234
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Avaliação dos fatores de risco e vulnerabilidades para queimaduras em idosos do Tocantins

Evaluation of risk factors and vulnerabilities for burns in the elderly population of Tocantins, Brazil

Delcio Aparecido Durso, Ana Karolline Soares Alves, Bianca Jenifer de Sá da Silva, Luiz Sinésio Silva Neto

DOI: 10.5935/2595-170X.20250014

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os fatores de risco e vulnerabilidades que concorrem para aumento da incidência de queimaduras em uma amostra da população idosa, do estado do Tocantins.
MÉTODO: Trata-se de um estudo quantitativo, cuja amostra foi constituída por 80 pessoas idosas que frequentam o curso da Universidade da Maturidade (UMA), da Universidade Federal do Tocantins (UFT). As características sociodemográficas da população estudada e a identificação dos fatores de risco foram obtidas por meio da aplicação de questionários pelos pesquisadores. A pesquisa foi aprovada pela Plataforma Brasil, no Comitê de Ética e Pesquisa da UFT, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE).
RESULTADOS: A avaliação sociodemográfica mostrou uma leve predominância do gênero feminino (52,5%) sobre o masculino (47,5%). Quanto ao estado civil, a maioria (42,5%) era de indivíduos casados. Em relação aos riscos, foram identificados dados alarmantes, como o armazenamento de botijão de gás dentro de casa sem qualquer proteção em 30 dos 80 idosos (37,5%). A pesquisa mostrou lacunas importantes sobre a segurança elétrica, em que 17 idosos (21,3%) disseram manusear aparelhos elétricos descalços ou com mãos molhadas, e todos os 80 participantes entrevistados tinham como rotina uso de adaptadores do tipo "T" para ligar vários equipamentos em uma mesma tomada.
CONCLUSÕES: Foram identificadas diversas situações de risco para queimaduras na população estudada, notadamente em situações cotidianas do ambiente domiciliar. Esse cenário nos aponta para a implantação de programas educacionais que visam reduzir lacunas do conhecimento sobre os riscos de queimaduras, aos quais pessoas idosas estão.

Palavras-chave: Queimaduras. Fatores de Risco. Idoso.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the risk factors and vulnerabilities that contribute to the increased incidence of burns in a sample of the elderly population in the state of Tocantins, Brazil.
METHODS: This quantitative study included 80 elderly individuals enrolled in the University of Maturity (UMA) program at the Federal University of Tocantins (UFT). Sociodemographic characteristics and identification of risk factors were obtained through structured questionnaires applied by the researchers. The study was approved by Plataforma Brasil, under the Ethics and Research Committee of UFT, and all participants signed the Informed Consent Form.
RESULTS: The sociodemographic assessment revealed a slight predominance of females (52.5%) over males (47.5%). Regarding marital status, most participants (42.5%) were married. Concerning risks, alarming findings included gas cylinders stored inside homes without protection in 37.5% of cases (30 out of 80 participants). Gaps in electrical safety were observed, with 21.3% (17 participants) reporting handling electrical appliances barefoot or with wet hands, and all participants reported routinely using "T" type adapters to connect multiple devices to a single outlet.
CONCLUSIONS: Several risk situations for burns were identified, particularly in everyday home environments. These findings indicate the need to implement educational programs to reduce knowledge gaps about burn risks to which elderly individuals are exposed.

Keywords: Burns. Risk Factors. Aged.

INTRODUÇÃO


A morbimortalidade decorrente de queimaduras representa um desafio significativo para a saúde pública global, com um impacto substancial na população idosa. A definição de população idosa sofre variações conforme a organização ou país, mas, de forma geral, adota-se o seguinte critério: a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como idosas as pessoas com 60 anos ou mais em países em desenvolvimento (como o Brasil), e 65 anos ou mais em países desenvolvidos1.


Em todo o mundo, o tamanho da população mais idosa tem aumentado mais rapidamente do que qualquer outra faixa etária no século XX, o que demonstra a importância de conhecer a epidemiologia dos acidentes por causas externas nesses indivíduos, em que as queimaduras representam uma fração importante. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, havia 20,6 milhões de idosos no Brasil, representando 10,8% da população total2. Algumas projeções indicam que, em 2060, esse grupo populacional aumentará para 58,4 milhões de habitantes, o que corresponderá a 26,7% de toda a população brasileira3. Outras previsões mostram que as pessoas com 65 anos ou mais representarão 20% da população dos EUA até o ano de 20302,3.


As queimaduras determinam desfechos fatais ou não letais significativos e trazem consigo inúmeras incapacidades, sejam funcionais, estéticas, psicológicas, sociais e na qualidade global de vida do paciente. As estimativas mundiais para o ano de 2019 indicam que ocorreram 111.196 mortes devido a queimaduras por exposição ao fogo, ao calor e a substâncias quentes e 7,5 milhões de anos de vida perdidos devido à mortalidade precoce. Ressalta-se que cerca de 90% desse acometimento e dos óbitos ocorrem em países de renda média ou baixa3.


Em 2022 foi publicado pelo Ministério da Saúde o primeiro boletim epidemiológico sobre tendências e ocorrências de óbitos por queimaduras no Brasil. A maior parte dos acidentes ocorreram em domicílio (67,7%). Entre as queimaduras ocorridas no domicílio, foram acometidos com maior frequência os jovens menores de 15 anos (92%) e os idosos (84,4%), bem como as mulheres (81,6%). Entre estas, a ocorrência de queimaduras resultou principalmente do manuseio de substâncias quentes. Os dados do DATASUS mostram o aumento da taxa de mortalidade por queimaduras crescendo com a idade: 6,57 por 100.000 para 60-69?anos, 9,81 para 70-79?anos e 18,61 para ≥ 80 anos4.


Análise retrospectiva de internações e mortalidade por queimaduras no Brasil evidenciou maior risco de morte por queimaduras na faixa etária de 60 anos ou mais, essa tendência pode ser explicada em decorrência da transição demográfica em curso no País, tornando mais exposta a população idosa aos riscos do ambiente doméstico4,5.


A população idosa apresenta maior vulnerabilidade e maior risco de queimadura devido aos seguintes fatores: tempo de reação a injúrias lentificado, mobilidade reduzida ou ausente, baixa capacidade de avaliação de riscos com resposta lentificada, fatores pré-mórbidos que influem na incidência e no prognóstico, como doenças crônicas, alcoolismo, polifarmácia, senilidade e desordens psiquiátricas ou neurológicas (incluindo quadro demencial) e a inerente fragilidade cutânea que favorece a quebra da barreira, bem como alterações fisiológicas do processo cicatricial1,2,5.


As queimaduras podem ser causadas por fontes térmicas, elétricas e químicas, com a gravidade da lesão dependente de sua profundidade, extensão e localização. Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) revelam que, entre 2010 e 2017, 1.785 internações por queimaduras foram registradas no Tocantins, com uma taxa de mortalidade de 2,8%6. Estudos mais recentes indicam que grande parte dessas ocorrências poderia ser evitada através de campanhas educativas eficazes5,7.


Além dos dados estatísticos, é importante destacar que lesões por queimaduras em pessoas idosas podem ser desencadeadas por situações domésticas simples, especialmente durante o preparo de alimentos ou o manuseio de líquidos quentes. Manipulação inadequada de aparelhos elétricos e substâncias químicas estão entre riscos potenciais a essa população2,5,7-9.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que mais de 95% das queimaduras por incêndio ocorrem em países de baixa e média renda, afetando desproporcionalmente pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica10. Em Palmas, Tocantins, um estudo realizado no Hospital Geral de Palmas (HGP) mostrou que, em 2019, 71 pacientes foram atendidos no pronto-socorro por queimaduras, sendo 46 adultos e 25 crianças, das quais 14 tinham entre 1 e 5 anos. Até maio de 2020, já haviam sido registrados 33 novos casos, a maioria em ambiente doméstico6,11.


Estudo retrospectivo realizado no Instituto Wuhan, maior centro de queimados da China, entre 2004 a 2018, avaliou dados demográficos e clínicos de 2.554 idosos maiores de 60 anos. Demonstrou-se que as causas mais prevalentes foram os acidentes com chamas (42,3%) e escaldamentos (40,8%); a maioria dos acidentes (70,5%) ocorrem em casa, prevalecendo na cozinha e banheiro. Demonstrou-se que os fatores de risco associados a pior prognóstico foram: maior extensão da queimadura, lesão por inalação, comorbidades prévias (como doenças pulmonares, Alzheimer) e tipo de etiologia8.


Estudo de coorte americano conduzido pelo Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), usando o banco de dados do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde, avaliou a mortalidade por queimaduras em maiores de 65 anos de 1999 a 2020, e um total de 96.498 adultos mais velhos tiveram ferimentos por queimaduras nos Estados Unidos. A análise revelou um aumento preocupante nas taxas de mortalidade relacionadas a queimaduras a partir de 2012. Disparidades demográficas foram evidentes, com homens mais velhos apresentando consistentemente taxas de mortalidade mais altas em comparação com as mulheres. Revelou que a população mais vulnerável é composta por negros, residentes em áreas rurais e portadores de comorbidades como doenças cardíacas1.


Dentro desse cenário, a Universidade da Maturidade (UMA), da Universidade Federal do Tocantins (UFT), surge como um espaço estratégico para a promoção da saúde e educação continuada para pessoas idosas. Compreendendo a importância da disseminação de informações de qualidade, este estudo tem como objetivo demonstrar os fatores de risco e vulnerabilidade frente às queimaduras nos acadêmicos da UMA. A identificação e caracterização desses fatores de risco permitirá o planejamento de intervenções educativas futuras, promovendo práticas seguras e contribuindo para a qualidade de vida das pessoas idosas.


A pesquisa adota uma abordagem metodológica quantitativa e transversal. Os dados foram coletados por meio de dois questionários: um sobre o perfil socioeconômico e outro específico sobre queimaduras, publicado por Lima Júnior et al.12, com autorização prévia pelo autor. Participaram do estudo 80 acadêmicos da UMA/UFT, e os dados foram analisados com base na metodologia de análise de conteúdo.


Embora o foco principal seja a comunidade da UMA/UFT, espera-se que os resultados encontrados possam subsidiar estratégias que visem diminuir os riscos de queimaduras nessa população, com foco sobretudo na prevenção para outras pessoas idosas, principalmente os que se encontram em situação de vulnerabilidade. Estudos anteriores demonstram que a educação em saúde é uma ferramenta essencial na redução de queimaduras e seus impactos5,13-15.


O conhecimento sobre os fatores de risco de queimaduras pode contribuir para o desenvolvimento de ações preventivas mais eficazes, e espera-se que as descobertas também sirvam de base para formulação de políticas públicas voltadas à prevenção de acidentes domésticos, reforçando a educação em saúde como um instrumento de transformação social. Ao entender os fatores que influenciam os riscos de queimaduras e as dificuldades no acesso à informação, este estudo busca contribuir para um futuro mais seguro e saudável para a população idosa, adicionando anos potenciais de vida.


 


MÉTODO


O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa com abordagem metodológica quantitativa, transversal, para avaliar os fatores de risco e vulnerabilidades de uma amostra de pessoas idosas do estado do Tocantins. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Tocantins, protocolo 67447123.2.0000.5519, e seguiu todas as diretrizes e normas regulamentadoras para pesquisa em seres humanos conforme Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.


A amostra foi composta por 80 participantes que obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: ser acadêmico regularmente matriculados na Universidade da Maturidade (UMA/UFT), no Polo de Palmas - TO, ter 60 anos ou mais, com capacidade cognitiva preservada e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).


Os critérios de exclusão foram: indivíduos que, no momento da coleta, apresentavam dificuldades cognitivas importantes ou se recusaram a participar da pesquisa. No processo de consentimento, foram utilizadas estratégias para garantir que os participantes compreendessem todas as informações da pesquisa, considerando recomendações metodológicas que preconizam o uso de linguagem acessível e tempo suficiente para esclarecimentos.


A coleta de dados foi realizada em dois momentos, março e abril de 2024, de forma presencial, com a aplicação de dois questionários estruturados: um instrumento socioeconômico elaborado pelos pesquisadores e outro adaptado do questionário sobre queimaduras desenvolvido por Lima Júnior et al.12. Ambos os instrumentos foram disponibilizados por meio da plataforma Google Forms, com apoio dos pesquisadores para garantir acessibilidade a todos os participantes, especialmente aqueles com dificuldades de leitura ou uso de tecnologias (Figura 1).


 



 


O questionário socioeconômico contemplou variáveis como idade, sexo, escolaridade, tipo de moradia e acesso a serviços de saúde, aspectos diretamente relacionados à vulnerabilidade da pessoa idosa frente a acidentes domésticos. O questionário sobre queimaduras avaliou o conhecimento prévio dos participantes sobre fatores de risco, bem como medidas preventivas e cuidados iniciais frente a queimaduras leves e graves. Apenas uma pergunta foi de caráter descritivo, para saber qual a atitude primária deveria ser adotada após um acidente por queimaduras e foi considerada como resposta correta: o resfriamento da área queimada sob água corrente por no mínimo 10 a 20 minutos.


Os dados quantitativos foram submetidos à análise estatística descritiva, com o objetivo de identificar padrões e tendências no conhecimento dos participantes. Já as respostas abertas foram analisadas segundo a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin15, complementada pela análise temática, que permite a identificação de padrões de sentido recorrentes nas falas dos participantes e contribui para uma interpretação mais densa e contextualizada dos dados16.


 


RESULTADOS


A pesquisa foi realizada com 80 pessoas idosas, com diferentes perfis sociodemográficos, o que permitiu um panorama abrangente das condições e comportamentos relacionados à segurança doméstica e riscos potenciais de acidentes. Em relação ao sexo, observou-se uma leve predominância de mulheres, representando 52,5% da amostra (42 participantes), enquanto os homens correspondiam a 47,5% (38 participantes). Essa distribuição equilibrada contribuiu para a análise comparativa entre os gêneros (Tabela 1).


 



 


Quanto ao estado civil, 34 entrevistados eram casados, representando 42,5% da amostra. Viúvos somaram 20 participantes (25%), seguidos de 19 divorciados (23,8%) e 7 solteiros (8,8%). Essas informações indicam a diversidade de experiências e estruturas familiares entre os idosos entrevistados, o que pode influenciar diretamente na adoção de práticas seguras ou de risco no ambiente doméstico (Tabela 1).


Em relação ao armazenamento de produtos inflamáveis, um dado alarmante foi identificado: 30 dos 80 idosos (37,5%) relataram armazenar o botijão de gás dentro de casa sem qualquer tipo de proteção ou ventilação adequada. Esse comportamento representa um risco significativo de acidentes, especialmente em lares com instalações precárias ou sem manutenção periódica (Tabela 2).


 



 


Outro comportamento de risco identificado foi em relação à exposição ao sol e cuidados com a pele: apenas 35 participantes (43,8%) afirmaram utilizar protetor solar regularmente. Por outro lado, 45 idosos (56,3%) relataram não ter esse hábito. Além disso, 63 entrevistados (78,8%) declararam se expor ao sol entre 10h e 16h sem qualquer tipo de proteção, período em que a radiação solar é mais intensa e perigosa à saúde, sobretudo, em clima tropical (Tabela 3).


 



 


A pesquisa também apontou lacunas importantes no conhecimento sobre segurança elétrica, com riscos aumentados para acidentes. Entre os participantes, 17 idosos (21,3%) afirmaram manusear aparelhos elétricos descalços ou com as mãos molhadas, um comportamento que aumenta o risco de choques elétricos. Mais preocupante ainda é o fato de todos os 80 entrevistados utilizarem adaptadores do tipo "T" para ligar vários equipamentos em uma mesma tomada, prática que pode causar curtos-circuitos e incêndios.


Outro comportamento de risco relatado foi a participação em festas e eventos culturais, como fogueiras juninas, sem os devidos cuidados. Dos entrevistados, 30 idosos (38%) afirmaram participar dessas festividades, e, desses, 24 relataram fazê-lo em locais próximos a áreas com riscos estruturais ou ambientais. Ainda, 22 participantes (27,5%) confessaram manipular fogos de artifício sem qualquer tipo de equipamento de proteção.


A falta de conhecimento sobre primeiros socorros em caso de queimaduras foi evidente. Nenhum dos participantes demonstrou segurança quanto aos procedimentos corretos em situações de queimaduras térmicas ou químicas. Muitos afirmaram recorrer a métodos caseiros ou esperar o agravamento da lesão antes de buscar atendimento médico, o que compromete a eficácia do tratamento e pode gerar sequelas permanentes.


A literatura médica já apontava há décadas que a idade avançada é um dos principais fatores de risco para mortalidade em queimaduras. Além da fragilidade fisiológica, a presença de comorbidades compromete a recuperação e exige protocolos clínicos específicos.


Os dados sobre riscos evidenciaram um perfil de vulnerabilidade elevado entre os indivíduos participantes do estudo, sobretudo, no ambiente domiciliar, tais como os riscos da sobrecarga de tomadas, uso de extensões de forma inadequada e contato com líquidos inflamáveis. As respostas mostraram que a maioria dos idosos nunca participou de campanhas educativas ou oficinas sobre segurança doméstica e prevenção de acidentes, revelando uma carência significativa de informação e ações de educação preventiva.


 


DISCUSSÃO


Vários estudos de base populacionais demonstram o crescente aumento da expectativa de vida e, portanto, do envelhecimento da população em nível mundial3,8,10. Pessoas idosas apresentam maior predisposição a acidentes e piores prognósticos em função das mudanças fisiológicas impostas pelo envelhecimento, como lentificação do tempo de resposta frente ao trauma, mobilidade e visão reduzidas, alterações cognitivas e de julgamento frequentemente associadas aos quadros demenciais, alterações cutâneas como atrofia tegumentar e maior predisposição a eventos infecciosos decorrentes das alterações imunológicas e nutricionais1,2,5,17.


Queimaduras são a quarta causa mais comum de trauma global, ficando atrás de acidentes de trânsito, quedas e violências. Nos EUA as queimaduras estão entre as principais causas de trauma e acidentes domésticos, especialmente entre idosos e crianças, com alta taxa de mortalidade intrahospitalar (15,3%) nos pacientes com 65 anos ou mais1,3.


No Brasil, dados do boletim epidemiológico divulgado em 2022 apontam o aumento da taxa de mortalidade à medida que há aumento da faixa etária. Destaca-se, portanto, o maior risco de morte por queimaduras na faixa etária de 60 anos ou mais, em que a taxa variou de 2,36 em 2015 a 2,28 a cada 100 mil idosos em 20204.


Os resultados revelaram um cenário preocupante, com aumento da exposição aos riscos no ambiente doméstico e na vida cotidiana, seguindo padrões presentes em diversos trabalhos, como destacado por estudo retrospectivo realizado por Daronch et al.9 por meio de coleta de dados no DATASUS no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2019.


A presença de botijões de gás no interior das residências sem medidas de segurança apropriadas é uma prática comum entre os participantes, apontando para a urgência de ações educativas voltadas à prevenção de acidentes domésticos. O dado de que 30 idosos armazenam o gás de forma inadequada corrobora estudos nacionais, que destacam a falta de conhecimento técnico como fator predisponente a acidentes graves17,18.


Estudos internacionais também demonstram que idosos em áreas urbanas convivem com fatores de risco agravantes, como a ausência de detectores de fumaça em funcionamento e limitações físicas ou cognitivas para reagir a situações de emergência, como incêndios domésticos1,7,8.


A baixa adesão ao uso de protetor solar entre os entrevistados revela uma percepção reduzida dos riscos da exposição solar, sobretudo, nos horários de maior incidência de radiação ultravioleta, aumentando a vulnerabilidade a doenças cutâneas como o câncer de pele. Esse achado reforça a importância de campanhas preventivas voltadas à saúde da pele na terceira idade14.


Da mesma forma, práticas inseguras relacionadas ao uso de aparelhos elétricos e adaptadores do tipo "T" indicam falta de instrução e de percepção dos perigos, especialmente diante das limitações fisiológicas do envelhecimento, como a fragilidade da pele e a lentidão nos reflexos. Esses comportamentos confirmam os riscos apontados por outros estudos e estão em consonância com as diretrizes internacionais para um envelhecimento seguro10,19,20.


A participação em festividades tradicionais sem precauções também é indicativa de uma lacuna na prevenção de riscos comunitários. A manipulação de fogos de artifício sem equipamentos adequados, relatada por mais de um quarto da amostra, reforça a necessidade de orientar esse público quanto aos riscos e aos cuidados com substâncias explosivas (Tabela 4). A falta de preparo para atuar em situações de emergência agrava o problema, como destacado por vários estudos, ao apontarem a relação entre desconhecimento de primeiros socorros e aumento de complicações pós-acidente13,14,17.


 



 


Além da importância da prevenção, a literatura ressalta que, quando o acidente já ocorreu, os desfechos positivos entre idosos dependem do atendimento rápido, suporte clínico adequado e manejo eficiente das lesões. No entanto, atrasos no transporte, ausência de protocolos específicos e a própria fragilidade clínica agravam o prognóstico dessa população1-3,5,7,8.


Essas dificuldades são agravadas pela carência de informações acessíveis e contextualizadas sobre práticas seguras no cotidiano, como revelado pela ausência de participação dos entrevistados em oficinas ou programas educativos. Tal cenário evidencia lacunas nas políticas públicas voltadas à saúde e autonomia na velhice, exigindo estratégias mais eficazes, sensíveis à realidade vivida por essa população.


Em um estudo retrospectivo realizado por coleta de dados no DATASUS no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2019, sofreram queimaduras 168.955 pacientes com 60-79 anos e 50.410 com 80 anos ou mais. A incidência de internações em pessoas com mais de 80 anos foi maior do que entre 60-79 anos (p<0,001). Houve relação diretamente proporcional entre idade e tempo de internação apenas nas faixas etárias mais avançadas9.


Além disso, a falta de suporte familiar ou comunitário pode contribuir para o isolamento e a vulnerabilidade, dificultando a adoção de hábitos mais seguros. Os dados revelam que grande parte dos entrevistados vive sozinha ou depende de redes frágeis de apoio, o que reforça a importância de políticas intersetoriais que integrem saúde, assistência social e educação em ações de prevenção de acidentes.


Campanhas de conscientização e capacitação devem ser contínuas, culturalmente sensíveis e adaptadas à diversidade regional e social da população idosa. Iniciativas intergeracionais podem fortalecer essas ações ao promover a troca de saberes e ampliar redes de apoio. A literatura internacional reforça que a educação em saúde, quando planejada com linguagem acessível e exemplos práticos, é eficaz na prevenção de acidentes domésticos entre idosos3,7,8,19.


Por fim, os achados da presente pesquisa mostram a urgência de programas públicos que promovam o envelhecimento ativo e seguro. A promoção da saúde na velhice deve ser compreendida como um direito fundamental, e não apenas como um conjunto de recomendações médicas. Investir em educação preventiva é promover redução nos riscos de acidentes e consequentemente aumentar a qualidade de vida, redução dos custos com saúde e valorizar a experiência dos idosos como parte ativa da sociedade.


Sugere-se que futuras pesquisas explorem estratégias de intervenção educativa voltadas a diferentes contextos socioculturais, bem como estudos longitudinais que avaliem o impacto dessas ações na redução de queimaduras em idosos.


 


CONCLUSÕES


Este estudo identificou que idosos não queimados do Tocantins estão expostos a múltiplos fatores de risco para queimaduras, especialmente o uso inadequado de botijões de gás, a sobrecarga de tomadas e o manuseio inseguro de equipamentos elétricos. A questão norteadora - "Quais são os principais fatores de risco para queimaduras em idosos?" - foi respondida ao demonstrar que tais riscos se concentram majoritariamente no ambiente domiciliar.


Entre as lacunas evidenciadas destacam-se: ausência de campanhas educativas específicas para idosos; insuficiência de fiscalização quanto às normas de segurança residencial; e inexistência de protocolos preventivos voltados a essa faixa etária.


Recomenda-se que gestores e profissionais de saúde implementem programas educativos continuados, aliados a estratégias de fiscalização e adaptação dos domicílios, visando reduzir a exposição dessa população a riscos de queimaduras.


 


REFERÊNCIAS


1. Khan S, Ul Islam Z, Dure Najaf Rizvi S. Epidemiology of elderly burn patients in the United States: mortality patterns and risk factors revealed by CDC WONDER database. Burns. 2025;51(1):107311. DOI: 10.1016/j.burns.2024.107311.


2. Malta DC, Bernal RTI, Lima CM, Cardoso LSM, Andrade FMD, Marcatto JO, et al. Perfil dos casos de queimadura atendidos em serviços hospitalares de urgência e emergência nas capitais brasileiras em 2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Suppl 1):e200005. DOI: 10.1590/1980-549720200005.supl.1


3. Global Health Data Exchange. GBD results tools [Internet]. Seattle: Institute for Health Metrics and Evaluation; 2020 [cited 2022 Aug 29]. Available from: https://bit.ly/3AVsx2u


4. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico Vol. 53 - nº 47. Monitoramento dos casos de arboviroses até a semana epidemiológica 50 de 2022; Poliomielite: das conquistas ao risco de reintrodução do vírus no País; Mortalidade materna por aborto no Brasil, 2010 a 2021; Óbitos por queimaduras no Brasil: análise inicial dos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, 2015 a 2020; e Informes gerais. Brasília: Ministério da Saúde; 2022 [cited 2025 Jun 2]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/epidemiologicos/edicoes/2022/boletim-epidemiologico-vol-53-no47/view


5. Fontana TS, Lopes LV, Linch GFC, Paz AA, Souza EN. Queimaduras no Brasil: Análise retrospectiva de internações e mortalidade. Rev Bras Queimaduras. 2020;19(1):65-71.


6. Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins. Boletim epidemiológico de queimaduras no estado do Tocantins (2010-2020) [Internet]. Palmas: SES-TO; 2020 [cited 2025 Aug 11]. Available from: https://www.to.gov.br/saude/boletim-epidemiologico/


7. Chana NK, Yarwood J, Smith J. Burn injuries in the older population and understanding the common causes to influence accident prevention. Burns. 2023;49(4):848-53. DOI: 10.1016/j.burns.2022.06.013


8. Wu H, Xi M, Xie W. Epidemiological and clinical characteristics of older adults with burns: a 15-year retrospective analysis of 2554 cases in Wuhan Institute of Burns. BMC Geriatr. 2023;23(1):162. DOI: 10.1186/s12877-023-03883-5


9. Daronch OT, Secanho MS, Menezes BF, Palhares AA, Marcante RFR. Analysis of older patients hospitalized for burns in Brazil. Rev Bras Cir Plást. 2023;38:e0762. DOI: 10.5935/2177-1235.2023RBCP0762-EN


10. World Health Organization. World report on ageing and health [Internet]. Geneva: WHO; 2015 [cited 2025 Aug 11]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241565042


11. Pan R, Santos PMFD, Resende IL, Nascimento KGD, Adorno J, Cunha MTRD, et al. Domestic burns that occurred during the COVID-19 pandemic in Brazil: a descriptive cross-sectional study Sao Paulo Med J. 2023;141(1):4-11. DOI: 10.1590/1516-3180.2021.0888.R1.22022022


12. Lima Júnior EM, Melo MCA, Alves CC, Alves EP, Parente EA, Ferreira GE. Avaliação do conhecimento e promoção da conscientização acerca da prevenção de queimaduras na população de Fortaleza - CE. Rev Bras Queimaduras 2014;13(3):161-7.


13. Milhorini CR, Montezeli JH, Gastaldi AB, Ribeiro RP, Costa DK. Validation of comic book about burn prevention and first aid for adults. Rev Gaúcha Enferm. 2022;43(spe):e20220192. DOI: 10.1590/1983-1447.2022.20220192.en


14. Carmo EA, Nunes JP, Lima RV. Acidentes domésticos são a principal causa das queimaduras [Internet]. Uberlândia: Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia; 2024 [cited 2025 May 13]. Available from: https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-sudeste/hc-ufu/comunicacao/noticias/dia-nacional-de-luta-contra-queimadura-e-lembrado-nesta-quinta-06


15. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.


16. Braun V, Clarke V. Supporting best practice in reflexive thematic analysis reporting in Palliative Medicine: A review of published research and introduction to the Reflexive Thematic Analysis Reporting Guidelines (RTARG). Palliat Med. 2024;38(6):608-16. DOI: 10.1177/02692163241234800.


17. Santos ABS, Silva AB, Costa e Silva BR, Gomes FMFR, Nascimento GS, Costa JKN, et al. Prevenção de queimaduras em pessoas idosas: relato de experiência. Multiciênc Online. 2025;8(3):1-8 [cited 2025 May 13]. Disponível em: http://urisantiago.br/multicienciaonline/adm/upload/v8/n3/ac4c76c6c6c076ed898ada2e8da0b66e.pdf


18. Smolle C, Cambiaso-Daniel J, Forbes AA, Wurzer P, Hundeshagen G, Branski LK, Huss F, Kamolz LP. Recent trends in burn epidemiology worldwide: A systematic review. Burns. 2017;43(2):249-257. DOI: 10.1016/j.burns.2016.08.013.











Recebido em 10 de Março de 2025.
Aceito em 8 de Setembro de 2025.

Local de realização do trabalho: Universidade Federal do Tocantins, Programa de Pós-Graduação em Ensino em Ciências e Saúde (PPGECS), Palmas, TO, Brasil

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


© 2025 Todos os Direitos Reservados