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Artigo Original

Perfil epidemiológico de pacientes com queimaduras admitidos em hospital terciário

Epidemiological profile of patients with burns admitted to tertiary hospital

Lucas Lerner Vogel1; Danielle Negrello2; Ivana Loraine Lindemann3

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o perfil epidemiológico de pacientes queimados admitidos em unidade hospitalar de Passo Fundo, norte do Rio Grande do Sul.
MÉTODO: Estudo transversal, realizado em um hospital terciário por meio da coleta de dados de prontuários eletrônicos, no período de 2015 a 2020, de pacientes com queimaduras e suas complicações.
RESULTADOS: Com uma amostra de 132 participantes, o perfil epidemiológico foi caracterizado por predomínio de pacientes do sexo masculino (55,3%), adultos (55,3%), não empregados (61,4%), brancos (82,6%), com ensino fundamental (45,4%), não casados (75,8%) e provenientes do próprio município (54,5%). As queimaduras foram, na maioria das vezes, de origem térmica (88%), de 2° grau (83,3%) e acometeram membros superiores (34,1%). As internações ocorreram, quase sempre, pelo Sistema Único de Saúde (80,3%), em grande parte das vezes não foi necessário tratamento intensivo (76,5%) e quase todos os pacientes receberam alta com recuperação (90,9%). Quanto às complicações, embora possam ser de vários tipos, as infecciosas foram as mais frequentes (34,1%).
CONCLUSÕES: O perfil dos pacientes atendidos apresenta semelhanças com a literatura nacional e internacional, mas com algumas diferenças. Logo, é importante a ciência dessas características, para que possam ser promovidas ações para minimização dos acidentes por queimaduras, assim como, para o adequado manejo dos pacientes. Finalmente, com base nos resultados, mas com a necessidade de novos estudos, sugere-se o credenciamento de um Centro de Referência aos Queimados na região.

Palavras-chave: Queimaduras. Epidemiologia. Perfil de Saúde. Atenção Terciária à Saúde.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the epidemiological profile of burn patients admitted to a hospital in Passo Fundo, northern Rio Grande do Sul.
METHODS: Crosssectional study, carried out in a tertiary hospital through the collection of data from electronic medical records, from 2015 to 2020, of patients with burns and their complications.
RESULTS: With a sample of 132 participants, the epidemiological profile was characterized by a predominance of male patients (55.3%), adults (55.3%), non-employed (61.4%), white (82.6%), with elementary education (45.4%), not married (75.8%) and coming from the municipality itself (54.5%). The burns were, in most cases, of thermal origin (88%), of 2nd degree (83.3%) and affected the upper limbs (34.1%). Hospitalizations almost always occurred through the Unified Health System (80.3%), in most cases intensive treatment was not required (76.5%) and almost all patients were discharged with recovery (90.9%). As for complications, although they can be of several types, infectious were the most frequent (34.1%).
CONCLUSIONS: The profile of the patients seen is similar to the national and international literature, but with some differences. Therefore, it is important to be aware of these characteristics, so that actions can be promoted to minimize burn accidents, as well as for the proper management of patients. Finally, based on the results, but with the need for further studies, it is suggested the accreditation of a Reference Center in the region.

Keywords: Burns. Epidemiology. Health Profile. Tertiary Healthcare.

INTRODUÇÃO

As queimaduras estão na quarta posição entre os tipos mais comuns de trauma, sendo, portanto, uma das principais causas de morbimortalidade no mundo1. Essas injúrias ocorrem por consequência de vários agentes, incluindo os térmicos, químicos, elétricos, radioativos e os que causam atrito, dentre outros. Assim, pode ocorrer, dependendo do grau da lesão, um comprometimento dos tecidos corporais, principalmente da pele, que é o maior órgão do corpo humano e tem funções importantes no equilíbrio dinâmico dos tecidos2. As lesões podem ser classificadas quanto à etiologia, ao grau ou profundidade, à superfície corporal queimada e à complexidade das queimaduras3.

Em relação às complicações, podem ocorrer de forma sistêmica ou específica (local). Quando os pacientes são acometidos por desordens sistêmicas, devido a uma extensão maior da lesão, há risco de disfunção orgânica múltipla, por hipoperfusão ou sepse, bem como falência de órgãos, hipermetabolismo prolongado e outras complicações. Além disso, localmente, podem ocorrer infecções da ferida, cicatrizes patológicas e ossificação heterotópica. A mortalidade elevada está relacionada principalmente a comorbidades, extremos de idade, lesão por inalação e extensão da superfície corporal queimada4.

Os países subdesenvolvidos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), têm uma prevalência maior de queimaduras. No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) destina cerca de R$ 55 milhões/ano para o tratamento de pacientes vítimas de acidentes com queimaduras, cuja frequência média anual atinge 2 milhões. Cerca de 100 mil recebem atendimento hospitalar e 2.500 vão a óbito5.

Ainda no Brasil, a média de superfície corporal queimada é de 14,6%, ocorrendo principalmente em indivíduos do sexo masculino e no ambiente de trabalho, tendo como agente principal o álcool (origem térmica). Nas crianças, a média é 10,9%, ocorrendo, na maioria das vezes, por escaldamento e em casa6. Ademais, os principais afetados estão vivendo a sua segunda década de vida, sendo que a maioria tem ensino fundamental completo. Em relação às internações, estas tendem a ser longas, com complicações proporcionais à extensão da queimadura7,8.

À luz disso, a presente pesquisa torna-se importante, pois pode ser útil à prestação de assistência ao queimado no serviço hospitalar e, analisando qual a população mais atingida, dar base para criar formas efetivas de prevenção.

Além disso, a escassez desses dados no norte gaúcho, bem como a falta de um centro de Referência na Assistência a Queimados - Alta Complexidade, contribuem para a realização do estudo, haja vista que no estado só existem em Porto Alegre (Hospital de Pronto Socorro e Hospital Cristo Redentor) e Rio Grande (Hospital Santa Casa de Misericórdia), locais credenciados por meio da Portaria GM/ MS 1273/2000 pelo Ministério da Saúde, que permitem a realização de intervenções complexas no tratamento dessas injúrias, por intermédio de unidade hospitalar com ambulatório, pronto-socorro, sala cirúrgica, leitos de enfermaria e de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) específicos.

Diante disso, pretende-se descrever o perfil epidemiológico de pacientes queimados admitidos em unidade hospitalar de Passo Fundo, norte do Rio Grande do Sul.


MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, realizado em um hospital terciário da região do norte gaúcho, no qual foram incluídos todos os pacientes admitidos por queimaduras e suas complicações (CID T20 a T32 e T95), tanto os internados quanto os atendidos e liberados, no período de 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2020. Dos prontuários eletrônicos foram coletados os dados referentes ao perfil sociodemográfico (idade, sexo, inserção no mercado de trabalho, cor da pele, escolaridade, estado civil, procedência), à queimadura (superfície corporal queimada, etiologia, grau predominante, local mais acometido), à internação (dias de internação, tipo de internação, desfecho) e às possíveis e principais complicações (respiratória, cardiovascular, renal, infecciosa, multissistêmica).

Por conseguinte, os dados foram duplamente digitados e validados. A análise constituiu-se da distribuição absoluta e relativa das frequências das variáveis categóricas, e medidas de tendência central e de dispersão das variáveis numéricas. O protocolo da pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal da Fronteira Sul, sob o parecer de número 4.514.067.


RESULTADOS

A amostra foi composta por 132 pacientes, a maioria do sexo masculino (55,3%), empregado (38,6%), de cor branca (82,6%), com ensino fundamental (45,4%), não casado (75,8%) e procedente do próprio município (54,5%). A média de idade foi de 26,8 (±23,6), variando de 1 ou menos a 83 anos. Dessa forma, a faixa etária que mais se destacou foi a de adultos (> 18 anos), com 55,3%. A descrição dos pacientes quanto ao perfil sociodemográfico encontra-se na Tabela 1.




Em relação aos dados das lesões, estas caracterizaram-se como predominantemente de etiologia térmica (88%), de segundo grau (83,3%) e com acometimento de membros superiores (34,1%). A média de superfície corporal queimada (SCQ) foi de 17,9% (±17,5), variando de 1 a 94%. Os dados discriminados relacionados às queimaduras estão apresentados na Tabela 2.




Do total de pacientes atendidos, 99,2% foram internados, principalmente pelo SUS (80,3%); 23,5% precisaram de UTI, 90,9% tiverem recuperação com alta, 6,8% foram a óbito e 2,3% transferidos a algum serviço de alta complexidade de atendimento ao queimado. O tempo médio de internação foi de 15,4 dias (±13,2), variando de 1 a 62. Os dados estão apresentados na Tabela 3.




Quanto às complicações, conforme demonstrado na Tabela 4, estas ocorreram em 37,9% dos pacientes, sendo que a mais frequente foi a infecciosa (34,1%), seguida pela respiratória (22%), cardiovascular (19,7%), renal (11,4%) e multissistêmica (2,3%).




Perfil de pacientes com queimaduras em hospital terciário


DISCUSSÃO

À revisão da literatura relacionada ao perfil epidemiológico de queimados no mundo e no Brasil, observa-se uma importante carência de dados provenientes do Rio Grande do Sul, principalmente do norte gaúcho. Logo, investigou-se essa temática na região, demonstrando que, embora com algumas diferenças, Passo Fundo seguiu um padrão previamente notado em alguns lugares do país e do mundo.

Quanto à sociodemografia, um estudo realizado em Brasília em 2018, no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, mostrou que 62% dos pacientes acometidos por queimaduras eram, assim como em Passo Fundo, do sexo masculino, o que sugere que homens apresentam um maior comportamento de risco, mas com idade média de 32,5 anos5, isto é, um pouco mais alta que a do município em questão. Em São Paulo, na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital São Paulo, a média de idade aumenta ainda mais (39 anos)9.

No Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, uma pesquisa mostrou que a maioria dos afetados, da mesma forma, tinha idade entre 19 e 39 anos, mas com mais mulheres internadas, principalmente provenientes de fora da capital7, o que pode ser explicado pelo grande número de encaminhamentos de outras regiões do estado para essa cidade devido esta sediar um grande Centro de Assistência aos Queimados. Em contrapartida, na unidade hospitalar estudada observou-se que os principais atendidos são os procedentes do próprio município, mas com os encaminhados atingindo quase metade dos casos, tendo em vista que o município é um polo hospitalar da região norte, embora não possua um grande Centro Especializado em Queimados. Em Caxias do Sul, ainda no estado sulista, as queimaduras atingiram principalmente indivíduos de 19 a 59 anos e do sexo masculino8.

Em outra perspectiva, em relação à profissão, levantamento realizado no Pará revelou que os pacientes mais acometidos pelas lesões estavam empregados principalmente na construção civil10. Em contrapartida, os atendidos por queimaduras no serviço estudado são principalmente não empregados. Isso pode ser explicado pelo fato de que, embora essas lesões tenham acometido na maioria das vezes os adultos, as crianças representam um número importante, o que, da mesma forma, justifica o predomínio de indivíduos não casados na amostra. Quanto à cor, acredita-se que, nos resultados ora apresentados, os brancos foram mais afetados devido ao fato de que a população da cidade, assim como da região, é majoritariamente dessa etnia.

Assim como no estudo realizado em Porto Alegre7, observou-se maior prevalência de escolaridade em nível fundamental (45,4%). Dessa forma, infere-se que os mais expostos às lesões em questão podem não possuir, infelizmente, um nível bom de escolaridade, o que poderia atuar na prevenção dos acidentes. Além do mais, considerando a literatura internacional, uma pesquisa envolvendo 195 países e analisando dados de 1990 a 2017 apontou que a incidência e a mortalidade das lesões causadas por fogo, calor e substâncias quentes acontecem concentradamente em áreas de média e de baixa renda, as quais geralmente apresentam também níveis menores de escolaridade11.

Quanto às queimaduras, as mais frequentes no mundo ocorrem por chamas e por escaldamento. Esses dois tipos, de origem térmica, estão também ligados a maior severidade dos casos, pois tendem a atingir maior área de superfície corporal queimada e representam de 20 a 25% de todas as lesões graves1. No Brasil, em observação realizada no Triângulo Mineiro, esse padrão se repetiu e os líquidos inflamáveis, seguidos por líquidos aquecidos, representaram as causas mais frequentes. O referido estudo aponta, ainda, que as principais regiões acometidas eram no tronco e, em grande parte, de 2° grau12.

Em Tatuapé (SP), a principal região acometida foi, da mesma forma, o tronco incluindo o abdome (29,5%) e os membros superiores ficaram na segunda posição, representando 24,7% entre os 1.844 pacientes atendidos ambulatorialmente13. Neste estudo, 88% das queimaduras foram térmicas e, concomitantemente, de 2° grau. Todavia, apesar de as queimaduras de tronco representarem uma importante parcela, as regiões mais acometidas foram nos membros superiores, o que pode ter ocorrido devido ao elevado número de crianças atingidas pelas queimaduras térmicas, visto que elas estão mais sujeitas, por exemplo, a acidentes envolvendo líquidos quentes.

À luz disso, acredita-se que o pequeno número de pacientes com queimaduras de 1° grau esteja relacionado à não procura de atendimento quando essas lesões acontecem, visto que não são complexas e muitas vezes nem precisam de um cuidado especial. Assim como verificado na Bahia, as extensões das lesões dos pacientes variaram bastante, mas as queimaduras foram mais frequentes em menores taxas de superfície corporal queimada, visto que mais do que a metade dos pacientes teve taxas iguais ou inferiores a 10% da SCQ, 39,3% tiveram SCQ entre 11 e 30%, 6,2% entre 31 e 50% e 2,7% mais do que 50% de SCQ14.

No que tange às internações por queimaduras nas diferentes regiões do Brasil, o Sul ocupa o terceiro lugar, com 18,4%, segundo o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS), embora o Sudeste e o Nordeste, primeiro e segundo lugar, respectivamente, tenham uma população muito maior15. No município em debate, as internações de pacientes acometidos por queimaduras ocorreram principalmente pelo SUS, sendo demonstrada elevada necessidade de atendimento em leito de UTI; porém, é importante relembrar que isso pode ser explicado pelos casos que ocorreram de queimaduras térmicas, de grande extensão, na face ou na via aérea, que estão associadas à maior gravidade, o que sujeita o paciente a mais complicações e aumenta as internações em leitos intensivos.

Em uma pesquisa realizada no centro de tratamento de queimados do Hospital Geral do Estado de Alagoas, a análise de 122 prontuários demonstrou que os internados ficaram em média 14,7 dias sob cuidados do serviço e que 2,5% precisaram de UTI16, enquanto, no presente estudo, o tempo médio de internação foi de 15,4 dias, com mais de 20% demandando cuidado intensivo.

Quanto ao desfecho, prevaleceu o número de recuperados com alta (90,9%) e a mortalidade foi de 6,8%. Em Porto Alegre, análise restrita a dados pediátricos e à UTI mostrou que 5% das vítimas de queimaduras vão a óbito17. Por outro lado, análise de 375 queimados internados em Goiânia mostrou taxa de mortalidade de aproximadamente 1 0%, mas 50% dos pacientes precisaram de UTI e a pesquisa foi realizada em um Centro de Assistência à Queimados18.

É provável que a discrepância entre os resultados seja decorrente do fato de que na amostra deste estudo foram incluídos não somente pacientes graves e em cuidados intensivos, mas, também, aqueles em leitos clínicos, os quais nem sempre estiveram sob muitos riscos. Ademais, as poucas transferências que ocorreram de Passo Fundo foram destinadas ao Centro de Assistência à Queimados de Alta Complexidade de Porto Alegre.

As complicações acometeram quase 40% dos pacientes e a causa infecciosa foi a protagonista, principalmente por choque séptico, o que é comum, visto que as queimaduras quebram a barreira da pele contra micro-organismos, levando a sua instalação e proliferação no corpo. No Hospital Cristo Redentor de Porto Alegre, as principais complicações foram as infecciosas (54%), seguidas por insuficiência renal aguda (30,4%) e choque (19%)7.

Nesse sentido, uma revisão sistemática sobre complicações de queimaduras no mundo mostrou que a complicação multissistêmica por síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (MODS) está associada a aproximadamente 50% das causas de óbito. Além disso, o foco de infecção mais frequente no paciente severamente queimado é o pulmonar.

Das causas renais, lesão/insuficiência renal aguda (IRA) está associada ao óbito em 88%, sendo 56% relacionado à Necrose Tubular Aguda, consequência de IRA. Os autores citam que 39% dos pacientes gravemente queimados e atendidos em UTI desenvolveram IRA. As lesões pulmonares ocorrem principalmente por Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo. Na parte cardiológica, a insuficiência cardíaca pode ocorrer em quase todos os casos com SCQ maior ou igual a 40%. Além disso, as alterações hemodinâmicas imediatas ao acidente são, quase sempre, de choque hipovolêmico4.

Na amostra estudada três pacientes tiveram MODS e nove foram a óbito, representando 33% das causas de morte. Assim, o cenário descrito apresenta consonância com a literatura, pois o principal tipo de complicação foi a infecciosa, seguida pela respiratória, as quais podem estar associadas. Da mesma forma, os 19,7% de complicações cardiovasculares podem estar associados ao predomínio de SCQ de 17,9% (±17,5), embora a mesma tenha variado de I a 94%. Ainda em comparação, um estudo de 647 pacientes queimados maiores de 18 anos realizado na Amazônia mostrou que a complicação mais frequente foi a insuficiência respiratória (69,4%), seguida por insuficiência renal (57,I%) e por sepse (38,8%)19.

Portanto, cabe ressaltar que uma das limitações da pesquisa foi que, haja vista que os dados foram advindos de prontuários eletrônicos, podem ter ocorrido erros na transcrição destes, conquanto tenha ocorrido a sua dupla digitação e validação, ou até mesmo pode ter havido alguma falha no preenchimento dos referidos prontuários. Ademais, os pacientes transferidos constaram na amostra, mas não puderam ser avaliados quanto à sua história natural da doença, tendo em vista que esses prontuários não sofreram mais alterações a partir do momento da ida para os centros de referência para o devido tratamento.

Aliás, o cenário de ocorrência dos acidentes, as evoluções das cicatrizações, as profissões mais acometidas, as comorbidades dos pacientes, o detalhamento dos processos de óbito, bem como a não separação dos dados relativos às crianças e aos adultos, podem também ser consideradas limitações deste estudo e compõem aspectos que carecem de investigações adicionais. Dada a importância de tais informações, cabe salientar a relevância da sua obtenção e registro em prontuário durante os atendimentos aos pacientes.

Todavia, os aspectos positivos fazem-se presentes também, uma vez que se pode comparar os resultados com artigos oriundos de estudos metodologicamente homogêneos ou com revisões sistemáticas, mostrando, pois, mais precisão na inferência de dados que se apresentaram.

Finalmente, Passo Fundo poderia se tornar um Centro de Referência de Alta Complexidade aos queimados, pois, conforme discutido anteriormente, muitos pacientes graves, grandes queimados que deveriam ser tratados em grandes Centros Especializados, podem estar sendo tratados no município, mesmo que este não seja credenciado como referência nesse tipo de atendimento.

Visto que os encaminhamentos desses pacientes se dão principalmente para Porto Alegre e Rio Grande quando no estado gaúcho, Passo Fundo, ao atender a região e os pacientes que não conseguem leitos nesses centros, pode estar atendendo muitos pacientes queimados que deveriam ser encaminhados, porque muitos deles podem ter sido atendidos em unidades básicas e outros hospitais do município e região, bem como pode atender encaminhamentos não só do Rio Grande do Sul, mas principalmente da região oeste e central do estado de Santa Catarina (SC), uma vez que os Centros de Referência de SC são em Florianópolis, Joinville e Lages (Hospital Infantil Joana de Gusmão, Hospital Infantil Jeser Amarante Faria e Hospital Tereza Ramos, respectivamente).

Ademais, ressalta-se o contingente de atendimentos por tais lesões no estado, sendo que, conforme dados do Sistema de Informações Hospitalares, no Rio Grande do Sul, de 2015 a 2020, ocorreram 6.293 internações por queimaduras e corrosões, das quais 480 foram na macrorregião do norte gaúcho e 231 em Passo Fundo, demonstrando, assim, a concentração regional de atendimentos que poderiam ser qualificados caso fossem realizados em um centro credenciado20.


CONCLUSÕES

Em suma, o perfil epidemiológico dos pacientes atendidos por queimaduras na unidade hospitalar em foco apresenta semelhanças com a literatura nacional e internacional e é caracterizado, principalmente, por pacientes do sexo masculino, adultos, não empregados, brancos, com ensino fundamental, não casados e provenientes do próprio município. As queimaduras são, na maioria das vezes, de origem térmica, de 2° grau e acometem membros superiores. As internações ocorrem, quase sempre, pelo SUS, muitas vezes não é necessário leito de UTI e quase todos os pacientes recebem alta com recuperação. Quanto às complicações, embora possam ser de vários tipos, as infecciosas predominaram.

À luz disso, é importante a ciência desse perfil, para que ocorram tentativas de minimização dos acidentes por queimaduras, bem como adequado manejo dos pacientes. Por isso, a criação de programas e políticas públicas com ênfase na prevenção dessas lesões, bem como a realização de pesquisas adicionais caracterizando as vítimas na região, podem trazer benefícios à população, diminuindo as ocorrências do agravo. Logo, os resultados apresentados e essa necessidade de novos estudos trazem um debate a respeito de que Passo Fundo, por ser um polo de saúde, poderia ser, da mesma forma que Porto Alegre e Rio Grande, um centro de referência no atendimento aos queimados.


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Recebido em 24 de Julho de 2021.
Aceito em 9 de Maio de 2022.

Local de realização do trabalho: Universidade Federal da Fronteira Sul, Passo Fundo, RS, Brasil

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver


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