1834
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Incidência de infecções bacterianas em pacientes queimados sob tratamento em hospital universitário de Curitiba

Incidence of bacterial infections in burn patients undergoing treatment at university hospital in Curitiba

Lisienny C. T. Rempel1; Maria R. P. A. Tizzot2; Jannaína F. M. Vasco3

RESUMO

Objetivo: Avaliar a incidência de infecçoes bacterianas em pacientes queimados hospitalizados e a frequência dos agentes etiológicos responsáveis por estas infecçoes. Método: Os dados para esse estudo foram coletados no sistema de informaçao do laboratório de um hospital universitário, a partir da análise de resultados de culturas microbiológicas de feridas de pacientes queimados que tenham realizado ao menos uma vez este exame durante sua permanência no hospital, no período de janeiro a dezembro de 2009. Resultados: Aproximadamente 60% das culturas microbiológicas realizadas no ano de 2009 foram positivas para algum tipo de bactéria, sendo que os agentes etiológicos de maior incidência foram Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Staphylococcus aureus. Os meses de janeiro, fevereiro, maio e junho apresentaram taxas de infecçao elevadas acima da média, em que foram identificadas as três bactérias anteriormente citadas, e ainda Enterobacter gergoviae, Morganella morganii e Xanthomonas maltophilia. Conclusao: Em 56,7% das culturas microbiológicas de amostras de feridas de pacientes queimados realizadas em 2009, o resultado foi positivo. Os agentes etiológicos de maior incidência nas infecçoes em queimados foram: Pseudomonas aeruginosa (38,7%); Acinetobacter baumannii (24,4%); Staphylococcus aureus (19,3%). Esses patógenos foram responsáveis por 82,4% das infecçoes em pacientes queimados no ano de 2009.

Palavras-chave: Infecção hospitalar. Unidades de queimados. Queimaduras/microbiologia.

ABSTRACT

Objective: To evaluate the incidence of bacterial infections in hospitalized burn patients and the frequency of the etiologic agents responsible for these infections. Methods: Data for this study were collected in the information system of the laboratory of an university hospital, from the analysis of results of microbiological cultures of wounds of burn patients who have performed at least once this exam during their stay in hospital during the period January to December 2009. Results: Approximately 60% of microbiological cultures performed in 2009 were positive for some type of bacteria, and the highest incidence of etiologic agents were Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii and Staphylococcus aureus. The months of January, February, May and June showed high infection rates above the average, which were identified in the three bacteria mentioned above, and still Enterobacter gergoviae, Morganella morganii and Xanthomonas maltophilia. Conclusion: In 56.7% of microbiological cultures of samples from the wounds of burn patients performed in 2009, the result was positive. The etiologic agents of greatest incidence of infections in burned were: Pseudomonas aeruginosa (38.7%), Acinetobacter baumannii (24.4%), Staphylococcus aureus (19.3%). These pathogens were responsible for 82.4% of infections in burn patients in 2009.

Keywords: Cross Infection. Burn units. Burns/microbiology.

As queimaduras representam um grave problema médico-social no Brasil e no mundo, já que de um milhao de acidentes que ocorrem por ano, apenas 10% dos pacientes procuram atendimento médico-hospitalar e cerca de 2,5% vao a óbito. Sabe-se que as infecçoes sao responsáveis por 75% dos óbitos em pacientes queimados, devido às alteraçoes em todo o seu sistema imune. O maior número de vítimas queimadas encontra-se em crianças entre 0 e 10 anos de idade1.

Dados internacionais apontam que as lesoes por queimaduras sao consideradas a terceira causa de morte acidental mundial, em todas as faixas etárias, sendo as escaldaduras as causas mais comuns. Uma publicaçao do National Burn Information Exchange (1996) demonstra que o ambiente domiciliar é o local de maior frequência em que ocorrem estes acidentes, somando 60% do total de ocorrências1-3.

Nao foram encontrados dados estatísticos suficientes no Brasil que comprovem a magnitude deste problema, porém, sabe-se que o valor médio gasto pelo Ministério da Saúde com o tratamento de pacientes queimados que necessitam de internaçao hospitalar chega a um milhao de reais por mês2,4. Um estudo a respeito de internaçoes em hospitais do Estado de Sao Paulo, privados e/ou conveniados com o SUS, concluiu que o gasto médio por paciente queimado internado é de R$650,00 por dia, para os casos nao fatais, e de R$1.620,00 por dia, para os que vao ao óbito3.

As queimaduras podem ter várias origens, como raios solares, inalaçao, agentes químicos (ácidos, produtos cáusticos, líquidos inflamáveis), agentes físicos (calor, frio, eletricidade, radiaçao) e as provocadas por certos tipos de animais. Estas queimaduras podem estar relacionadas também à atividade profissional exercida2. Por exemplo, um estudo realizado no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba demonstrou grande ocorrência de queimadura ocular em pacientes do sexo masculino causada pela cal (óxido de cálcio), na maioria deles (82,9%) por acidente de trabalho5.

As queimaduras, segundo Vale6, sao classificadas em primeiro, segundo, e terceiro grau, dependendo da gravidade da lesao, apresentando as seguintes características:

  • Queimaduras de 1º grau: comprometimento apenas da epiderme; apresenta eritema, calor e dor; nao há formaçao de bolhas; evolui com descamaçao em poucos dias; regride sem deixar cicatrizes; a repercussao sistêmica é desprezível;
  • Queimaduras de 2º grau: comprometimento total da epiderme e parcial da derme; apresenta dor, eritema, edema, bolhas, erosao ou ulceraçao; há regeneraçao espontânea; ocorre reepitelizaçao a partir dos anexos cutâneos (folículos pilosos e glândulas); cicatrizaçao mais lenta (de 2 a 4 semanas); pode deixar sequelas (discromia - superficial; cicatriz - profunda);
  • Queimaduras de 3º grau: destrói todas as camadas da pele, atingindo até o subcutâneo, podendo atingir tendoes, ligamentos, músculos e ossos; causa lesao branca ou marrom, seca, dura, inelástica; é indolor; nao há regeneraçao espontânea, necessitando de enxertia; eventualmente pode cicatrizar, porém com retraçao das bordas.


  • A ocorrência de queimaduras na superfície do corpo humano resulta na perda ou comprometimento da barreira de proteçao da pele, que acaba interferindo no equilíbrio entre a microbiota normal e o tecido sadio. Desta forma, o paciente torna-se susceptível a invasoes de microrganismos patogênicos por via linfática ou sanguínea, possibilitando infecçoes nestes locais1,7,8.

    A lesao térmica direta resulta em grave estresse oxidativo, produzido por uma combinaçao de isquemia e reperfusao, acompanhado de reaçoes inflamatórias que irao afetar os diversos mecanismos de defesa do organismo1.

    Além da destruiçao da barreira epitelial, a presença de proteínas degradadas e tecidos desvitalizados proporciona um excelente meio para o desenvolvimento e a proliferaçao de microrganismos. Desta forma, a obstruçao vascular por lesao térmica dos vasos dificulta a chegada de antimicrobianos e de componentes celulares do sistema imune na área queimada8.

    Outros fatores também favorecem a sepse no queimado, como a imunossupressao decorrente da lesao térmica, a possibilidade de translocaçao bacteriana gastrointestinal, a internaçao prolongada e o uso inadequado dos antimicrobianos, levando ao surgimento de bactérias com multiresistência antimicrobiana. O uso de cateteres, sondas e tubos, ou seja, procedimentos invasivos diagnósticos e terapêuticos que acabam alterando as defesas naturais do hospedeiro contra a infecçao, também contribui para o desenvolvimento da sepse no paciente queimado8.

    Tradicionalmente, descrevem-se três categorias de fatores de risco na aquisiçao de infecçoes hospitalares: fatores relativos ao próprio paciente, como extensao e profundidade da queimadura, doença pré-existente, desnutriçao, idade; procedimentos invasivos; e o próprio ambiente hospitalar9- 11.

    A bacteremia, que consiste na disseminaçao de agentes infecciosos pela corrente sanguínea, é uma situaçao delicada quando diagnosticada no paciente queimado em regime de internamento hospitalar12. Dependendo de sua gravidade fisiopatológica, as condiçoes para o tratamento sao dificultadas, prolongando seu tempo de internaçao. Sintomas como temperatura corporal acima de 38°C ou abaixo de 36°C, leucócitos totais acima de 12.000 células/ mm3 ou abaixo de 4.000 células/mm3 ou taxa de bastonetes acima de 10%, taquicardia, hipotensao e oligúria devem ser observados com atençao, pois representam suspeita desse tipo de infecçao8,9,13.

    Vários estudos demonstram que o Staphylococcus aureus é um dos principais patógenos encontrados em amostras de sangue de pacientes queimados com bacteremia, com letalidade de aproximadamente 30%. Essa estimativa aumenta para 45% quando a espécie é a de Staphylococcus aureus resistente à oxacilina8,9,14. Outros tipos de bactéria também representam preocupaçao quando se trata de infecçoes hospitalares, como Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae, Acinetobacter baumannii, Enterobacter cloacae e outras bactérias gram-negativas em geral13,15,16.

    O risco dos pacientes e profissionais presentes no setor de queimados é potencializado dentro do ambiente hospitalar, onde devem ser priorizados os princípios básicos de higiene e sanitizaçao de maos e instrumentos utilizados no processo de cuidar do paciente. O ambiente hospitalar apresenta uma grande variedade de riscos aos pacientes queimados, principalmente às vítimas de alto grau. A possível infecçao por bactérias nesse local pode complicar a recuperaçao do paciente9.

    Estudos demonstram que a limpeza de colchoes hospitalares com desinfetante detergente, cujo princípio ativo é o fenol, provoca apenas o deslocamento da carga microbiana para outros pontos do mesmo, fazendo com que agentes infecciosos permaneçam no local, colocando em risco a saúde do próximo paciente a utilizar o leito. Neste caso, aconselha-se analisar a eficácia de outras fórmulas germicidas e, possivelmente, substituir a que é utilizada atualmente. Medidas de higiene básicas devem ser tomadas para que fatos como este sejam minimizados, consequentemente diminuindo também o índice de infecçoes hospitalares17.

    No cuidado com o paciente queimado deve-se levar em consideraçao tanto o aspecto fisiopatológico, como o aspecto psicossocial, tendo-se em vista que os pacientes classificados como grandes queimados (mais de 20% de área corporal queimada com 2º e 3º grau) tendem a enfrentar uma mudança em seu estilo e qualidade de vida. Este processo inicia dentro do ambiente hospitalar, com equipe multidisciplinar de Saúde apta e capacitada para colaborar na recuperaçao dos pacientes18.

    O controle das principais infecçoes que acometem pacientes queimados hospitalizados é importante para que açoes na ordem da prevençao sejam tomadas, diminuindo o risco de complicaçoes e, até mesmo da sepse bacteriana9.

    A morbidade dentre pacientes queimados ainda representa preocupaçao, já que ocupa o terceiro lugar na escala das principais causas de morte acidental. Grande parte das complicaçoes adquiridas em ambiente hospitalar dificulta a recuperaçao do paciente, podendo levá-lo ao óbito em casos mais extremos. Sabe-se que a sepse representa o principal desafio enfrentado num setor de pacientes queimados, e a maior causa de morte dentre os mesmos8,9.

    O objetivo do presente estudo foi avaliar a incidência de infecçoes bacterianas em pacientes queimados hospitalizados, juntamente com a identificaçao dos principais agentes etiológicos envolvidos neste processo.

    Altos investimentos públicos e/ou privados na aquisiçao de medicamentos e no desenvolvimento de novas técnicas para tratamento de pacientes queimados sao realizados para o controle efetivo das infecçoes em queimaduras2,4. Fatores como a vigilância microbiológica, o diagnóstico precoce e o uso correto de antibióticos podem reduzir a taxa de mortalidade dentre os pacientes queimados que venham a sofrer uma septicemia19.


    MÉTODO

    O estudo foi realizado no setor de queimados (centro de referência - alta complexidade) de um hospital universitário de grande porte na cidade de Curitiba, no Estado do Paraná, que atende a pacientes por meio do Sistema Unico de Saúde (SUS) e também convênios e particulares. Os dados de interesse para esse estudo foram coletados nos sistemas de informaçao do laboratório e da Comissao de Controle de Infecçao Hospitalar (CCIH).

    Por meio da análise documental dos livros de registro do setor de Microbiologia do laboratório, foram coletadas informaçoes das culturas de amostras de pacientes hospitalizados que foram submetidos a esse exame, no período de janeiro a dezembro de 2009.

    Foram incluídos na pesquisa todos os pacientes hospitalizados no período citado por motivo de queimadura de 2º e/ou 3º grau, independentemente do gênero, idade, raça ou classe social, e que tenham realizado algum exame de cultura microbiológica durante a sua permanência no hospital. As culturas positivas (identificaçao de uma ou duas espécies bacterianas) foram incluídas no levantamento estatístico de incidência de agentes etiológicos nos pacientes. As culturas negativas ou com múltiplo crescimento (acima de três bactérias identificadas) entraram apenas para a contagem total de resultados de culturas analisados.

    A tabulaçao e análise quantitativa e qualitativa dos dados e informaçoes resultantes das pesquisas foram feitas em programa informatizado (Microsoft Excel) através da sistematizaçao de matrizes e tabelas que correlacionaram os dados.

    Este projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Sociedade Evangélica Beneficente de Curitiba, sob o número de protocolo 4171/10.

    Metodologia Laboratorial

    No hospital em que foi feito este estudo, a identificaçao microbiológica de agentes infecciosos é realizada laboratorialmente pela cultura quantitativa de biopsia de lesao. Esta técnica pode ser realizada com uso de bisturi ou por "punch" de tamanho pré-determinado11. Segundo Vasco19, o "punch" é amplamente utilizado como instrumento para realizaçao de biopsia cutânea, o qual é constituído por uma lâmina circular na extremidade de um tubo que permite a remoçao de um cilindro composto por epiderme, derme e pequena porçao de hipoderme. Ao fazer biopsias por "punch", deve-se colher apenas fragmentos da lesao a ser examinada, ou seja, evita-se realizar a biopsia da transiçao lesao/ tecido aparentemente normal; os fragmentos devem, portanto, representar apenas a lesao. O procedimento detalhado da técnica está relacionado a seguir.

  • Coleta: a coleta do material dá-se por assepsia tópica com cloreto de sódio a 0,9% e anestesia nas margens do local a ser puncionado. A área da escara necrótica que apresentar aspecto, coloraçao e cheiro compatíveis com processo infeccioso e/ou crescimento bacteriano é a escolhida para ser puncionada, para obtençao de dois fragmentos de tecido. A lâmina do "punch" é introduzida perpendicularmente à pele. Após atingir a marca-limite de corte em profundidade, a amostra de tecido é submetida à incisao. Coloca-se a primeira amostra imediatamente no frasco contendo cloreto de sódio a 0,9% e a segunda, em soluçao de formalina a 10%.
  • Processamento da amostra: ao chegar ao laboratório, a amostra é pesada em balança de precisao e seu peso anotado em gramas (g). Posteriormente, a mesma é macerada em trituradores com 2 ml de soluçao fisiológica e inoculados 0,1 e 0,01 ml, em Agar Sangue e MacConkey (em duplicata) incubados a 35 ± 2ºC, por 24 ou 48 horas. Para a contagem das colônias sao utilizadas as placas que contenham entre 15-300 UFCs.
    O cálculo para obtençao do resultado é realizado por meio da fórmula:

    , sendo:
    N = número de UFCs contados na placa;
    V = volume de inóculo utilizado (0,1 ou 0,01 ml);
    v = volume de diluente utilizado no homogeneizado;
    W = peso do tecido.


  • Nas placas com contagem de colônias superior a 300, é utilizado N = 300, e o resultado é considerado como maior que o valor obtido. Resultados acima de 100.000 UFC/g sao considerados infecçao e seguirao para identificaçao do(s) agente(s) etiológico(s) e antibiograma. Resultados abaixo deste valor sao considerados colonizaçao e seguem apenas para identificaçao.


    RESULTADOS

    Foram realizadas 185 culturas de amostras de feridas queimadas de pacientes hospitalizados no período de janeiro a dezembro de 2009, tanto em faixa etária pediátrica como adulta. A frequência de resultados durante o ano de 2009 encontra-se na Tabela 1.




    A distribuiçao da quantidade de culturas realizadas em cada mês e seus respectivos resultados encontra-se disponível na Tabela 2.




    A incidência mensal em valores absolutos de cada agente etiológico no ano de 2009 pode ser visibilizada na Tabela 3.




    A incidência anual percentual de cada agente etiológico está disponível na Tabela 4.




    DISCUSSAO

    A análise dos dados demonstrou que, no ano de 2009, foram realizadas em média 15 culturas por mês de amostras de feridas de pacientes queimados hospitalizados. Entretanto, houve grande discrepância na quantidade de culturas realizadas em cada mês, já que em abril foram realizadas 28 culturas, enquanto que em dezembro apenas 7, sendo respectivamente 15,1% e 3,8% do total anual. Esta discrepância no número de culturas realizadas por mês pode estar ligada à quantidade de pacientes internados no mês analisado, ou ainda pelo fato de nao ter sido necessária a submissao do paciente a uma cultura microbiológica. Nao foi possível obter o número total de pacientes internados por mês para comparar à quantidade de culturas realizadas, pois a cada internamento os números de prontuários eram novos, independentemente de se tratar de um novo paciente ou de um já internado anteriormente.

    Ficou demonstrado que, no período de um ano, a incidência de infecçoes bacterianas em feridas de pacientes queimados internados foi de 56,7%. Isto se deve pelo fato que esses pacientes apresentam grande propensao a contrair algum tipo de infecçao enquanto permanecem hospitalizados, por ser uma populaçao com grandes feridas abertas e de difícil tratamento, presente em um ambiente potencialmente infeccioso, o ambiente hospitalar.

    As culturas com múltiplo crescimento somaram 3,8%, o que acusa prováveis erros de contaminaçao durante a coleta do material ou no momento da semeadura. Consideraram-se como múltiplo crescimento os casos em que foram identificadas três ou mais espécies bacterianas na cultura, que é o critério padrao no hospital em estudo. Portanto, esse tipo de resultado desqualifica o diagnóstico e requer nova coleta para que um resultado confiável seja estabelecido.

    A taxa média de culturas positivas por mês foi de 58,3%, com picos de alta incidência nos meses de janeiro (81,9%), fevereiro (84,6%), maio (70%) e junho (60%). Analisando-se a incidência de cada agente etiológico nos meses citados, notou-se que Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii e Staphylococcus aureus foram os causadores de grande parte dessas infecçoes. No entanto, nos meses de maio e junho houve incidência de três espécies bacterianas que nao foram identificadas em nenhum outro mês do ano: Enterobacter gergoviae (um caso), Morganella morganii (dois casos) e Xanthomonas maltophilia (um caso).

    As espécies que demonstraram maior frequência em culturas analisadas foram Pseudomonas aeruginosa (38,7%), Acinetobacter baumannii (24,4%) e Staphylococcus aureus (19,3%).

    A prevalência de Pseudomonas aeruginosa é compatível com a frequência média estimada pela literatura para esse tipo de infecçao, que é de 38,4%. É uma bactéria pertencente à ordem Pseudomonadales e consiste num bacilo gram negativo aeróbico15,22. Sua açao em pacientes queimados vai desde pneumonias até bacteremias. As fontes de infecçao podem ser água, flores, grades das camas hospitalares, superfície dos balcoes e o próprio colchao do paciente. Pode ocorrer também transmissao por contato pessoal, já que algumas pessoas têm a Pseudomonas aeruginosa como microbiota normal22. Em tecidos nao queimados pode causar lesoes metastáticas, como a ectima gangrenosa. Este gênero apresenta grande taxa de resistência a antimicrobianos, provavelmente devido a características das porinas da parede celular, que acabam por ejetar o antibiótico da célula antes mesmo de ele fazer efeito15,22.

    A incidência encontrada de infecçoes causadas por Acinetobacter baumannii mostrou-se bastante elevada em relaçao a dados da literatura, já que estatísticas nacionais apontam estimativa de 0,8% de infecçoes causadas por esta bactéria e estudos internacionais estimam 15,7%1,20,21. Trata-se de um coco-bacilo gram negativo, estritamente aeróbio. Esta bactéria cresce a 44°C, vive na água e no solo úmido, podendo ser encontrada na microbiota normal humana em pele, conjuntiva, nariz, faringe e trato gastrointestinal. Em pacientes queimados, atua como patógeno oportunista, gerando a sepse. Apresenta resistência a diversos tipos de antimicrobianos, sendo suscetível às cefalosporinas e à sulfametoxazol-trimetoprima22.

    Estudos trazem uma frequência média de 19,4% de infecçoes em queimados causadas por Staphylococcus aureus, demonstrando que a incidência neste estudo é semelhante à estimada. A espécie Staphylococcus aureus foi a única bactéria gram positiva identificada dentre as mais prevalentes nas culturas analisadas. A infecçao hospitalar por essa bactéria é adquirida geralmente quando do emprego de cateteres intravenosos, sendo que o sinal característico da infecçao estafilocócica é a formaçao de abscesso que acompanha o processo inflamatório (hipertermia, leucocitose, secreçao purulenta, celulite)22. Possui a habilidade de desenvolver resistência a antimicrobianos, principalmente contra a penicilina, o que aumenta o seu grau de patogenicidade, aumentando também os riscos na recuperaçao do paciente15.

    Em relaçao às três espécies bacterianas identificadas nos meses em que houve mais culturas positivas (janeiro, fevereiro, maio e junho), todas fazem parte da microbiota humana.

    O Enterobacter gergoviae é uma bactéria gram positiva, habitante do intestino do homem, podendo ser causadora oportunista de endocardite bacteriana, infecçoes intestinais e urinárias em pacientes queimados15.

    Morganella morganii é um bastao gram negativo, anaeróbio facultativo encontrado no intestino e, consequentemente, nas fezes de humanos. Causam infecçoes oportunistas no trato respiratório, trato urinário e em feridas23. Como houve dois casos isolados de infecçao por este organismo no mesmo mês, acredita-se que um descuido na higiene dos pacientes causou contaminaçao das feridas queimadas com fezes, possivelmente do próprio paciente infectado.

    Xanthomonas maltophilia é uma espécie bacteriana aeróbica gram negativa. Essa bactéria pode estar presente em ambientes aquosos, solo, plantas e também na urina ou em secreçoes respiratórias. Dessa forma, a X. maltophilia representa perigo apenas a indivíduos imunocomprometidos, sendo causa incomum de pneumonia, infecçoes do trato urinário ou corrente sanguínea em indivíduos imunocompetentes. É uma espécie altamente resistente a antimicrobianos, sendo mais sensível a cotrimoxazol e ticarcilina24.


    CONCLUSAO

    Em 56,7% das culturas microbiológicas de amostras de feridas de pacientes queimados, realizadas em 2009, o resultado foi positivo.

    Os agentes etiológicos de maior incidência nas infecçoes em queimados foram: Pseudomonas aeruginosa (38,7%), Acinetobacter baumannii (24,4%) e Staphylococcus aureus (19,3%). Esses patógenos foram responsáveis por 82,4% das infecçoes em pacientes queimados no ano de 2009.

    O índice de Acinetobacter baumannii foi maior do que o estimado em estatísticas nacionais, que é de 0,8%, e das internacionais, 15,7%.

    Os picos de infecçao em pacientes queimados no ano de 2009 foram nos meses de janeiro, fevereiro, maio e junho, com média de 74,1% de culturas microbiológicas positivas nesses períodos.


    REFERENCIAS

    1. Hinrichsen SL. DIP: Doenças infecciosas e parasitárias. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;2005.

    2. Rossi LA, Ferreira E, Costa ECFB, Bergamasco EC, Camargo C. Prevençao de queimaduras: percepçao de pacientes e de seus familiares. Rev Latino-Am Enferm. 2003;11(1):36-42.

    3. Martins CBG, Andrade SM. Queimaduras em crianças e adolescentes: análise da morbidade hospitalar e mortalidade. Acta Paul Enferm. 2007;20(4):464-9.

    4. Ministério da Saúde (BR). Brasília (DF): Economia da Saúde; 2009. Disponível em: URL: www.saude.gov.br. Acessado em 12 set 2009

    5. Castellano AGD, Moreira H, Zago RJ, Milicovsky FS. Avaliaçao epidemiológica dos pacientes vítimas de queimadura ocular pelo agente químico cal no Serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba. Arq Bras Oftalmol. 2002;65(3):311-4.

    6. Vale ECS. Primeiro atendimento em queimaduras: a abordagem do dermatologista. An Bras Dermatol. 2005;80(1):9-19.

    7. Turrini RNT. Infecçao hospitalar e mortalidade. Rev Esc Enferm USP. 2002;36(2):177-83.

    8. Pruitt BA, McManus AT. The changing epidemiology of infection in burn patients. World J Surg. 1992;16(1):57-67.

    9. Macedo JLS, Rosa SC, Macedo KCS, Castro C. Fatores de risco da sepse em pacientes queimados. Rev Col Bras Cir. 2005;32(4):173-7.

    10. Arantes A, Carvalho ES, Medeiros EAS, Farhat CK, Mantese OC. Uso de diagramas de controle na vigilância epidemiológica das infecçoes hospitalares. Rev Saúde Pública. 2003;37(6):768-74.

    11. Gragnani A, Gonçalves ML, Feriani G, Ferreira ML. Análise microbiológica em queimaduras. Rev Soc Bras Cir Plást. 2005;20(4):237-40.

    12. Veronesi R, Focaccia R. Tratado de infectologia. 3ª ed. Sao Paulo:Atheneu;2006.

    13. Guilarde AO, Turchi MD, Martelli CMT, Primo MGB, Batista LJA. Bacteremias em pacientes internados em hospital universitário. Rev Assoc Med Bras. 2007;53(1):34-8.

    14. Moreira M, Medeiros EAS, Pignatari ACC, Wey SB, Card DM. Efeito da infecçao hospitalar da corrente sanguínea por Staphylococcus aureus resistente à oxacilina sobre a letalidade e o tempo de hospitalizaçao. Rev Assoc Med Brás. 1998;44(4):263-8.

    15. Tortora GJ, Funke BR, Case CL. Microbiologia. 8ª ed. Sao Paulo:Artmed;2006.

    16. Macedo JLS, Rosa SC, Castro C. Sepsis in burned patients. Rev Soc Bras Med Trop. 2003;36(6):647-52.

    17. Andrade D, Angerami ELS, Padovani CR. Condiçao microbiológica dos leitos hospitalares antes e depois de sua limpeza. Rev Saúde Pública. 2000;34(2):163-9.

    18. Souza FAEF, Mendes IAC, Silva JA. Atitudes de profissionais de enfermagem em relaçao ao paciente queimado: elaboraçao e teste de fidedignidade de um instrumento. Rev Latino-Am Enferm. 1994;2(1):69-82.

    19. Vasco JFM. Avaliaçao microbiológica entre cultura semiquantitativa de biópsia e cultura de swab e sua correlaçao com aspectos histopatológicos nas queimaduras [Dissertaçao de mestrado]. Curitiba: Setor de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal do Paraná; 2005.

    20. Oncul O, Ulkur E, Acar A, Turhan V, Yeniz E, Karacaer Z, et al. Prospective analysis of nosocomial infections in a burn care unit, Turkey. Indian J Med Red. 2009;130(6):758-64.

    21. Ekrami A, Kalantar E. Bacterial infections in burn patients at a burn hospital in Iran. Indian J Med Res. 2007;126(6):541-4.

    22. Trabulsi LR, Alterthum F. Microbiologia. 4ª ed. Sao Paulo:Atheneu;2005.

    23. Kim JH, Cho CR, Um TH, Rhu JY, Kim ES, Jeong JW, et al. Morganella morganii sepsis with massive hemolysis. J Korean Med Sci. 2007;22(6):1082-4.

    24. Gilligan PH, Lum G, VanDamme PAR, Whittier S. Burkholderia, Stenotrophomonas, Ralstonia, Brevundimonas, Comamonas, Delftia, Pandoraea, and Acidivorax. In: Murray PR, Baron EJ, Jorgensen JH, et al. Manual of clinical microbiology. 8ª ed. Washington: ASM Press;2003. p.729-48.










    1. Graduada em Biomedicina pelas Faculdades Integradas do Brasil (UNIBRASIL), Curitiba, PR, Brasil.
    2. Mestre em Bioquímica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.
    3. Mestre em Microbiologia, Parasitologia e Patologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil.

    Correspondência:
    Lisienny Campoli Tono Rempel
    Av. Frederico Maurer, 2279, apto. 202 - Boqueirao
    Curitiba, PR, Brasil - CEP 81670-020
    E-mail: lisienny_rempel@hotmail.com

    Recebido em: 11/11/2010
    Aceito em: 8/2/2011

    Trabalho realizado no Hospital Universitário Evangélico do Paraná e nas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil), Curitiba, PR, Brasil.

    © 2024 Todos os Direitos Reservados