1755
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Comparação do dispositivo termográfico FLIR ONE® versus avaliação clínica presencial e avaliação fotográfica na determinação da profundidade das queimaduras

Comparison of the FLIR ONE® thermographic device versus face-to-face clinical assessment and photographic assessment in determining the depth of burns

João Pedro Neves Pessoa1; Marcus Vinicius Viana da Silva Barroso2; Nilmar Galdino Bandeira3; Mariana Luísa Mafra Turra4; Moelisa Queiroz dos Santos Dantas5; William Mendes Lobão6; Jadson Oliveira Santos Amancio7; Rafaelli Pereira Santos8

DOI: 10.5935/2595-170X.20230010

RESUMO

OBJETIVO: Comparar a avaliação clínica presencial, com fotos e imagens térmicas obtidas no dispositivo FLIR ONE® para o diagnóstico de profundidade das queimaduras, avaliar concordância intragrupos e descrever o perfil epidemiológico da população estudada.
MÉTODO: Estudo transversal de acurácia. Foram incluídos pacientes adultos com queimaduras agudas, submetidos a balneoterapia, selecionados aleatoriamente e avaliados isoladamente por dois grupos de avaliadores (avaliação clínica presencial X fotos do dispositivo térmico), no período de 14 de fevereiro a 14 de março de 2018 no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Geral do Estado da Bahia. Nas análises estatísticas foi utilizado o programa IBM-SPSS-Statistics versão 23, realizando análises descritivas e distribuição de frequências. A significância estatística (p<0,05) foi avaliada pelo teste de Spearman.
RESULTADOS: No total, 39 diferentes áreas de queimadura, e suas respectivas fotos em VGA. 19 pacientes foram incluídos no estudo, 57,9% pertenciam ao sexo masculino, com média de idade de 35 anos. A média de superfície corporal queimada foi de 16,32%. Das 39 áreas queimadas avaliadas, 14 (35,9%) foram classificadas como profundas e 25 (64,1%) como superficiais pelo FLIR ONE®. O grupo 1 apresentou percentual de concordância no diagnóstico de 89,8%. O grupo 2 apresentou percentual de concordância no diagnóstico de 48,7%.
CONCLUSÕES: A avaliação clínica presencial apresentou melhor concordância intragrupos do que a avaliação fotográfica. Quando os grupos foram comparados com o dispositivo térmico FLIR ONE® não ocorreu correlação significativa, com taxa de concordância de 35,9%.

Palavras-chave: Queimaduras. Diagnóstico por Imagem. Termografia. Dispositivos Médicos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To compare in-person clinical assessment with photos and thermal images obtained on FLIR ONE® device to diagnose burn depth, evaluate intragroup agreement and describe the epidemiological profile of the studied population.
METHODS: Accuracy cross-sectional study. Adult patients with acute burns, undergoing balneotherapy, were included, randomly selected and evaluated separately by two groups of evaluators (in-person clinical assessment versus photos of the thermal device), from February 14 to March 14, 2018 at the Burn Treatment Center of the General Hospital of the State of Bahia. In statistical analyses, the IBM-SPSS-Statistics version 23 program was used, performing descriptive analyzes and frequency distribution, statistical significance (p<0.05) was assessed using Spearman's test.
RESULTS: In total, 39 different burn areas, and their respective VGA photos. 19 patients were included in the study, 57.9% of whom were male, with an average age of 35 years. The average body surface area burned was 16.32%. Of the 39 burned areas evaluated, 14 (35.9%) were classified as deep and 25 (64.1%) as superficial by the FLIR ONE®. Group 1 had a percentage of agreement in the diagnosis of 89.8%. Group 2 had a percentage of agreement in the diagnosis of 48.7%.
CONCLUSIONS: The in-person clinical assessment showed better intragroup agreement than the photographic assessment. When the groups were compared with the FLIR ONE® thermal device, there was no significant correlation with an agreement rate of 35.9%.

Keywords: Burns. Diagnostic Imaging. Thermography. Devices, Medical.

INTRODUÇÃO


O diagnóstico precoce da profundidade das queimaduras é fundamental para um manejo adequado do paciente1. Áreas subestimadas podem acarretar uma indicação cirúrgica tardia e maior tempo para cicatrização, enquanto áreas superestimadas podem significar ressecções desnecessárias de tecidos viáveis2. As diversas variáveis e peculiaridades desta ferida dificultam, muitas vezes, um diagnóstico acurado no período agudo logo após a lesão2.


A avaliação clínica é o método mais utilizado para determinar a profundidade das queimaduras. Ela se baseia nas características visuais, perfusão capilar e sensibilidade da ferida3. Pode ser realizada à beira do leito, de forma imediata e sem custo adicional4. O julgamento clínico é capaz de diferenciar queimaduras muito profundas e muito superficiais com uma boa confiabilidade, mas possui acurácia limitada para as queimaduras de profundidade intermediária, que correspondem à grande maioria das lesões3. Estima-se que a avaliação clínica é eficaz em apenas 2/3 dos casos e é atribuída a ela uma tendência a superestimar a profundidade da queimadura5,6.


A avaliação clínica pode, ainda, apresentar diferença de resultado quando realizada por dois médicos, seja para determinar a profundidade ou a extensão daquela lesão. Sua acurácia é limitada mesmo quando feita por cirurgiões plásticos especialistas no tratamento de queimados7-11. A biópsia com estudo histopatológico é o padrão-ouro para a determinação da profundidade da queimadura, mas tem aplicabilidade limitada por ser invasiva, possuir baixa disponibilidade em nosso meio e pelo seu custo elevado2.


Vários métodos diagnósticos foram desenvolvidos e aplicados no estudo da perfusão tecidual e circulação cutânea na tentativa de determinar a profundidade da queimadura baseados na relação da profundidade da queimadura com o fluxo sanguíneo microvascular1,12.


A termografia baseia-se na medida da temperatura da área queimada para determinar a profundidade da lesão, pois, quanto maior a profundidade da lesão, menor será a temperatura aferida devido a uma pior perfusão tecidual na superfície da mesma4.


Estudos com o uso de fotos para ajudar no diagnóstico e determinação de conduta em queimaduras vêm sendo utilizados através do uso da telemetria com certo sucesso13.


Recentemente, a aplicação de um novo dispositivo tem sido pesquisada. Trata-se do Forward-looking infrared (FLIR ONE®). Ele é um dispositivo portátil que, quando acoplado a smartphones ou tablets iOS e Android, utiliza a tecnologia termográfica para medir a emissão de raios infravermelhos pela pele, através da captura de fotos e posterior análise por meio de um software especializado.


Ele possui bom custo-benefício; é rápido e de fácil manuseio; apresenta uma rápida curva de aprendizagem; possui a vantagem de ser manual e transportável quando comparado com outros exames complementares e não traz danos à saúde, desconforto ou prejuízos para o paciente. O dispositivo FLIR ONE® já é utilizado com outras finalidades, tais como: avaliação de estado inflamatório vigente em úlceras diabéticas e planejamento cirúrgico de retalhos através da análise de artérias perfurantes2.


Xue et al.2 compararam dois métodos na avaliação de tecidos viáveis em pacientes com queimaduras de terceiro grau: a angiografia com indocianina verde e o dispositivo térmico FLIR ONE®, ambos baseados na tecnologia de detecção de ondas infravermelhas, constatando uma forte similaridade de resultados entre os dois, porém, o dispositivo térmico FLIR ONE® demonstrou maior praticidade. Jaspers et al.14 evidenciaram uma boa confiabilidade do dispositivo térmico FLIR ONE® na avaliação do tempo de cicatrização das queimaduras. Utilizou-se, neste estudo, como ponto de corte, uma diferença de -1,15oC entre a pele sadia e a área queimada como determinante de profundidade, considerando-se uma sensibilidade de 46% e especificidade de 82%.


O trabalho procura comparar a avaliação clínica presencial, avaliação através de fotos e compará-las com o dispositivo térmico FLIR ONE® na determinação da profundidade das queimaduras dos pacientes atendidos no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Geral do Estado (CTQ-HGE), avaliar a concordância intragrupos no diagnóstico da profundidade e estabelecer o perfil epidemiológico destes pacientes atendidos no CTQ-HGE no período em relação ao gênero, idade e superfície corporal queimada.


 


MÉTODO


Trata-se de um estudo transversal de acurácia, no qual foram incluídos pacientes com queimaduras agudas (até 10 dias após o trauma) com idade maior ou igual a 18 anos e que foram submetidos a balneoterapia às quartas e quintas-feiras; selecionados aleatoriamente entre os pacientes internados que necessitavam de balneoterapia no período de 14 de fevereiro a 14 de março de 2018 no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Geral do Estado da Bahia, em Salvador, BA.


Pacientes com doenças cardiovasculares pré-existentes, portadores de insuficiência renal crônica, síndrome nefrótica e/ou doença hepática crônica, em vigência de sepse, níveis elevados de lactato sérico ou hipoalbuminemia, em ventilação mecânica, em uso de drogas vasoativas e os que não aceitaram a sua participação no estudo por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foram excluídos do estudo.


As imagens térmicas foram obtidas utilizando a câmera FLIR ONE PRO® (FLIR Systems, Inc., Wilsonville, OR, USA) acoplada a um Iphone 7 plus® (Apple, Inc., Cupertino, CA, USA). O FLIR ONE PRO® pesa 36,5 gramas, possui um tamanho de 68mm L x 34mm A x 14mm P e contém duas câmeras, a câmera térmica lépton, com resolução de 160x120 pixels, e a câmera visual VGA com resolução de 1440x1080 pixels (640 480 pixels).


Duas imagens foram obtidas e depois fundidas pelo recurso tecnológico da Multi Spectral Dynamic Imaging® (MSX), resultando em uma única imagem com resolução de 640 480 pixels. A câmera do FLIR ONE PRO® possui um espectro de alcance termal de -20ºC até 400ºC e tem a capacidade de captar uma diferença de temperatura de até 0,1ºC operando em uma faixa de temperatura de 0ºC a 30ºC. As imagens foram capturadas em ambiente climatizado e sem incidência direta da luz solar. O controle local da temperatura foi realizado por termômetro digital e o dado registrado no impresso de coleta de dados no momento em que a imagem de cada participante foi gerada.


Os avaliadores foram divididos em dois grupos (1 e 2) com três componentes cada. O primeiro grupo constituía-se de um médico cirurgião plástico, uma médica do segundo ano de residência em cirurgia plástica e uma enfermeira. O segundo grupo constituía-se de um cirurgião plástico e duas enfermeiras. Todos os componentes dos grupos trabalhavam no setor de queimados do hospital e foram submetidos a um treinamento prévio para uniformização dos conceitos adotados quanto à classificação das queimaduras como superficiais ou profundas.


Nesse estudo, foram consideradas como superficiais aquelas queimaduras que apresentaram o comprometimento das camadas superficiais da pele. As características locais observadas foram hiperemia local, dor intensa, presença de bolhas, coloração avermelhada da lesão e presença de folículos pilosos. Foram consideradas como profundas as queimaduras de segundo grau profundo e terceiro grau, caracterizadas pela coloração pálida, somadas à não visualização dos anexos dérmicos, pouco dolorosas, e/ou presença de necrose local.


O primeiro grupo avaliou os pacientes após realização de balneoterapia, na sala de curativo. O segundo grupo avaliou somente as fotos, obtidas no mesmo momento da avaliação clínica do primeiro grupo, com o dispositivo térmico FLIR ONE®. As imagens foram obtidas a uma distância de 50-100cm da ferida, perpendicularmente à mesma. Foram fotografadas uma ou mais áreas queimadas por paciente abrangendo pele íntegra ao redor da ferida ou, nos casos de extremidades, o lado contralateral para referência.


Durante a captura das imagens, foi posicionado um termo-higrômetro a, no máximo, dois metros do paciente. Qualquer fonte externa de calor, como lâmpadas, foi desligada para evitar interferências nas medidas. O grupo 2 avaliou a imagem em VGA sem ter acesso à imagem térmica. O grupo 2 não tinha como identificar a qual paciente a imagem avaliada pertencia.


Para cada área analisada, foi aplicado um instrumento de avaliação que continha um quesito: profundidade da queimadura (superficial ou profunda). O grupo 1 avaliou cada queimadura presencialmente, observando a área central de cada seguimento. Cada avaliador do grupo 2 analisou as imagens digitais e respondeu o quesito em momentos distintos. Eles podiam aproximar ou afastar a imagem através da tela do dispositivo. Não era possível identificar de qual paciente se tratava aquela queimadura exposta. O resultado obtido foi avaliado intragrupo, intergrupos e comparado com o resultado obtido através da imagem térmica.


As imagens térmicas foram analisadas com o aplicativo do FLIR Tools® no Iphone 7 plus®. A área específica de interesse (circular) na queimadura (área central), assim como a área de referência correspondente, foram pré-determinadas e demarcadas no modo VGA. Desta maneira, o viés de seleção causado pela diferença relacionada à temperatura foi evitado.


Foi calculada a temperatura média da área de cada um dos círculos que possuíam 10cm de diâmetro, assim como a temperatura máxima, temperatura mínima e temperatura do ponto central. A temperatura média da área queimada foi comparada com a temperatura média da área de referência. A diferença de temperatura entre as áreas foi expressa como ΔT. Foi considerada uma diferença de temperatura maior que 1,15°C como diagnóstico de queimadura profunda e subsequente necessidade de tratamento cirúrgico. Esse dado foi comparado com a avaliação clínica realizada pelos grupos (1 e 2).


Para as análises estatísticas, foi utilizado o programa IBM-SPSS-Statistics versão 23. Foram realizadas análises descritivas de frequências e porcentagens para todas as variáveis do estudo. Foi criado um índice de concordância (em percentual) representado pela proporção de lesões classificadas da mesma maneira pelos avaliadores de cada grupo. Para avaliar a existência de relações significativas entre os avaliadores de 1 a 6 e o FLIR ONE®, utilizou-se uma análise de correlação bivariada não paramétrica de Spearman.


Em relação ao sigilo e privacidade dos pacientes envolvidos, foram seguidas as diretrizes da declaração Helsinki (2000) e da Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Este projeto foi liberado pelo CEP do Instituto Mantenedor do Ensino Superior da Bahia/IMES, sob o parecer número 2.454.240.


 


RESULTADOS


No total, 39 diferentes áreas de queimadura, e suas respectivas fotos em VGA, em um total de 19 pacientes, foram incluídas no estudo. Na nossa casuística, 57,9% dos pacientes pertenciam ao gênero masculino e 42,1% ao gênero feminino. A média de idade dos pacientes inclusos no estudo foi de 35 anos. A média de superfície corpórea queimada foi de 16,32%. Das 39 áreas queimadas avaliadas, 14 (35,9%) foram classificadas como profundas e 25 (64,1%) como superficiais pelo dispositivo FLIR ONE®.


O grupo 1 apresentou percentual de concordância no diagnóstico de 89,8%. Para este grupo de avaliadores, 31 lesões (79,5%) foram classificadas como superficiais de forma unânime e quatro lesões (10,3%) foram classificadas de forma unânime como profundas. Houve discordância apenas para quatro lesões (10,2%).


O grupo 2 apresentou percentual de concordância no diagnóstico de 48,7%. Para este grupo de avaliadores, 10 lesões (25,6%) foram classificadas como superficiais de forma unânime e 9 lesões (23,1%) foram classificadas de forma unânime como profundas. Houve discordância na avaliação de 20 lesões (51,3%). (Tabelas 1 e 2).


 



 


 



 


Considerando os seis avaliadores, independentemente do método de avaliação (se presencial ou por fotografia), o índice de concordância no diagnóstico de profundidade das lesões foi unânime em 10 lesões. Destas lesões, 25,6% eram superficiais, de acordo com o dispositivo térmico FLIR ONE®. Por outro lado, quatro lesões foram avaliadas em unanimidade como profundas, correspondendo a 10,3%. Ocorreu unanimidade em somente 35,9% das avaliações (Tabela 3).


 



 


Ao se analisar o grupo 1 e o grupo 2 de avaliadores separadamente, através da correlação ponto-bisserial, para análise da proporção de concordância entre estes grupos e os dados apresentados pelos valores do dispositivo FLIR ONE®, não foram encontradas correlações significativas entre as variáveis compostas (proporções) criadas para representar o índice de concordância entre o grupo de avaliadores (concordância intragrupo) no diagnóstico do tipo de lesão (superficial ou profunda) e o desfecho dado pela interpretação dos valores de delta aferidos pelo dispositivo FLIR ONE®.


 


DISCUSSÃO


O diagnóstico assertivo de profundidade da queimadura está diretamente relacionado à condução clínica correta, proporcionando um melhor prognóstico do paciente. O uso de dispositivos de apoio diagnóstico é cada vez mais presente na prática clínica, trazendo mais segurança e celeridade no tratamento. O dispositivo FLIR ONE® se enquadra como uma possibilidade dentro deste quesito, por se tratar de uma ferramenta portátil e que possibilita uma rápida avaliação, tornando-se uma opção importante para os profissionais de saúde em diversos cenários15,16.


A utilização da termografia na prática ainda é incipiente, uma vez que a literatura mostra situações inerentes a sua utilização que podem diminuir sua acurácia. Estudos como o de Monstrey et al.1 evidenciam que esta técnica pode apresentar viés significantes como, por exemplo, a perda de calor para o ambiente. Deste modo, entende-se que a avaliação clínica presencial ainda é o modo mais difundido e utilizado para avaliação de queimaduras.


Os resultados deste estudo mostraram que a discordância das avaliações quanto à profundidade da lesão, em grupos nos quais foi utilizada a fotografia como ferramenta diagnóstica, foi maior; também foi evidenciado que não houve associação estatística significativa que embasasse a segurança no uso do dispositivo (Tabela 4). Logo, a reflexão da busca de técnicas complementares de apoio diagnóstico pode fornecer perspectivas distintas acerca da lesão e, consequentemente, proporcionar um diagnóstico preciso.


 



 


O estudo de Monstrey et al.1 evidencia a assertiva acima ao mencionar a importância das contribuições de distintas avaliações para um prognóstico efetivo da queimadura. A utilização de imagens térmicas pode prever a profundidade que apenas o exame clínico não seria capaz, o que denota a relevância da integração dos diversos meios diagnósticos17,18. Concomitantemente aos fatos citados, nota-se no estudo de Xue et al.2 que este dispositivo deve ser um complemento às avaliações já existentes.


A assistência à pessoa com queimadura requer treinamento especializado e prática no manejo de situações inerentes ao curso de evolução clínica deste agravo. Destaca-se que a utilização de novas tecnologias requer um preparo dos profissionais para a compreensão da imagem e a melhor tomada de decisão. Entretanto, salienta-se que as imagens disponibilizadas através do dispositivo FLIR ONE® podem apresentar uma qualidade ruim, podendo dificultar na avaliação diagnóstica2.


Quando observamos os resultados obtidos neste estudo, é importante pontuar sobre questões inerentes às suas limitações, uma vez que estas podem refletir nos dados obtidos. O presente estudo contou com uma amostra de pacientes reduzida e grupos de avaliadores não homogêneos que foram relacionados ao processo de construção metodológica e às características do serviço em que o estudo foi realizado. A não utilização do checklist padronizado para a avaliação das lesões pode ser um viés a ser considerado, mesmo existindo um treinamento prévio dos juízes, considerando as diferentes formações e tempo de atuação com queimaduras.


 


CONCLUSÕES


A avaliação clínica presencial apresentou melhor concordância intragrupos do que a avaliação fotográfica, 89,8% e 49,7%, respectivamente. Quando os grupos foram comparados com o dispositivo térmico FLIR ONE®, adotando-se uma sensibilidade de 46% e especificidade de 82%, com respectivo ponto de corte de 1,15oC de diferença de temperatura entre área queimada e área controle na determinação da profundidade das queimaduras, não ocorreu correlação significativa, com taxa de concordância de 35,9%, mostrando que neste estudo a avaliação clínica presencial ainda é o instrumento mais seguro para diagnóstico.


Entende-se assim que dispositivos como o FLIR ONE® podem ser muito úteis na utilização para avaliações por meio da telemedicina. A avaliação das possibilidades de uso de novas tecnologias é de extrema importância para proporcionar mais segurança no processo de assistência à saúde, entretanto, ainda se observa que práticas tradicionais e presenciais de assistência se mostram mais eficazes neste contexto.


 


REFERÊNCIAS


1. Monstrey S, Hoeksema H, Verbelen J, Pirayesh A, Blondeel P. Assessment of burn depth and burn wound healing potential. Burns. 2008;34(6):761-9.


2. Xue EY, Chandler LK, Viviano SL, Keith JD. Use of FLIR ONE Smartphone Thermography in Burn Wound Assessment. Ann Plast Surg. 2018;80(4 Suppl 4):S236-8. DOI: 10.1097/SAP.0000000000001363


3. Heimbach D, Engrav L, Grube B, Marvin J. Burn depth: a review. World J Surg. 1992;16(1):10-5.


4. Devgan L, Bhat S, Aylward S, Spence RJ. Modalities for the assessment of burn wound depth. J Burns Wounds. 2006;15:e2.


5. Heimbach DM, Afromowitz MA, Engrav LH, Marvin JA, Perry B. Burn depth estimation--man or machine. J Trauma. 1984;24(5):373-8. 


6. Niazi ZB, Essex TJ, Papini R, Scott D, McLean NR, Black MJ. New laser Doppler scanner, a valuable adjunct in burn depth assessment. Burns. 1993;19(6):485-9.


7. Mileski WJ, Atiles L, Purdue G, Kagan R, Saffle JR, Herndon DN, et al. Serial measurements increase the accuracy of laser Doppler assessment of burn wounds. J Burn Care Rehabil. 2003;24(4):187-91.


8. Godina M, Derganc M, Brčič A. The reliability of clinical assessment of the depth of burns. Burns. 1977;4(2):92-6.


9. Droog EJ, Steenbergen W, Sjöberg F. Measurement of depth of burns by laser Doppler perfusion imaging. Burns. 2001;27(6):561-8.


10. Pape SA, Skouras CA, Byrne PO. An audit of the use of laser Doppler imaging (LDI) in the assessment of burns of intermediate depth. Burns. 2001;27(3):233-9.


11. Lahiri BB, Bagavathiappan S, Jayakumar T, Philip J. Medical applications of infrared thermography: A review. Infrared Phys Technol. 2012;55(4):221-35.


12. Jackson DM. The diagnosis of the depth of burning. Br J Surg. 1953;40(164):588-96.


13. Jones OC, Wilson DI, Andrews S. The reliability of digital images when used to assess burn wounds. J Telemed Telecare. 2003;9(Suppl 1):S22-4.


14. Jaspers MEH, Carrière ME, Meij-de Vries A, Klaessens JHGM, van Zuijlen PPM. The FLIR ONE thermal imager for the assessment of burn wounds: Reliability and validity study. Burns. 2017;43(7):1516-23.


15. Boccara D, Chaouat M, Uzan C, Lacheré A, Mimoun M. Retrospective analysis of photographic evaluation of burn depth. Burns. 2011;37(1):69-73.


16. Forage AV. The history of the classification of burns (diagnosis of depth). Br J Plast Surg. 1963;16:239-42.


17. Goel J, Nizamoglu M, Tan, A, Gerrish H, Cranmer K, El-Muttardi, et al. A prospective study comparing the FLIR ONE with laser Doppler imaging in the assessment of burn depth by a tertiary burns unit in the United Kingdom. Scars Burns Heal. 2020; 6:2059513120974261.


18. Singer AJ, Relan P, Beto L, Jones-Koliski L, Sandoval S, Clark RA. Infrared Thermal Imaging Has the Potential to Reduce Unnecessary Surgery and Delays to Necessary Surgery in Burn Patients. J Burn Care Res. 2016;37(6):350-5.











Recebido em 1 de Dezembro de 2023.
Aceito em 28 de Fevereiro de 2024.

Local de realização do trabalho: Hospital Geral do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

Trabalho vencedor do Prêmio Nelson Piccolo no XIII Congresso Brasileiro de Queimaduras (Salvador, BA, 27 a 29 de setembro de 2023).


© 2024 Todos os Direitos Reservados