao tecidual20 e de normalizar o queloide e as características dos fibroblastos, tais como hiperproliferaçao, produçao de fator de crescimento e deposiçao de matriz extracelular21,22. Esses dados reforçam a capacidade do AH de reduzir a formaçao de cicatrizes hipertróficas ou queloides após lesoes causadas por queimaduras.

Estudo experimental realizado para determinar a tolerância da pele à aplicaçao tópica do AH em lesoes de espessura total (35% da sua superfície corporal) constatou que a substância foi bem tolerada e nao apresentou efeitos colaterais ou adversos23,24. Esses dados reforçam a boa tolerabilidade do creme contendo AH encontrada em nosso trabalho, para tratamento de lesoes cutâneas decorrentes de queimaduras.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Os dados permitem concluir que a aplicaçao tópica de AH 0,2% em queimaduras de paciente idoso contribuiu para acelerar a cicatrizaçao, melhorou a evoluçao do tratamento e o resultado estético.

Cabe ressaltar que a açao tópica do AH 0,2% apresentou resposta significativamente favorável no que tange ao tempo médio de cicatrizaçao de queimaduras de espessura parcial ou espessura parcial profunda. Também foi observado que nao houve ocorrência de reaçoes adversas, sugerindo, assim, a possibilidade para a utilizaçao clínica do produto, principalmente em unidades de assistências, em termos de efetividade e segurança.


REFERENCIAS

1. Martineau L, Shek PN. Evaluation of a bi-layer wound dressing for burn care. II. In vitro and in vivo bactericidal properties. Burns. 2006;32(2):172-9.

2. Carlucci VD, Rossi LA, Ficher AM, Ferreira E, de Carvalho EC. Burn experiences from the patient's perspective. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):21-8.

3. Silva MN, Taminato M, Beretta ALRZ. Comparative study of the efficacy of nanocrystalline silver dressing and silver sulfadiazine applied on burns in hospitalized patients. J Dent Med Sci. 2014;3(4):63-7.

4. Peters DA, Verchere C. Healing at Home: Comparing cohorts of children with medium- sized burns treated as outpatients with in-hospital applied Acticoat to those children treated as inpatients with silver sulfadiazine. J Burn Care Res. 2006;27(2):198-201.

5. Erol S, Altoparlak U, Akcay MN, Celebi F, Parlak M. Changes of microbial flora and wound colonization in burned patients. Burns. 2004;30(4):357-61.

6. Mandelbaum SH, Di Santis EP, Mandelbaum MHSA. Cicatrization: current concepts and auxiliary resources - Part I. An Bras Dermatol. 2003;78(4):393-408.

7. Campos DLP, Fragadolli LV, Gimenes GA, Ruiz RO, Orgaes FS, Gonella HA. Use of nanocrystalline silver dressing on graft mesh burns colonized by multi-drug-resistant strains. Rev Bras Cir Plást. 2009;24(4):471-8.

8. Longinotti C. The use of hyaluronic acid based dressings to treat burns: A review. Burns Trauma. 2014;2(4):162-8.

9. Hedén P, Sellman G, von Wachenfeldt M, Olenius M, Fagrell D. Body shaping and volume restoration: the role of hyaluronic acid. Aesthetic Plast Surg. 2009;33(3):274-82.

10. Viana GP, Osaki MH, Cariello AJ, Damasceno RW. [Treatment of tear trough deformity with hyaluronic acid gel filler]. Arq Bras Oftalmol. 2011;74(1):44-7.

11. Medeiros ADC, Ramos AMO, Dantas Filho AM, Azevedo RCF, Araújo FLFB. Tratamento tópico de queimaduras do dorso de ratos com ácido hialurônico. Acta Cir Bras. 1999; 14(4).

12. Voinchet V, Vasseur P, Kern J. Efficacy and safety of hyaluronic acid in the management of acute wounds. Am J Clin Dermatol. 2006;7(6):353-7. 13. Frenkel JS. The role of hyaluronan in wound healing. Int Wound J. 2014;11(2):159-63. 14. Liang J, Jiang D, Noble PW. Hyaluronan as a therapeutic target in human diseases. Adv Drug Deliv Rev. 2016;97:186-203.

15. Gonçalves N, Franzolin RA, Oliveira PG, Castilho JC. Comparaçao dos efeitos do ácido hialurônico 0,2% e ácidos graxos essenciais em paciente com queimadura por fertilizante: relato de caso. Rev Bras Queimaduras. 2016;15(3):175-8.

16. uhász I, Zoltán P, Erdei I. Treatment of partial thickness burns with Zn-hyaluronan: lessons of a clinical pilot study. Ann Burns Fire Disasters. 2012;25(2):82-5.

17. Shimizu N, Ishida D, Yamamoto A, Kuroyanagi M, Kuroyanagi Y. Development of a functional wound dressing composed of hyaluronic acid spongy sheet containing bioactive components: evaluation of wound healing potential in animal tests. J Biomater Sci Polym Ed. 2014;25(12):1278-91.

18. Yang G, Espandar L, Mamalis N, Prestwich GD. A cross-linked hyaluronan gel accelerates healing of corneal epithelial abrasion and alkali burn injuries in rabbits. Vet Ophthalmol. 2010;13(3):144-50.

19. Anilkumar TV, Muhamed J, Jose A, Jyothi A, Mohanan PV, Krishnan LK. Advantages of hyaluronic acid as a component of fibrin sheet for care of acute wound. Biologicals. 2011;39(2):81-8.

20. Neuman MG, Nanau RM, Oruña-Sanchez L, Coto G. Hyaluronic acid and wound healing. J Pharm Pharm Sci. 2015;18(1):53-60.

21. Sun LT, Friedrich E, Heuslein JL, Pferdehirt RE, Dangelo NM, Natesan S, et al. Reduction of burn progression with topical delivery of (antitumor necrosis factor-alpha)- hyaluronic acid conjugates. Wound Repair Regen. 2012;20(4):563-72.

22. Hoffmann A, Hoing JL, Newman M, Simman R. Role of Hyaluronic Acid Treatment in the Prevention of Keloid Scarring. J Am Coll Clin Wound Spec. 2013;4(2):23-31.

23. Weinstein-Oppenheimer CR, Aceituno AR, Brown DI, Acevedo C, Ceriani R, Fuentes MA, et al. The effect of an autologous cellular gel-matrix integrated implant system on wound healing. J Transl Med. 2010;8:59.

24. Dalmedico MM, Meier MJ, Felix JV, Pott FS, Petz F de F, Santos MC. Hyaluronic acid covers in burn treatment: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):522-8.









Recebido em 8 de Março de 2016.
Aceito em 10 de Maio de 2017.

Local de realização do trabalho: Clínica escola da Faculdade de Americana, Americana, SP, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores agradecem ao Laboratório TRB Pharma Indústria Química e Farmacêutica LTDA pelo fornecimento de Hyaludermin para o tratamento do paciente na clínica-escola do curso de Enfermagem da Faculdade de Americana.


© 2024 Todos os Direitos Reservados