Isadora de Freitas Marcatto, Natália Santiago Cerqueira Lima
DOI: 10.5935/2595-170X.20250017
RESUMO
OBJETIVO: Relatar o uso de curativo revestido com Cloreto de Dialquil Carbamoil para tratamento de queimaduras de espessura parcial e total da pele em pacientes adultos hospitalizados em um Centro de Tratamento de Queimados brasileiro.
MÉTODO: Série de casos de natureza descritiva, observacional e retrospectiva. Foram descritos pacientes atendidos em um único hospital público, entre novembro e dezembro de 2024, que utilizaram Cloreto de Dialquil Carbamoil como cobertura primária. Os dados foram obtidos por meio da análise de prontuários eletrônicos.
RESULTADOS: Foram descritos três pacientes que utilizaram curativo revestido com Cloreto de Dialquil Carbamoil durante a hospitalização. As lesões variaram de espessura parcial superficial até espessura total e incluíram também áreas de enxerto. Todos os pacientes alcançaram resultados satisfatórios e condições clínicas para alta hospitalar.
CONCLUSÕES: O uso do curativo revestido com Cloreto de Dialquil Carbamoil demonstrou-se uma cobertura alternativa viável no manejo de queimaduras, mesmo em contextos clínicos complexos. Os resultados observados sugerem que essa tecnologia pode contribuir para a otimização do processo de cicatrização e para a prevenção de infecções.
Palavras-chave: Relatos de Casos. Terapêutica. Ferimentos e Lesões. Mecanismos Defensivos e Curativos. Queimaduras.
ABSTRACT
OBJECTIVE: To report the use of a dressing coated with Dialkyl Carbamoyl Chloride for the treatment of partial- and full-thickness skin burns in adult patients hospitalized in a Brazilian Burn Treatment Center.
METHODS: Descriptive, observational, and retrospective case series. The study described patients treated at a single public hospital between November and December 2024, who used Dialkyl Carbamoyl Chloride as primary wound coverage. Data were obtained through the analysis of electronic medical records.
RESULTS: Three patients who used a dressing coated with Dialkyl Carbamoyl Chloride during hospitalization were described. The wounds ranged from superficial partial-thickness to full-thickness burns and also included grafted areas. All patients achieved satisfactory outcomes and clinical conditions for hospital discharge.
CONCLUSIONS: The use of the dressing coated with Dialkyl Carbamoyl Chloride proved to be a viable alternative for burn management, even in complex clinical settings. The observed results suggest that this technology may contribute to optimizing the healing process and preventing infections.
Keywords: Case Reports.Therapeutics. Wounds and Injuries. Defensive and Curative Mechanisms. Burns.
INTRODUÇÃO
O uso de antibióticos no tratamento de infecções decorrentes de lesões profundas iniciou-se em 19341. Desde então, as consequências do uso generalizado dessa terapia configuram um desafio mundial a ser superado, sendo que a necessidade de conter a resistência antimicrobiana (RAM) foi destacada pela Associação Europeia de Gestão de Feridas como um ponto crítico para profissionais que manejam feridas1,2.
Nesse contexto, o surgimento de cepas multirresistentes tornou-se uma preocupação alarmante, dado que os antibióticos em desenvolvimento clínico ou já aprovados não são capazes de combater a ascensão da RAM3.
Além disso, os biocidas - amplamente utilizados em feridas infectadas ou com risco de infecção - podem favorecer a sobrevivência bacteriana, a ocorrência de surtos e o desenvolvimento de RAM, especialmente quando utilizados de forma errônea devido à incompreensão de sua aplicabilidade4.
As Nações Unidas e outras agências internacionais estimam que, se tal ritmo for mantido até 2050, aproximadamente 10 milhões de mortes ocorrerão, com custos econômicos em torno de 66 trilhões de euros5. Diante desse cenário ameaçador, o uso criterioso de agentes antibióticos e biocidas torna-se fundamental para mitigar os danos decorrentes de sua utilização indiscriminada, a fim de preservar a eficácia desse tratamento essencial na prática clínica.
Assim, a estratégia ideal para o tratamento de feridas envolve o uso de coberturas que não contenham componentes químicos, uma vez que esses produtos não geram RAM e são eficazes no manejo das lesões, promovendo a segurança daquele que recebe a assistência6.
O paciente queimado pode apresentar diferentes tipos de ferida em sua extensão corporal, incluindo a queimadura propriamente dita, que varia em distintos graus de acometimento, além da área doadora e receptora de enxerto. A falta de uniformidade na escolha das coberturas a serem aplicadas é atribuída às diversas realidades observadas nas instituições de saúde em todo o país6,7.
Além disso, é importante ressaltar que diferentes tipos de curativos podem resultar em desfechos clínicos semelhantes, o que torna a seleção do tratamento um desafio complexo e multifatorial. Essa variabilidade destaca a necessidade de diretrizes claras e baseadas em evidências para otimizar o manejo de pacientes queimados6,7.
Estudo anterior realizado nos Estados Unidos relatou o uso de Cloreto de Dialquil Carbamoil (DACC) em pacientes pediátricos com queimaduras, destacando o sucesso dessa abordagem8. As principais vantagens associadas a essa utilização incluíam a economia, a segurança e a redução da dor, uma vez que diminui a necessidade de trocas recorrentes de curativos8.
Apesar do DACC ser uma cobertura internacionalmente reconhecida, há uma lacuna na literatura científica brasileira quanto ao uso dessa cobertura para tratamento de lesões decorrentes de queimaduras em adultos, tornando-se necessário estudos conduzidos no Brasil que avaliem sua eficácia, segurança e viabilidade frente às demandas locais. Ademais, seu uso ainda é restrito no país, reflexo de sua recente introdução no mercado nacional e de sua limitada disponibilidade nas instituições de saúde.
OBJETIVO
O objetivo desse trabalho foi relatar o uso de curativo revestido com DACC para tratamento de queimaduras de espessura parcial e total da pele, em pacientes adultos hospitalizados em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) brasileiro.
MÉTODO
Este estudo trata-se de uma série de casos de natureza descritiva, observacional e retrospectiva, realizada com pacientes atendidos em um único CTQ brasileiro de um hospital público, entre novembro e dezembro de 2024.
Como critérios de inclusão, adotou-se: todos os pacientes em tratamento no CTQ que utilizaram o DACC como cobertura primária no período em questão. Dessa forma, foram incluídos os três pacientes que utilizaram o DACC como cobertura primária. Devido à restrição da quantidade dessa tecnologia, a seleção dos casos foi realizada com base na disponibilidade do material e na indicação clínica, priorizando indivíduos com hipersensibilidade a curativos utilizados rotineiramente, pacientes com dificuldade no controle da colonização bacteriana e falhas em tentativas de enxertos prévios. Os dados clínicos foram obtidos por meio da análise de prontuários eletrônicos e registros da equipe do CTQ, com ênfase em evolução da lesão, resposta ao tratamento, sinais de infecção e necessidade de intervenção adicional.
As variáveis analisadas incluíram idade, sexo, diagnóstico principal, área corporal acometida, tempo de internação, presença de sinais de infecção, cultura de amostra da pele se aplicável, necessidade de intervenção cirúrgica e evolução clínica. A análise dos dados foi realizada de forma descritiva, com apresentação dos casos individualmente, por similaridade clínica.
Este estudo seguiu os princípios éticos da pesquisa com seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, conforme parecer nº 7.339.508 e CAAE 85809224.5.0000.511. Devido seu caráter retrospectivo e impossibilidade de contato com os pacientes, houve a dispensa do Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
RESULTADOS
Paciente 1
Sexo feminino, 36 anos, vítima de agressão física com álcool incandescente. Apresentava 41% de superfície corporal queimada (SCQ), com áreas de acometimento de espessura parcial superficial e profunda, além queimadura de espessura total e circunferencial no tórax, com necessidade de escarotomia. As lesões distribuíram-se da seguinte maneira: cabeça (5%), região cervical (2%), tórax anterior (10%), tronco posterior (10%), coxa direita e glúteo direito (4%), braço direito (4%), antebraço direito (2%) e braço esquerdo (4%). Após 7 dias de trauma, foi encaminhada à Unidade de Terapia Intensiva (CTI) do Centro de Tratamento de Queimados (CTQ), já com sinais de infecção na lesão e em uso de antibiótico sistêmico.
Durante sua permanência hospitalar, realizou 15 abordagens cirúrgicas, com recorrentes desbridamentos e enxertias de pele. A técnica padrão utilizada na instituição é a retirada de pele autóloga por meio de dermátomo e enxerto no mesmo tempo cirúrgico. Por diversas vezes, houve falha na integração do enxerto autólogo devido à infecção de difícil controle na área receptora. Assim, procedeu-se com culturas de fragmento de pele, sendo evidenciados Acinetobacter baumannii, Klebsiella pneumoniae e Enterococcus faecium. Concomitantemente, o quadro clínico apresentava-se com alta complexidade, inviabilizando em quatro ocasiões o procedimento cirúrgico devido à sua instabilidade hemodinâmica.
O tratamento foi iniciado com antibioticoterapia tópica, sendo utilizada sulfadiazina de prata 1% e posteriormente hidrofibra com prata, escolha essa definida, pois se tratam de coberturas padronizadas pela instituição. No segundo mês da internação, aplicou-se DACC como cobertura primária das áreas enxertadas do tórax anterior e tronco posterior. A troca do curativo primário foi realizada no terceiro dia. Apesar da saturação da cobertura, verificou-se uma melhor integração do enxerto autólogo em comparação aos enxertos anteriores, com pequenas áreas de perda e sem sinais de colonização ou infecção. Após 138 dias de internação, a paciente recebeu alta hospitalar.
Paciente 2
Sexo feminino, 40 anos, com aproximadamente 30% de SCQ, devido tentativa de autoextermínio com álcool e chama. Apresentava queimadura de espessura parcial profunda, mas com predomínio de queimaduras de espessura total, nas seguintes regiões do corpo: face, cervical anterior, abdômen, tórax anterior, pequena região do tronco posterior, coxa bilateralmente, ombro direito, braço esquerdo e 1º dedo da mão esquerda.
Foi admitida na UTI do CTQ da instituição no 8º dia após o evento. Na instituição, necessitou da realização de três abordagens cirúrgicas para desbridamento e enxertia. Inicialmente, também foram utilizados curativos de sulfadiazina de prata 1% e cobertura de hidrofibra com prata. Observou-se perda de algumas áreas de enxerto autólogo devido colonização da pele, sendo constatada Pseudomonas aeruginosa através de cultura. Utilizou-se a técnica padrão ouro de desbridamento tangencial e enxerto autólogo em um único procedimento cirúrgico.
Optou-se por utilizar o DACC no 2º mês de hospitalização, como cobertura primária da área receptora do enxerto autólogo na região do abdome. A substituição do curativo secundário foi realizada no terceiro dia pós-operatório, momento em que se constatou a ausência de saturação do DACC. Dessa forma, a troca do curativo primário seguiu o protocolo institucional, sendo efetuada no quinto dia após o enxerto. Observou-se integração completa da enxertia, sem necessidade de reintervenção cirúrgica. A paciente apresentou condições clínicas para alta hospitalar após 2 meses de hospitalização.
Paciente 3
Sexo masculino, 27 anos, vítima de queimaduras por óleo durante atividade laboral. Inicialmente, foi hospitalizado no interior do estado por 14 dias, onde recebeu tratamento com neomicina, bacitracina e óleo de ácido graxo essencial para as queimaduras, devido ao histórico prévio de hipersensibilidade à sulfadiazina de prata 1%. Após duas semanas, foi transferido para a unidade de internação do CTQ, com diagnóstico de 24% de SCQ, conforme relatório de transferência.
À admissão, a equipe de cirurgia plástica avaliou o paciente e identificou queimaduras de espessura parcial da pele, abrangendo 14% da SCQ. As lesões estavam distribuídas da seguinte forma: membro superior esquerdo (5%), coxa direita (1%), coxa esquerda (1%), tórax posterior (4%), região cervical, orelha esquerda e couro cabeludo (3%). Observou-se a presença de áreas já epitelizadas intercaladas com lesões.
O paciente foi atendido no bloco cirúrgico, onde foram realizados curativos com colagenase e ácido graxo essencial sob sedação, sem intercorrências durante o procedimento. No dia subsequente, foi transferido para o CTQ. No segundo dia de internação no CTQ, foi realizada balneoterapia, seguida da aplicação de curativos com DACC fixados com atadura. Os curativos da região do membro superior esquerdo e tórax posterior foram removidos de forma eletiva após 5 dias, sem sinais de saturação. O curativo aplicado na coxa direita foi removido após 4 dias, e na coxa esquerda após 3 dias, devido à soltura prematura da cobertura.
Após a remoção do curativo com DACC, observou-se uma evolução clínica significativa no processo cicatricial do paciente. Evidenciou-se uma aceleração na epitelização, acompanhada pela redução de tecido necrótico, sendo progressivamente substituído por tecido de granulação saudável, com maior regularidade das bordas. Além disso, a área previamente epitelizada apresentou melhora em seu aspecto, com coloração mais homogênea e regeneração mais uniforme.
Durante a internação, não foram necessários procedimentos cirúrgicos adicionais, uma vez que a profundidade das queimaduras não exigiu intervenções dessa natureza. Também não foram evidenciados sinais clínicos ou laboratoriais de infecção, apesar da queimadura representar o comprometimento da integridade da barreira cutânea. Assim, não houve outras complicações clínicas adicionais e em nenhum momento da internação foi instituída antibioticoterapia. As condições clínicas para alta hospitalar foram atingidas em 13 dias.


DISCUSSÃO
As queimaduras constituem uma das principais causas de lesões em nível global, com as queimaduras de espessura parcial representando aproximadamente 85,4% dos casos registrados9. Corroborando com esse achado, os três pacientes analisados no presente estudo apresentavam esse tipo de lesão, embora seja possível observar distintas complexidades clínicas entre eles.
A fisiopatologia desse acometimento envolve a destruição da integridade capilar e vascular, resultando em efeitos locais e sistêmicos. O comprometimento do tecido é determinado pela intensidade da exposição térmica, pelas características da área queimada e pelas reações locais e sistêmicas que se seguem. A resposta inflamatória desencadeada pela queimadura inclui a necrose tecidual e a trombose dos vasos adjacentes, ocorrendo em um período de 12 a 48 horas após o trauma10,11.
Ainda, as queimaduras podem comprometer as camadas mais profundas da pele e frequentemente exibem alterações dinâmicas nas fases iniciais após o trauma. A profundidade da lesão está diretamente associada ao tempo de cicatrização e à qualidade do reparo tecidual. Lesões de espessura parcial profunda e espessura total apresentam pior prognóstico, com maior propensão à infecção e à formação de cicatrizes disfuncionais11,12. As alterações que ocorrem são influenciadas não apenas por características fisiopatológicas, mas também estão intimamente relacionadas às intervenções realizadas nas feridas e a diversos fatores externos12.
As queimaduras também podem levar a complicações significativas, como infecções, que são frequentemente exacerbadas pela perda da barreira cutânea. A hipoperfusão tecidual resultante do trauma pode dificultar a cicatrização e aumentar o risco de sepse10,11. Portanto, o manejo adequado das queimaduras deve considerar não apenas o tratamento das lesões, mas também a prevenção de infecções e outras complicações associadas.
Diante de lesões mais profundas, assim como exemplificado nos casos 1 e 2, indica-se o enxerto de pele, precedido por desbridamento completo do tecido necrótico, visando o fechamento efetivo da ferida e a reepitelização12.
O enxerto cutâneo tem como principal finalidade a cobertura de feridas de difícil cicatrização, promovendo redução do risco de infecção, controle da perda hídrica e térmica, além de melhora funcional e estética. Por não possuir vascularização própria, sua viabilidade depende da neovascularização a partir do leito receptor13. Em pacientes grandes queimados, a escassez de pele viável representa um desafio ainda mais significativo à realização de enxertos autólogos, considerados o padrão-ouro no tratamento13.
Além das características do enxerto, a preparação adequada do leito da ferida é fundamental para o sucesso do procedimento. O leito receptor deve estar livre de necrose, exsudato e sinais de infecção. Estudos apontam que a adesão eficaz do enxerto depende de uma abordagem multiprofissional, sendo a troca de curativos um momento crítico que exige técnica rigorosa e cuidados especializados13.
Infecções persistentes intensificam a resposta inflamatória local, contribuindo para a cronicidade das feridas. Estudo recente identificou que a presença de Staphylococcus aureus ou Pseudomonas aeruginosa no leito da ferida está associada a um aumento significativo no risco de perda parcial do enxerto cutâneo14.
Essa associação é justificada pela elevada virulência desses microrganismos, atribuída a múltiplos mecanismos patogênicos, como evasão da fagocitose, formação de biofilmes, resistência antimicrobiana e produção de toxinas, incluindo exotoxina A e piocianina, capazes de induzir lise celular e comprometimento completo do enxerto cutâneo15.
A dificuldade de aderência do enxerto foi evidenciada em ambas as pacientes que passaram por esse procedimento, devido às perdas parciais do enxerto autólogo durante a internação. Ainda assim, o fechamento das lesões foi alcançado, em concordância com a literatura, que descreve altas taxas de sucesso relacionadas ao procedimento13,16.
Além disso, é fundamental durante a avaliação ser criterioso não somente com a lesão, mas também o estado clínico do paciente e aspectos relacionados ao ambiente17.
Aplicação da prata no tratamento de queimadura
De maneira geral, coberturas contendo prata favorecem a reepitelização e apresentam ação antimicrobiana7. Em contrapartida, curativos à base de prata também apresentam citotoxicidade para as células envolvidas no processo de cicatrização, além de estarem associados à seleção de microrganismos resistentes, contribuindo para a RAM18,19.
Adicionalmente, o tempo de oxidação da prata pode ocasionar desconforto adicional, devido à necessidade de trocas frequentes dos curativos, o que aumenta a dor do paciente, resultando em maior insatisfação com o tratamento6. Essa complexidade no manejo das queimaduras destaca a importância de considerar alternativas terapêuticas que minimizem os efeitos adversos associados ao uso de agentes à base de prata.
Experiência clínica com DACC
O mecanismo de ação dos curativos à base de DACC fundamenta-se na interação altamente hidrofóbica entre o revestimento do curativo e microrganismos, promovendo sua adesão e remoção mecânica, com consequente redução da biocarga e inibição da proliferação20.
Esse processo não causa danos às paredes celulares dos microrganismos, o que impede a liberação de endotoxinas, responsáveis pelo agravamento da inflamação em feridas e pela toxicidade local. Essa abordagem tem se mostrado eficaz no manejo de feridas infectadas ou com risco de infecção20.
Além disso, curativos à base de DACC reduzem o risco de RAM, dado que não há liberação de agentes ativos e nem efeito farmacológico. Essa característica os torna uma alternativa promissora no tratamento de queimaduras de espessura parcial, ao preservar a eficácia terapêutica, reduzir a necessidade de antibióticos sistêmicos e contribuir para a diminuição de custos e readmissões hospitalares21.
Em estudos in vitro, o DACC apresentou eficácia bactericida e bacteriostática contra bactérias multirresistentes e biofilmes, fatores críticos na dificuldade de cicatrização22.
Entre as limitações do curativo com DACC, destaca-se o custo de aquisição, potencialmente superior ao de coberturas padrão. Apesar de estudos preliminares indicarem seu potencial como alternativa custo-efetiva em contextos hospitalares, essa barreira econômica pode restringir sua ampla adoção23.
Embora as pacientes 1 e 2 apresentassem infecções por microrganismos multirresistentes distintos, a aplicação mesmo que tardia do curativo com DACC favoreceu a integração do enxerto autólogo em ambos os casos. O acompanhamento ambulatorial pós-alta evidenciou melhora do processo cicatricial, sem sinais clínicos de infecção.
Por sua vez, o paciente 3, apesar de apresentar menor complexidade clínica, além da hipersensibilidade à prata exigia controle rigoroso do risco infeccioso em ambiente hospitalar com alta carga microbiana. A aplicação precoce do DACC proporcionou evolução favorável, sem complicações. Este desfecho reforça o potencial do DACC como estratégia adjuvante na prevenção de infecções em feridas vulneráveis. Nenhum dos três pacientes necessitou de re-hospitalização.
Por fim, dentre as limitações deste trabalho considera-se o pequeno tamanho da amostra e o desenho do estudo. Dessa forma, fazem-se necessários estudos brasileiros prospectivos, que incluam maior número de pacientes que se apropriem dessa tecnologia para que haja dados mais consolidados em nosso contexto nacional.
CONCLUSÕES
O uso do curativo revestido com DACC demonstrou-se uma cobertura alternativa viável no manejo de queimaduras de espessura parcial e total em pacientes adultos hospitalizados, mesmo em contextos clínicos complexos. Os resultados observados sugerem que essa tecnologia pode contribuir para a otimização do processo de cicatrização e para a prevenção de infecções, apesar das limitações na sua disponibilidade. Embora os resultados sejam promissores, estudos adicionais são necessários para consolidar a eficácia e segurança do DACC no tratamento de queimaduras e para validar seu uso rotineiro, com consequente padronização nos protocolos hospitalares.
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Recebido em
22 de Janeiro de 2025.
Aceito em
16 de Junho de 2025.
Local de realização do trabalho: Hospital João XXIII, Centro de Tratamento de Queimados, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.