943
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Análise das vítimas de queimadura ocupacional internadas na Unidade de Terapia de Queimados de Catanduva

Analysis of the victims of occupational burn hospitalized in the burn care unit of Catanduva

Diogo Kokiso1; Diogo Pereira Higino da Costa2; Jean Clever Bido Cesário2; Débora Santanin Sanchez3; Mariana Augusta Sansoni Cardoso Gomes3; Manoel Alves Vidal4

RESUMO

OBJETIVO: Este estudo tem o intuito de avaliar os pacientes que foram vítimas de queimaduras ocupacionais internados na Unidade de Terapia de Queimaduras (UTQ) do Hospital Padre Albino (HPA) da Faculdade de Medicina de Catanduva, SP.
MÉTODO: Estudo de corte transversal do período de março de 2012 a fevereiro de 2013 em que foram levantados os dados dos pacientes vítimas de queimaduras ocupacionais por meio de revisao dos prontuários de todos os pacientes internados na UTQ do HPA nesse período.
RESULTADOS: O sexo masculino foi o predominante, com 83%. A idade com maior predominância foi entre 21 a 30 anos, com 36%. O tempo de internaçao entre 6 a 10 dias foi o mais encontrado, com 36%. A principal etiologia encontrada foi a elétrica, com 21%. Superfície corporal queimada entre 10 a 30% foi encontrada em 60% dos casos. Foram submetidos à enxertia de pele um total de 21% dos pacientes e a retalhos 10% dos casos. 12% dos pacientes desenvolveram infecçao durante a internaçao.
CONCLUSAO: As publicaçoes a esse respeito sao escassas, portanto, necessitam de mais estudos de diferentes metodologias estatísticas e com números maiores de indivíduos afetados. As medidas impostas pelas leis trabalhistas sao eficazes, com reduçao da incidência devido aos equipamentos de proteçao individual e medidas de proteçao coletiva, mas precisam se estender aos trabalhadores informais para que também sejam beneficiados.

Palavras-chave: Queimaduras. Traumatismos Ocupacionais. Acidentes de Trabalho.

ABSTRACT

OBJECTIVE: This study intend to evaluate patients who were victims of occupational burns hospitalized in Burn Care Unity of Hospital Padre Albino (HPA) Faculdade de Medicina de Catanduva, SP.
METHOD: Cross-sectional study of the period from March 2012 to February 2013. It was analyzed the data of patients victims of occupational burn collected from the medical records of all the patients hospitalized in this period.
RESULTS: Male was predominating with 83%. The main age was between 21 to 30 years old with 36%. The most common etiology found was electric burn with 21%. Total burned body surface between 10 to 30% was found in 60% of the cases. 21% was submitted to skin grafting, and 10% to flaps. 12% of the patients had infection during the hospitalization.
CONCLUSIONS: There aren't many papers about this issue despite its importance and more researches are needed. The rules of Brazilian occupational law are effectives to decrease the incidences of occupational injuries, but its benefice must reach the informal workers for a better prevention.

Keywords: Burns. Occupational Injuries. Accidents, Occupational.

INTRODUÇAO

No Brasil, a queimadura atinge principalmente crianças e adultos jovens e sua principal causa é o acidente domiciliar, seguido pelo acidente ocupacional. Dentre os adultos jovens, a queimadura em ambiente ocupacional encontra-se como importante circunstância do acidente e, em alguns estudos, aparece como a principal em indivíduos masculinos nessa faixa etária1.

Os acidentes ocupacionais ocasionam danos sociais, econômicos e psicológicos e podem resultar em incapacidades temporárias ou permanentes e até a morte. A queimadura, em especial, pode resultar em alteraçoes psicossociais devido à alteraçao da autoimagem, demora no retorno ao trabalho pelo tempo de tratamento necessário e, na vigência de sequelas e retraçoes, pode inclusive impossibilitar o retorno do trabalhador a sua atividade habitual2.

A ocorrência de queimadura ocupacional tem maior incidência em países em desenvolvimento e vem sendo relacionada a jornadas longas, falta do uso de equipamento de proteçao individual e prevençao coletiva3. Entretanto, a sua ocorrência nao é exclusividade em ambiente de trabalho coletivo como indústrias e encontra-se presente em situaçoes de trabalho informal, em que nao existe o monitoramento para o uso dos equipamentos de proteçao4.

Este estudo tem o intuito de avaliar os pacientes que foram vítimas de queimaduras ocupacionais internados na Unidade de Terapia de Queimaduras (UTQ) do Hospital Padre Albino (HPA) da Faculdade de Medicina de Catanduva, SP, e identificar as características das vítimas e profissoes de maior prevalência de acidentes por queimaduras com necessidade de internaçao nesta regiao do Estado de Sao Paulo.


MÉTODO

Este trabalho foi realizado por meio de um estudo de corte transversal do período de um ano de março de 2012 a fevereiro de 2013 em que foram levantados os dados dos pacientes vítimas de queimaduras ocupacionais pela revisao dos prontuários de todos os pacientes internados na UTQ do HPA nesse período. Foi observada a prevalência dentro de cada variável estudada. Foram utilizadas como variáveis do estudo: sexo, idade, tempo de internaçao, agente etiológico, superfície corporal queimada, infecçoes e uso de enxertos e retalhos.


RESULTADOS

Durante o período de março de 2012 a fevereiro de 2013, houve 42 pacientes vítimas de queimadura ocupacional internados na UTQ do HPA (Tabela 1). O sexo masculino foi o predominante, com 83%. A idade com maior predominância foi entre 21 a 30 anos, com 36%, seguida por 41 a 50 anos, com 24%, e 31 a 40 anos, com 14%. O tempo de internaçao entre 6 a 10 dias foi o mais encontrado, com 36%, seguido por menos do que 5 dias, com 26%. A principal etiologia encontrada foi a elétrica, com 21%, seguida por explosao de gás e combustível, ambos com 14%, e metal aquecido e produtos químicos, ambos com 12%. A superfície corporal queimada entre 10 a 30% foi encontrada em 60% dos casos e menor do que 10%, em 26%. Foram submetidos à enxertia de pele o total de 21% dos pacientes e a retalhos 10% dos casos. 12% dos pacientes desenvolveram infecçao durante a internaçao.




Dentre os indivíduos do sexo masculino, a principal etiologia também foi a elétrica, com 23%, seguida da explosao de gás, com 17%. Superfície corporal queimada entre 10 a 30% foi a mais prevalente, com 60%, seguida por menor do que 10%, com 23%.

Nas vítimas do sexo feminino as etiologias metal aquecido e combustível foram as mais encontradas, com 29%. Todos os casos tiveram superfície corporal queimada menor do que 30%, sendo menor do que 10% em 28% dos casos.


DISCUSSAO

A queimadura é um agravo importante à saúde, com risco de óbito, e mesmo com a sobrevivência apresenta grande impacto ao indivíduo com frequente distorçao na imagem, restriçao de movimentos devido à retraçao cicatricial e impacto socioeconômico, com afastamento do trabalho e possibilidade de nao retornar à funçao exercida anteriormente5-8.

Apesar da importância desta forma de acidentes de trabalho, tanto estatisticamente, devido a sua incidência, quanto terapeuticamente, devido ao seu impacto, sao escassas as publicaçoes a seu respeito sendo difícil realizar uma análise comparativa minuciosa.

Estima-se que, no Brasil, ocorram em torno de 1.000.000 de acidentes com queimaduras por ano. Destes, 100.000 pacientes procurarao atendimento hospitalar e cerca de 2.500 irao falecer direta ou indiretamente de suas lesoes9,10.

Em vários estudos realizados em diferentes regioes no Brasil, a queimadura em ambiente domiciliar foi a principal causa da queimadura, seguida por queimadura em ambiente de trabalho. Numa pesquisa realizada com os dados dos principais prontos-socorros, o acidente de trabalho foi responsável por 38,46% dos atendimentos por queimadura em 74 serviços de urgência e emergência situados no Distrito Federal e em 23 capitais de estados11.

É consenso entre os estudos de que a queimadura em ambiente ocupacional acomete mais adulto jovem do sexo masculino, isto é, em idade economicamente ativa. No nosso estudo, também foi observado maior acometimento no sexo masculino (83%), com predominância entre 21 e 30 anos (36%).

Em um estudo realizado em Ribeirao Preto, SP, observou-se que a queimadura por acidente do trabalho aparece com a segunda causa de acidentes após os acidentes domésticos. Atingiram em 55% dos casos vítimas com idade entre 20 a 39 anos e foram causados principalmente por acidente elétrico (48%), seguido por agentes térmicos (43,5%), sendo a principal a chama direta em situaçao de incêndio. As queimaduras elétricas atingiram unicamente pacientes homens em situaçao de trabalho12.

Em pesquisa realizada em Cingapura, observou-se que admissoes de queimaduras ocupacionais respondem por 33,4% do total de internaçoes, reduçao de 11,6% a partir de um estudo no início dos anos 90. A ocorrência de queimaduras por chama direta ocupacional diminuiu 9,5% devido à melhoria em prevençao de incêndio e gestao dos setores industriais. No entanto, queimaduras por produtos químicos aumentaram 12,6%, reflexo de que o setor químico em Cingapura cresceu a uma taxa de 10% de 1995 a 2000. A principal causa foi escaldadura3.

Na regiao de Catanduva, talvez pela proximidade geográfica, foi observada maior taxa de queimadura elétrica, indo de encontro ao que foi encontrado em Ribeirao Preto. Este resultado acaba sendo alarmante, já que a queimadura elétrica apresenta maior gravidade tanto na fase inicial com risco de óbito e necessidade de procedimentos mais complexos para resoluçao da queimadura aguda quanto na fase mais tardia, devido à possibilidade de sequelas potencialmente mais graves.

A utilizaçao de equipamentos de proteçao individual e proteçao coletiva comprovadamente diminuem a ocorrência de acidentes do trabalho e, consequentemente, a queimadura ocupacional4,13. No mesmo estudo de Cingapura, é observada diminuiçao do agente etiológico, que teve as medidas de proteçao ampliadas principalmente envolvendo as indústrias. Consequentemente, houve mudança na característica epidemiológica das queimaduras ocupacionais3.

Entretanto, em estudos qualitativos realizados no Brasil observou-se que os trabalhadores expostos a riscos constantes no ambiente de trabalho reconhecem que o uso de EPI pode conferir sensaçao de bem-estar, tranquilidade e equilíbrio durante a realizaçao das atividades4. Sabem, porém, que seu uso nao elimina completamente o risco de exposiçao aos agentes térmicos. Além disso, identificam que alguns EPI interferem nas suas habilidades, dificultando a realizaçao de procedimentos, o que contribui para a nao utilizaçao2.

Todas as vítimas de queimaduras ocupacionais por eletricidade encontradas neste estudo foram ou trabalhadores autônomos ou trabalhadores informais, sem haver, portanto, obrigatoriedade pelo empregador do uso dos equipamentos de proteçao individual. Apesar da eficácia comprovadas das medidas de segurança impostas pela lei do trabalho, estas acabam nao atingindo uma grande parcela dos trabalhadores brasileiros, isto é, os que nao possuem vínculo empregatício e, consequentemente, estao sem fiscalizaçao.


CONCLUSAO

A queimadura ocupacional é uma das principais circunstâncias de acidente nos queimados em todo o mundo. Apresenta grande impacto ao atingir a populaçao economicamente ativa com consequência socioeconômica tanto na fase aguda quanto tardia. As medidas impostas pelas leis trabalhistas sao eficazes, com reduçao da incidência devido aos equipamentos de proteçao individual e medidas de proteçao coletiva.

As publicaçoes a esse respeito sao escassas. Portanto, sao necessários mais estudos de diferentes metodologias estatísticas e com números maiores de indivíduos afetados.

Nos pacientes internados na UTQ do HPA, a faixa etária dos acidentados corresponde a adultos jovens, sendo mais frequente a idade entre 21 e 30 anos e o principal agente causador foi a queimadura elétrica.

Todos os queimados elétricos foram trabalhadores informais ou autônomos que nao se beneficiam da imposiçao das medidas de proteçao pelo empregador. Sendo assim, há a necessidade de estabelecer formas de estender o benefício das medidas de proteçao aos trabalhadores nao vinculados às empresas, para possibilitar adequada reduçao da queimadura ocupacional, especialmente para esta regiao estudada.


REFERENCIAS

1. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atençao à Saúde, Departamento de Atençao Especializada. Cartilha para tratamento de emergência das queimaduras. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.

2. Antoniolli L, Martins CL, Echevarría-Guanilo MH, Dal Pai D. Acidentes de Trabalho por queimaduras: uma revisao da literatura. Artigo apresentado no Seminário Internacional sobre o Trabalho na Enfermagem, Bento Gonçalves, agosto 2011 [Acesso 10 Out 2012]. Disponível em: http://www.abeneventos.com.br/3siten/siten-trabalhos/files/0074.pdf

3. Song C, Chua A. Epidemiology of burn injuries in Singapore from 1997 to 2003. Burns. 2005;31 Suppl 1:S18-26.

4. Martins CL, Jacondino MB, Antoniolli L, Braz DL, Bazzan J, Echevarría-Guanilo ME. Equipamentos de proteçao individual: a perspectiva de trabalhadores que sofreram queimaduras no trabalho. Rev Enf UFSM. 2014;3:668-78.

5. Schiavon VC, Martins CL, Antoniolli L, Bartel TE, Saboia-Sturbelle IC, Cardozo-Gonzales RI, et al. Reabilitaçao e retorno ao trabalho após queimaduras ocupacionais. Rev Enf Centro-Oeste Mineiro.2014;4(1):929-39.

6. Carlucci VDS, Rossi LA, Ficher AMFT, Ferreira E, Carvalho EC. A experiência da queimadura na perspectiva do paciente. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):21-8.

7. Duarte PHA, Salles FHVL, Filho EMT. Aplicabilidade do índice ABSI no prognóstico dos pacientes no Centro de Tratamento de Queimados no Hospital Dr. Armando Lages. Rev Cient Hosp Geral Est de Alagoas Prof Osvaldo Brandao Vilela. 2010;1.

8. Costa MCS, Rossi LA, Dantas RAS, Trigueros LF. Imagem corporal e satisfaçao no trabalho entre adultos em reabilitaçao de queimaduras. Cogitare Enferm. 2010;15(2):209-16.

9. Cruz BF, Cordovil PBL, Batista KNM. Perfil epidemiológico de pacientes que sofreram queimaduras no Brasil: revisao de literatura. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(4):246-50.

10. Curado ALCF. Reduçao da dor em pacientes queimados através da acupuntura [Monografia]. Goiânia: Universidade Estadual de Goiás; 2006.

11. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN, Morais Neto OL, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saude Publica. 2012;28(4):629-40.

12. Rossi LA, Barrufini RCP, Garcia TR, Chianca TCM. Queimaduras: características dos casos tratados em um hospital escola em Ribeirao Preto (SP), Brasil. Rev Panam Salud Publica. 1998;4(6):401-4.

13. Organización Mundial de la Salud. Entornos laborales saludables: fundamentos y modelo de la OMS. Contextualización, Prácticas y Literatura de Apoyo. Ginebra: Organización Mundial de la Salud; 2010.










1. Residente do Serviço de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina de Catanduva, Catanduva, SP, Brasil
2. Acadêmicos da Faculdade de Medicina de Catanduva, Catanduva, SP, Brasil
3. Acadêmicas da Faculdade de Medicina de Catanduva, Catanduva, SP, Brasil
4. Regente do Serviço de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina de Catanduva; Professor da disciplina de Cirurgia Plástica da Faculdade de Medicina de Catanduva, Catanduva, SP, Brasil

Correspondência:
Diogo Kokiso
Faculdades Integradas Padre Albino
Rua dos Estudantes, 225
Catanduva, SP, Brasil. CEP: 15.809-144
E-mail: drkoreba@gmail.com

Artigo recebido: 5/1/2015
Artigo aceito: 20/2/2015
Nao existe conflito de interesse

Local de realizaçao do trabalho: Trabalho realizado na Unidade de Terapia de Queimaduras (UTQ) do Hospital Padre Albino (HPA) da Faculdade de Medicina de Catanduva, Catanduva, SP, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados