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Relato de Caso

Terapia por pressão negativa em lesões por queimadura elétrica no paciente pediátrico

Negative pressure therapy in injuries for electrical burns in pediatric patients

Manuela Estrela Baggio1; Aline Borges Penna2; Grazyelle Ferreira de Souza3

RESUMO

OBJETIVOS: Relatar o uso da Terapia por Pressão Negativa (TPN) em um paciente pediátrico vítima de queimadura elétrica e fornecer subsídios fundamentais para o melhor tratamento, possibilitando, assim, que outros pacientes se beneficiem com esta terapêutica.
MÉTODO: Trata-se de um relato de caso único que avaliou o uso da TPN em um paciente pediátrico. Os dados foram coletados por meio das anotações do prontuário eletrônico do paciente.
RESULTADOS: Pode-se considerar que a conduta inicial de uma equipe multidisciplinar foi fundamental para o prognóstico do paciente. Além disso, o membro superior direito acometido pela queimadura elétrica apresentou resultados satisfatórios e significativos quando instituída a TPN.
CONCLUSÃO: O relato de caso revelou que a TPN foi imprescindível para a recuperação da lesão do paciente pediátrico, sendo uma alternativa confortável para crianças vítimas de queimaduras, além de permitir a aderência das enxertias de pele e a cicatrização mais rápida das lesões.

Palavras-chave: Sucção. Tratamento de Ferimentos com Pressão Negativa. Pediatria. Unidades de Queimados. Queimaduras Elétricas.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To report the use of Negative Pressure Therapy (NPT) in a pediatric patient suffering from electric burn and provide fundamental subsidies for the best treatment, thus allowing other patients to benefit from this therapy.
METHODS: This is a single case report that evaluated the use of NPT in a pediatric patient. The data were collected through the patients electronic medical records.
RESULTS: The initial management of a multidisciplinary team could be considered as fundamental for the patients prognosis. In addition, the right upper limb affected by electric burn presented satisfactory and significant results when NPT was instituted.
CONCLUSION: The case report revealed that NPT was essential for recovery of the pediatric patients lesion, being a comfortable alternative for children who are victims of burns, besides allowing the adhesion of the skin grafts and the faster healing of the lesions.

Keywords: Suction. Negative-Pressure Wound Therapy. Pediatrics. Burn Units. Burns, Electric.

INTRODUÇÃO

A queimadura é uma das formas mais graves de trauma que envolve adultos e crianças, a maior parte ocorre no ambiente domiciliar, onde as crianças são as principais vítimas1. Portanto, as causas mais frequentes das queimaduras em crianças são decorrentes de acidentes causados por escaldamentos, contato com objetos aquecidos ou violência doméstica. Com menor frequência, mas não menos importantes em relação à gravidade, estão os acidentes relacionados com a manipulação de agentes químicos e/ou inflamáveis e o contato com correntes elétricas1,2.

A severidade das lesões por queimadura elétrica, bem como sua extensão e profundidade, dependerão da amperagem da corrente elétrica, da resistência do corpo no ponto de contato, do tipo e da magnitude no trajeto da corrente e da duração do contato3.

Dessa forma, para que a assistência ao paciente queimado seja prestada de forma holística e humanizada, o enfermeiro deve ter conhecimento científico sobre a fisiologia da pele e da cicatrização, além de conhecer os tratamentos e coberturas existentes para a recuperação das feridas ocasionadas pelas queimaduras4,5.

Nessa perspectiva, a Terapia por Pressão Negativa (TPN) vem sendo cada vez mais estudada e difundida na área da saúde, por constituir-se numa estimulação mecânica não invasiva que propicia uniformidade ao processo cicatricial, podendo ser indicada no tratamento de feridas agudas, crônicas abertas, traumáticas, lesões por pressão e queimaduras5,6.

Portanto, este estudo tem como objetivos relatar o uso da TPN em um paciente pediátrico vítima de queimadura elétrica e fornecer subsídios fundamentais para o melhor tratamento, possibilitando, assim, que outros pacientes se beneficiem com esta terapêutica.


RELATO DE CASO

Criança de 9 anos, sexo masculino, previamente hígido, natural de Belo Horizonte, Minas Gerais, admitido no Hospital João XXIII (HJXXIII) devido à queimadura elétrica em membros superiores, totalizando 15% da superfície corporal acometida. A lesão foi classificada como queimadura de segundo grau profunda e terceiro grau após contato entre cabo de alta tensão e barra de ferro presente em sua mão, com entrada e saída no antebraço esquerdo e direito, respectivamente.

Admitido no HJXXIII com Glasgow 15, colaborativo, apresentando fáceis de dor que foi classificada conforme escala numérica em 09/10 de forte intensidade, corado, acianótico, anictérico, mantendo via aérea pérvia e saturação parcial de oxigênio de 95% em ar ambiente. Os antebraços direito e esquerdo apresentavam queimaduras de modo circunferencial e evoluíram com parestesia, empastamento, perda da mobilidade, associados a lesões bolhosas e ausência de perfusão capilar periférica nos quirodáctilos esquerdos.

Após exame físico, o paciente foi submetido à fasciotomia de emergência nos antebraços e desbridamento das lesões no bloco cirúrgico, sendo, em seguida, transferido ao centro de terapia intensiva (CTI) pediátrico. Havia, ainda, o risco de amputação do antebraço esquerdo, uma vez que a perfusão capilar periférica dos quirodáctilos estava maior que três segundos e o Doppler evidenciou trombose da artéria ulnar esquerda.

A limpeza das lesões era realizada no CTI com água destilada estéril e aplicação de sulfadiazina de prata a 1% nos antebraços direito e esquerdo, a cada 12 horas pela equipe de enfermagem do setor, com o paciente sob sedo-analgesia.

No 8° dia de internação hospitalar (DIH), ocorreu o segundo desbridamento cirúrgico das lesões nos antebraços. No 15° DIH, os quirodáctilos esquerdos mantinham ausência de perfusão e os músculos do antebraço esquerdo estavam necrosados. Entretanto, os quirodáctilos direitos apresentavam perfusão capilar periférica preservada, apesar do antebraço direito manter predominância de tecidos desvitalizados. Foi realizada então, amputação dos 1° e 5° quirodáctilos esquerdos. Os curativos continuavam sendo realizados com sulfadiazina de prata a 1%.

No 22° DIH, o membro superior esquerdo apresentou necrose total, optou-se por amputação do antebraço esquerdo a nível proximal. A ferida operatória decorrente da amputação do antebraço esquerdo evoluiu sem sinais flogísticos, com integração das bordas e ausência de exsudato.

No 29° DIH foi realizado novo desbridamento cirúrgico em antebraço direito e braço esquerdo. Apesar disso, o antebraço direito permanecia com tecido desvitalizado, perfusão periférica ineficaz, exposição do nervo ulnar, trombose em artérias ulnar e radial, intensificando o risco de amputação. Sendo assim, decidiu-se consultar a Comissão de Prevenção e Tratamento de Lesões (CPTL) que junto à equipe multidisciplinar indicaram a Terapia por Pressão Negativa (TPN).

A realização do curativo iniciou-se pela limpeza da lesão com solução fisiológica 0,9% aquecida, proteção de tendão e do nervo ulnar com hidrogel amorfo e plástico estéril e, em seguida, aplicação da espuma de poliuretano hidrofóbica, ocluída com filme transparente estéril. A espuma era conectada ao dreno de sucção que, por sua vez, conectava-se ao equipamento computadorizado interligado a um reservatório para drenagem de exsudato, programado para exercer pressão negativa a 120 mmHg, de forma contínua.

Durante o tratamento com a TPN em antebraço direito, o paciente permanecia sob sedo-analgesia. A lesão apresentava-se circular, com exposição óssea (metacarpo), tendínea e de nervo ulnar, medindo aproximadamente, 20 cm x 13 cm x 3 cm de profundidade, com 95% de tecido de granulação e 5% de esfacelo.

A troca do curativo estava prevista para cada 72 horas, com acompanhamento diário pela equipe de enfermagem do CTI pediátrico e pela CPTL. Após esse período, procedeu-se com a primeira abertura do curativo: havia maceração intensa da pele perilesão, aumento do tecido de granulação, redução da profundidade em 1 cm e preservação do tendão hidratado (Figura 1). Já o reservatório de exsudato continha 300 ml de conteúdo serossanguinolento.


Figura 1 - Primeira troca da Terapia por Pressão Negativa.



Já na segunda troca da TPN, a lesão evoluía com 100% de tecido de granulação e expansão da área granulada sobre as estruturas óssea, tendínea e do nervo ulnar, bem como redução da profundidade e do volume de exsudato drenado. A pele perilesão apresentava-se livre de maceração (Figura 2).


Figura 2 - Segunda troca da Terapia por Pressão Negativa.



Ao final da quarta sessão com a TPN, a lesão apresentava-se granulada, sem exposição óssea e tendínea. A abertura do curativo procedeu-se no bloco cirúrgico, onde foi realizado enxerto dermoepidérmico local, sem intercorrências. Ao evidenciar integração de 95% da área enxertada, sem sinais de infecção (Figura 3), a equipe multidisciplinar decidiu pela alta hospitalar do paciente, com retorno ambulatorial para acompanhamento.


Figura 3 - Integração da enxertia/Alta hospitalar.



DISCUSSÃO

As queimaduras de extremidades acarretam diversas sequelas funcionais ao indivíduo queimado7, sendo que o sucesso do tratamento depende principalmente da abordagem inicial e da continuidade do tratamento ao longo da internação hospitalar8.

Em relação aos pacientes pediátricos, as sequelas provenientes das queimaduras são sempre de maior gravidade, uma vez que tendem a ter complicações mais graves. Dessa forma, quando a queimadura de extremidade acomete crianças, uma equipe multi-disciplinar deve estar envolvida na avaliação clínica, para estabelecer condutas para o tratamento, objetivando a recuperação funcional da área afetada, a reabilitação da aparência do membro acometido, bem como a reinserção do paciente na sociedade9.

Sendo assim, pode-se inferir que o manejo inicial, os procedimentos cirúrgicos, a escolha da terapia tópica e o controle da dor descritos nesse estudo foram fundamentais para o prognóstico do paciente.

Conforme a indicação da terapia tópica inicial com sulfadiazina de prata a 1%, estudos revelam ser esse o agente tópico mais utilizado nas queimaduras superficiais e profundas, uma vez que tem amplo espectro antibacteriano e também atua contra fungos10. Entretanto, ele pode danificar o tecido de granulação e necessitar de trocas regulares, podendo ocasionar dor ao paciente, uma vez que há aderência do curativo à lesão, resultando em traumas nas áreas recém epitelizadas8,10.

Nesse sentido, com o objetivo de aperfeiçoar o resultado e o tempo de cicatrização das lesões, o tratamento de feridas complexas teve um grande avanço nos últimos anos, com o incremento da TPN11. Dessa forma, a escolha desse curativo pela equipe multidisciplinar decorreu da piora significativa da lesão no antebraço direito associada ao risco de amputação.

Diversas pesquisas têm demonstrado os benefícios da TPN em feridas complexas, uma vez que reduz o edema, aumenta a perfusão capilar da área afetada, estimula a angiogênese, auxilia na drenagem do exsudato da lesão, minimiza a carga bacteriana existente no leito da lesão, reduz a progressão da lesão por contração mecânica e, por consequência, diminui a incidência de amputação12,13.

Mediante o contexto, o presente relato de caso reforça os achados de estudos12,13 que demonstram o uso da TPN como um mecanismo para aumentar a aderência dos enxertos de pele, uma vez que o seu uso permitiu a cicatrização completa do antebraço direito. Além disso, dentre os diversos benefícios da TPN, destaca-se também que o uso em crianças vítimas de queimaduras é extremamente vantajoso, pois propicia a mobilidade para além do leito hospitalar, uma vez que as atuais bombas da TPN são portáteis e facilitam a deambulação, permitem trocas infrequentes dos curativos (2 a 4 dias), levando à diminuição da ansiedade e da dor e, consequentemente, reduzindo a quantidade de sedo-analgesia administrada durante as trocas de curativo12,14.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o propósito de conhecer os efeitos da Terapia por Pressão Negativa nas lesões por queimadura, através do relato de caso apresentado, foi possível evidenciar que a TPN no paciente pediátrico trouxe resultados satisfatórios e significativos no processo de cicatrização tecidual, além de efeitos positivos na aceitação do tratamento.

Logo, sugere-se a realização de mais estudos teóricos e práticos a respeito da TPN, uma vez que esta terapêutica trouxe esperanças quanto a um melhor desfecho e proporcionou qualidade de vida para o paciente queimado e seus familiares.


REFERÊNCIAS

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Recebido em 25 de Julho de 2019.
Aceito em 26 de Abril de 2021.

Local de realização do trabalho: Hospital João XXIII, Belo Horizonte, MG, Brasil

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver


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