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Relato de Caso

Uso de Omiderm® em queimadura grave: relato de caso

Omiderm® use in a severe (major) burn: case report

Adriana Margarita Buelvas Bustillo1; Bianca Ohana2

RESUMO

OBJETIVO: O padrao ouro da cobertura de uma queimadura é a própria pele, mas em muitas ocasioes é necessária a utilizaçao de substitutos da pele para o seu tratamento. Neste sentido têm sido desenvolvidos curativos biossintéticos como o Omidermr, com a finalidade de estimular e favorecer o processo de cura da queimadura. Este estudo apresenta nossa experiência no tratamento com Omidermr em uma criança com queimadura grave, em termos da evoluçao do processo cicatricial até a epitelizaçao.
MÉTODO: Relato de caso. Paciente de 1 ano e 5 meses de idade sofreu queimadura grave por líquido superaquecido, submetido a tratamento com Omidermr e foi relatada a evoluçao clínica até a epitelizaçao completa da lesao.
RESULTADOS: Otima evoluçao clínica, sem complicaçoes, com estância hospitalar de 15 dias e epitelizaçao completa em 22 dias, aumento nos intervalos de troca do curativo e resultado estético satisfatório.
CONCLUSOES: O Omidermr constitui uma opçao terapêutica importante nos casos de queimaduras de espessura parcial em crianças. Sua transparência permitiu avaliar a evoluçao da ferida, reduzindo a frequência de troca do curativo, diminuindo a necessidade de analgesia e acelerando a cicatrizaçao.

Palavras-chave: Poliuretanos. Membranas Artificiais. Queimaduras. Curativos Oclusivos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: The gold standard for burn wound dressing is the patient's own skin, but often the use of skin substitutes for the treatment is necessary. In this respect, biosynthetic dressings as Omiderm have been developed, with the purpose to stimulate and promote burn healing process. This study describes our experience with Omidermr treatment in a child with severe burn, in terms of healing process evolution until wound epithelialization.
METHOD: Case report. One year and five months old patient, with severe scald burn, underwent with Omidermr treatment and it was reported the clinical evolution until complete epithelialization of the lesion.
RESULTS: Great clinical evolution, without complications, with 15 days of hospital stay and complete epithelization in 22 days, increase in dressing change intervals and satisfactory esthetic result.
CONCLUSIONS: Omidermr is an excellent therapeutic option in cases of partial-thickness burns in children. Their transparency allows evaluating changes in the wound, decreasing the frequency of dressing change, reducing the need of analgesia and accelerating the healing process.

Keywords: Polyurethanes. Membranes, Artificial. Burns. Occlusive Dressings.

INTRODUÇAO

As queimaduras constituem uma das principais causas de lesoes acidentais e morte tanto em adultos quanto em crianças, correspondendo na sua maioria a queimaduras menores que nao requerem internaçao. Entre as causas mais comuns estao aquelas decorrentes de escaldamentos, sendo as crianças as principais vítimas1.

A mortalidade das crianças admitidas nos centros de queimaduras nos Estados Unidos é inferior ao 3%, atingindo 6% nas queimaduras térmicas com superfície corporal queimada de 30% ou superior2.

A avaliaçao inicial da queimadura deve determinar a extensao, profundidade e localizaçao da lesao, com atençao nas áreas nobres: face, maos, genitália e períneo. Assim como, identificar queimadura profunda circunferencial; presença de lesao por inalaçao, a causa da queimadura e descartar lesao por abuso3,4.

A abordagem inicial do paciente queimado segue os princípios do Advanced Trauma Life Support (ATLS) dando prioridade à via aérea, seguida da hidrataçao endovenosa de vital importância nos grandes queimados, supervisao da diurese e controle da dor. Posteriormente, o tratamento da queimadura inclui limpeza da ferida, desbridamento e remoçao das bolhas ou flictenas e cobertura-curativo da queimadura2.

O padrao ouro para o tratamento das queimaduras que requerem cobertura é a utilizaçao da própria pele do paciente, seja com autoenxertia de espessura parcial ou total, ou aguardando o processo de cicatrizaçao natural, o qual pode demorar, apresentando riscos, altas taxas de complicaçoes e sequelas. Neste sentido, nao existe substituto para a própria pele, mas existem materiais projetados com funçoes especificas no processo de cicatrizaçao, por isso, primeiro devemos nos perguntar qual é o objetivo particular do tratamento local de uma queimadura especifica5.

A finalidade do tratamento das queimaduras é a cura desta, definida convencionalmente como o fechamento da ferida por uma ponte epitelial6. Para a estimulaçao e favorecimento deste processo, têm sido desenvolvidos curativos biossintéticos como o Omidermr, o qual é um substituto semibiológico da pele, transparente, aderente e semipermeável, que proporciona proteçao e umidade na ferida, facilitando a sua cura.

O objetivo deste estudo é relatar o caso de uma criança com queimadura grave atendida no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Municipal Pedro II do Rio de Janeiro, RJ, no qual foi utilizado tratamento com Omidermr. Avaliamos a experiência em termos da evoluçao do processo de cicatricial da queimadura até a epitelizaçao.


RELATO DO CASO

J.P.D.B., masculino, 1 ano e 5 meses de idade, natural de Rio de Janeiro, RJ, sem comorbidades prévias, com vacinaçao em dia, vítima de queimadura por líquido superaquecido (água fervente).

O atendimento primário foi realizado em outra unidade hospitalar, avaliando queimaduras de graus nao descritos na face, tronco anterior, tronco posterior e membros superiores. Foi submetido a desbridamento e curativo em centro cirúrgico duas horas após o acidente e posteriormente encaminhado ao Centro de Tratamento em Queimados (CTQ) do Hospital Municipal Pedro II (HMPII).

Ingressou no HMPII no dia 9 de março de 2015, três horas após o acidente, realizando-se monitorizaçao dos sinais vitais, analgesia, hidrataçao vigorosa com Ringer Lactato, tendo como parâmetro a fórmula de Parkland (4 x %Superfície Corporal Queimada (SCQ) x peso)7, e sondagem vesical para monitorizaçao do débito urinário visando manter este entre 0,5-1 ml/kg/peso.

O paciente foi internado no Centro de Terapia Intensiva Pediátrica (CTIP), conforme protocolo de tratamento do paciente queimado, submetido a cuidados gerais, proteçao gástrica, exames laboratoriais (inclusos Swabs e cultura de fragmento de tecido da área queimada), além de nutriçao com suporte hiperproteico e hipercalórico.

O paciente foi avaliado pela cirurgia plástica do CTQ - HMPII calculando-se a SCQ em 31% pela regra de Lund e Browder, obtendo pontuaçoes de 19% para a área queimada da cabeça, sem comprometimento das pálpebras, 2% para cada braço e 8% para o tronco. A maioria da SCQ correspondia a queimaduras de segundo grau profundo, com pequenas áreas de segundo grau superficial, todas com possibilidade de progressao.

Foi indicada balneoterapia diária e curativo com sulfadiazina de prata a 1%. O protocolo da balneoterapia consiste na limpeza das lesoes com água corrente e clorexidina degermante a 2%, desbridamento do tecido necrótico e curativo oclusivo, em condiçoes de assepsia e antissepsia, sob efeito de sedaçao com anestesista.

Evoluçao do quadro

  • Dia 10 de março de 2015: Foi realizada a primeira balneoterapia, estadiamento das lesoes e curativo com sulfadiazina de prata a 1%.
  • Dia 11 de março de 2015: Foi realizada novamente balneoterapia seguindo o mesmo molde.
  • Dia 13 de março de 2015: Realizou-se a terceira balneoterapia e iniciou-se o uso de Omidermr em toda a SCQ, com áreas de sobreposiçao de Adapticr para maior aderência. Nesse momento a SCQ encontrava-se com queimaduras de segundo grau profundo na sua maioria, com porcentagens especificadas anteriormente, sem sinais de infecçao, sem tecido necrótico e com pouco exsudado.
  • Dia 17 de março de 2015: Realizou-se balneoterapia e curativo com colocaçao de Omidermr e Adapticr na SCQ. As lesoes apresentaram melhora clínica, epitelizando, algumas com superficializaçao e sem sinais de infecçao.
  • Dia 18 de março de 2015: Devido à evoluçao clínica favorável, lesoes em fase de cicatrizaçao, paciente afebril, com bons parâmetros hemodinâmicos e adequada diurese, o paciente é transferido da CTIP para a enfermaria de pediatria.
  • Dia 20 de março de 2015: Foi realizada balneoterapia e curativo com Omidermr e Adapticr, seguindo os padroes das sessoes anteriores.
  • Dia 24 de março de 2015: O paciente recebeu alta hospitalar, em boas condiçoes gerais, com curativo de Omidermr e Adapticr, sendo encaminhado para retorno ao ambulatório do CTQ sete dias após a alta.


  • Paciente retornou na consulta no dia 31 de março de 2015 com feridas limpas, secas, sem sinais flogísticos, com queimaduras epitelizadas satisfatoriamente na totalidade.


    DISCUSSAO

    O tratamento local da queimadura consiste em lavado, desbridamento, uso de antimicrobianos tópicos e cobertura da área afetada. Esta abordagem é considerada ideal para o tratamento inicial de todas as queimaduras, inclusive de aquelas de espessura parcial e total, realizando as modificaçoes necessárias segundo a evoluçao e características de cada caso em particular8.

    A limpeza deve-se realizar com água e clorexidina degermante a 2%, retirando contaminantes externos e o tecido necrótico. Os antimicrobianos podem ser usados topicamente para profilaxia da infecçao na área queimada, estando contraindicada a utilizaçao sistêmica destes. O antimicrobiano tópico mais comumente usado é a sulfadiazina de prata a 1%4 .

    Até o momento, nao existe consenso sob qual é a melhor opçao na hora de cobrir uma queimadura. Por isso, a eleiçao da cobertura constitui o maior reto do tratamento das queimaduras de espessura parcial e total. Na atualidade conta-se com uma ampla variedade de opçoes terapêuticas disponíveis que discorrem entre o cirúrgico e o nao cirúrgico, entretanto a escolha deve ser individualizada para cada caso.

    As opçoes de coberturas disponíveis na atualidade podem ser divididas em quatro categorias gerais8:

  • Coberturas sintéticas (malhas): de gaze fina em combinaçao com um antimicrobiano tópico, coberturas de hidrocoloide e coberturas com prata.
  • Coberturas biossintéticas ou substitutos semibiológicos de pele: como o Biobraner, o qual consiste em uma membrana bilaminada que contém uma fina membrana semipermeável de silicone unida a uma camada de uma rede de nylon e coberta por uma camada monomolecular de colágeno porcino tipo 1. Nesta categoria incluem-se também produtos "Biobrane-like" como Transcyter, Suprathelr e Omidermr; e Polihexanida com conteúdo de biocelulosa.
  • Coberturas biológicas: como enxertias (aloenxertia e xenoenxertia) e membrana amniótica humana8. O aloenxerto se utiliza geralmente com queimaduras de espessura total, tem sido comparado favoravelmente nos estudos com sulfadiazina de prata nas queimaduras de espessura parcial, quase duplicando o número de pacientes curados aos 21 dias (76% versus 40%). Resultados similares têm sido observados quando se utilizou xenoenxertia nas queimaduras de espessura parcial9.
  • Barreira e curativos impermeáveis como o Tegadermr8.


  • Os curativos biossintéticos têm sido desenvolvidos com a finalidade de reduzir o número de trocas e facilitar a cura, proporcionando proteçao à superfície queimada, evitando a perda de líquidos e a colonizaçao bacteriana, mas a sua natureza semipermeável permite a absorçao do exsudado da ferida pelo curativo externo8.

    As coberturas biossintéticas sao uma ótima opçao terapêutica em menores de 18 anos devido apresentarem melhores resultados para a formaçao de escara, tempo de internaçao, tempo de cicatrizaçao, necessidade de analgesia e necessidade de troca do curativo9,10. O fechamento da ferida com o uso destas coberturas pode levar entre 10 a 14 dias9.

    Omidermr é um substituto semibiológico da pele, sintético, consiste em uma membrana de poliuretano obtida pela adiçao superficial de monômeros de poliamida e de hidroximetilmetacrilato com a funçao de conferir características hidrofílicas. Tem uma espessura de 40 micras, é hipoalergênico, altamente flexível, aderente sem possuir adesivos, permeável à água, oxigênio e antibióticos tópicos, porém, impermeável a fluidos de alto peso molecular, corpos celulares ou bactérias11. Outra qualidade importante é a sua transparência, de modo que a área coberta pode ser facilmente avaliada para supervisionar o processo de cicatrizaçao ou complicaçoes sem precisar a remoçao deste12.

    O uso de Omidermr está indicado para diversos tipos de ferimentos, como queimaduras de primeiro e segundo graus, para a cobertura de áreas doadoras de enxertia de pele, em aplasia cútis congênita, no tratamento de diversos tipos de úlceras, para a proteçao de áreas propensas à formaçao de escaras e no pós-cirúrgico de dermoabrasao. O uso de Omidermr está contraindicado em feridas infectadas11,12.

    Os curativos sao comercializados lisos e reticulados em quatro tamanhos (5x7 cm, 8x10 cm, 18x10 cm e 21x31 cm), somente liso de 60x10 cm e somente reticulado de 23x39 cm. O liso permite a drenagem de, no máximo, 5 litros de exsudato por metro quadrado por dia, sendo indicado para feridas pouco exsudativas. Permite a passagem de medicaçao tópica e a troca gasosa, mas constitui uma barreira contra a invasao microbiana. Já o reticulado possui ranhuras de 4 mm, com distância de 2 mm umas das outras, permitindo a saída de mais de 5 litros de exsudato por metro quadrado por dia11.

    Um estudo comparativo realizado Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Estadual Vereador Melchiades Calazans referiu que o tratamento com Omidermr reduz o tempo de cicatrizaçao de 42 dias para em torno de 10 e 15 dias quando comparado com o tratamento convencional com sulfadiazina de prata em pacientes com queimaduras de 2º grau superficial e profunda; assim como diminuiçao no tempo de internaçao e melhor qualidade estética na aparência das lesoes13. O Omidermr também tem demostrado ser mais custo-efetivo quando comparado com outros substitutos biossintéticos da pele14.

    No presente caso o paciente evoluiu de forma satisfatória, sem complicaçoes, com uma estância hospitalar de 15 dias e epitelizaçao completa em 22 dias. Os tempos de troca do curativo aumentaram gradualmente. O paciente nao precisou de intervençao cirúrgica e o resultado estético foi satisfatório.


    CONCLUSAO

    O uso de substitutos biossintéticos da pele como Omidermr constitui uma opçao terapêutica importante nos casos de queimaduras de espessura parcial em crianças. Sua transparência permitiu avaliar o processo cicatricial sem necessidade de retirar a cobertura, evitando a exposiçao ao meio ambiente, diminuindo a manipulaçao no momento da troca e, por conseguinte, diminuindo o risco de infecçao.

    A diminuiçao da frequência de troca do curativo foi um fator importante, pois, além de acelerar a cicatrizaçao, diminuiu o tempo de internaçao, a necessidade de analgesia e a exposiçao à sedaçao anestésica no paciente.


    REFERENCIAS

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    3. American Burn Association. Practice Guidelines for Burn Care. J Burn Care Reahabil. 2001;22(Suppl):1s-69s.

    4. Wounds International. Best Practice Guidelines: Effective skin and wound management of non-complex burns. Wounds Int [Internet]. 2014 [Acesso 19 Mai 2016].Disponível em: www.woundsinternational.com

    5. Shakespeare PG. The role of skin substitutes in the treatment of burn injuries. Clin Dermatol. 2005;23(4):413-8.

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    9. Johnson RM, Richard R. Partial-thickness burns: identification and management. Adv Skin Wound Care. 2003;16(4):178-87.

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    12. Canter HI, Vargel I, Nasir S, Kayikcioglu A. Use of a water-vapour permeable polyurethane film (omiderm) in the non-surgical treatment of aplasia cutis congenita. Scand J Plast Reconstr Surg Hand Surg. 2004;38(4):232-5.

    13. Magalhaes MM, Silva IDM, Martins MR, Minchio E, Vidigal RA, Sauter E, et al. Substitutos cutâneos no tratamento do grande queimado: estudo comparativo entre o Omiderm r e terapia convencional. Rev Bras Cir Plást. 2013;28(supl):1-103.

    14. Schwarze H, Küntscher M, Uhlig C, Hierlemann H, Prantl L, Ottomann C, et al. Suprathel, a new skin substitute, in the management of partial-thickness burn wounds: results of a clinical study. Ann Plast Surg. 2008;60(2):181-5.









    Recebido em 4 de Março de 2016.
    Aceito em 13 de Maio de 2016.

    Local de realização do trabalho: Hospital Municipal Pedro II, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.


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