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Artigo Original

Uso de curativos impregnados com prata no tratamento de crianças queimadas internadas no Hospital Infantil Joana de Gusmão

Use of silver preparations on the treatment of children's burns at Joana de Gusmão Children's Hospital

Heloisa Helena Moser1; Maurício José Lopes Pereima2; Felippe Flausino Soares3; Rodrigo Feijó4

RESUMO

OBJETIVO: Analisar os resultados do uso dos curativos de prata no tratamento de queimaduras em crianças atendidas no Hospital Infantil Joana de Gusmao (HIJG).
MÉTODO: Trata-se de um estudo retrospectivo de delineamento transversal, realizado no HIJG, em Florianópolis-SC, que analisou prontuários de crianças que sofreram queimaduras de espessura parcial e foram submetidas ao tratamento com curativo de prata, no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013, totalizando 132 pacientes.
RESULTADOS: A maioria dos pacientes é lactente (40,15%) do sexo masculino (62,88%). Os acidentes foram predominantemente causados por líquidos aquecidos (71,96%), levando a queimaduras principalmente de espessura parcial profunda (93,93%) e atingindo, na maioria das vezes, até 20% da superfície corporal queimada (74,25%). A sulfadiazina de prata foi o tipo de curativo mais utilizado (44,7%), seguido pela prata nanocristalina (25%). O tempo decorrido até a reepitelizaçao completa da queimadura foi menor que 21 dias para a maioria da populaçao estudada (98,5%). O número de trocas foi maior nos pacientes que utilizaram sulfadiazina de prata quando comparado aos outros tipos de curativos.
CONCLUSOES: Todos os curativos utilizados reepitelizaram a queimadura em curto espaço de tempo. O número de trocas se apresenta menor naqueles pacientes que utilizaram curativos de prata nanocristalina, os associados à interface nao traumática da ferida e os de espuma absorvente do que naqueles que utilizaram o tratamento padrao.

Palavras-chave: Queimaduras. Crianças. Curativos.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze the results of the use of silver preparations on the burn treatments of children hospitalized at Joana de Gusmao Children's Hospital (JGCH).
METHOD: This was a retrospective cross-sectional study, carried out at the JGCH, in Florianópolis-SC, that evaluated the medical records of children undergoing treatment with silver based dressings, between January 2011 and December 2013, totaling 132 patient
RESULTS: Most patients were boys (62.88%) and infants (40.15%). The acidentes were predominantly caused by scalding (71.96%) leading in most cases to deep partial thickness burns (93.93%) and achieving less than 20% body surface área (74.25%). Silver sulfadiazine was the standard of wound care treatment (44.7%), followed by nanocrystalline silver dressing (25%). The time elapsed until the complete burn epithelialization was lower than 21 days for the majority of the study population (98.5%). The number of dressing exchanges was lower in the patients who used sulfadiazine compared with other dressings.
CONCLUSION: All dressings used presents a short time to complete epithelialization of the burn. The number of dressing changes is lower on those patients who used nanocrystalline silver, dressings associated with non traumatic interface of the wound and absorbing foam dressing than in patients who used the standard treatment.

Keywords: Burns. Children. Dressings.

INTRODUÇAO

Causadas por trauma, as queimaduras sao definidas como uma injúria comum e grave na pele ou em outro tecido orgânico, caracterizadas por uma condiçao aguda e crônica debilitante. Sao acompanhadas de dor intensa e frequentemente prolongada, que cria sofrimento nao só para o paciente, como para toda sua família e comunidade em que vive1,2. Os fatores que levam à ocorrência de queimaduras sao variados - algumas ou todas as células da pele ou de outros tecidos sao destruídas por substâncias quentes (líquidos ou sólidos), radiaçao, radioatividade, eletricidade, fricçao ou contato com produtos químicos2.

Os acidentes por queimaduras sao frequentes e sao causas de importante morbidade e mortalidade3. Estudo mostra que, em 2004, a incidência de queimaduras graves no mundo chegava a 11 milhoes, e apesar da estimativa de óbitos por queimaduras por ano, no mundo, ser maior que 300.000, felizmente a maioria destes traumas nao sao fatais. Todavia, quando relacionadas ao fogo, estao entre as principais causas de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY - Disability Adjusted Life Years) em países de baixa e média renda, que sao responsáveis por cerca de 90% dos óbitos por queimaduras4,5.

Nos países desenvolvidos, por outro lado, a incidência de queimaduras está em declínio, graças às medidas de prevençao e rigorosas normas de construçao civil. Um exemplo sao os Estados Unidos, em que a taxa de mortalidade por queimaduras diminuiu 33% entre os anos de 1985 e 20075.

Para que se possa fazer o diagnóstico das queimaduras, estas sao classificadas quanto ao seu mecanismo de lesao, grau, profundidade, área corporal acometida, regiao ou parte do corpo afetada e sua extensao. Queimaduras de espessura total podem ser uma das complicaçoes do trauma em crianças. Pelo menor grau de queratinizaçao da epiderme (quanto menor a idade da criança), a queimadura tende a atingir uma grande área, adicionando ainda o risco de choque e outras complicaçoes2,6-10.

Diante deste contexto, o tratamento das queimaduras vem melhorando ao longo dos anos e tem se desenvolvido muito nas últimas décadas2,10. Em 1940, nos Estados Unidos, 50% das crianças com queimaduras envolvendo mais de 30% da superfície corporal queimada (SCQ) iam a óbito. Em 2000, um estudo realizado no mesmo país, identificou a reduçao de óbitos em crianças com queimaduras envolvendo até 59% da superfície corporal total2.

Nas queimaduras de espessura parcial, o tratamento consiste na reepitelizaçao a partir dos anexos dérmicos, e o principio básico é nao agredir mais a pele, ou seja, propiciar um ambiente adequado para a reepitelizaçao, preferencialmente estéril, úmido e protegido do contato com o meio externo10,11. Deve-se garantir potente analgesia, comprovar a imunizaçao antitetânica, realizar a limpeza da SCQ e aplicar curativos, que devem ser inspecionados a cada 48 horas para avaliar a cicatrizaçao e o aparecimento de infecçoes10. Atualmente, a escolha dos curativos e a aplicaçao de antimicrobiano tópico variam entre os centros de queimados em todo mundo, dependendo da disponibilidade tecnológica e econômica de cada país12.

Ao longo do tempo, as queimaduras vêm sendo tratadas com diferentes produtos a base de prata: inicialmente, a soluçao de nitrato de prata 0,5%, que foi introduzida no manejo das queimaduras em 1960, seguindo os cremes com sulfadiazina de prata em 1968, e, atualmente, os curativos com gaze, rayon ou membranas de celulose, entre outros, impregnados com prata nas suas mais diferentes formas, como ionizada, micronizada ou nanocristalina, que representam a evoluçao desta modalidade terapêutica13.

A sulfadiazina de prata é a combinaçao do nitrato de prata com sulfadiazina, um agente antibiótico que age na parede bacteriana, e é utilizada para o tratamento tópico de queimaduras, possuindo uma atividade antimicrobiana bastante ampla. É bactericida para uma grande variedade de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, bem como para algumas espécies de fungos. Sua atividade antimicrobiana é mediada pela reaçao do íon prata com o DNA microbiano, o que impede a replicaçao bacteriana. Além disso, age sobre a membrana e parede celulares, promovendo o enfraquecimento destas, com consequente rompimento da célula por efeito da pressao osmótica13-17.

Atualmente, este tipo de curativo é comercializado na forma de 1% de creme ou suspensao aquosa, sendo um dos primeiros tratamentos mais utilizados nos centros de queimados em todo o mundo. Porém, apresenta desvantagens, como a de possuir uma curta açao e, assim, requer reaplicaçao pelo menos diariamente13,17,18.

Fatores como a resistência aumentada de bactérias por antibióticos e desenvolvimento de tecnologia polimérica resultaram no desenvolvimento de curativos mais modernos, visando principalmente uma atividade bactericida mais duradoura no leito da ferida e menor toxicidade para as células lesadas na queimadura13,17.

Assim, com o intuito de superar as deficiências dos curativos de prata tradicionais, foi desenvolvido o curativo de prata nanocristalina no final da década de 1990. Seu objetivo é ser um curativo com barreira antimicrobiana, utilizado principalmente para o manejo de feridas causadas por queimaduras, úlceras e enxertos de doadores e receptores. Esta preparaçao de prata consiste de duas camadas de rede de polietileno de alta densidade e uma camada de gaze de poliéster entre elas. O topo do curativo é de coloraçao azulada e sua base é de cor prata metálica. A camada externa de prata oferece proteçao antimicrobiana, enquanto a parte interna ajuda a manter um ambiente úmido. A forma nao carregada da prata nanocristalina reage muito mais lentamente com o cloreto e, portanto, persiste por mais tempo nas lesoes. Estudos in vitro confirmam a liberaçao sustentada da prata, fazendo com que esta dure por alguns dias13.

Outro curativo, atualmente utilizado para o tratamento de queimaduras de espessura parcial, é aquele associado à interface nao traumática da ferida. Além do íon de prata, este curativo apresenta uma nova tecnologia, que confere ao curativo uma fina camada de silicone adesiva, nao aderente, que tende a manter o ferimento hidratado, sem lesar os tecidos em regeneraçao. A hidrataçao do ferimento facilita o manuseio do paciente, principalmente nas trocas, além de manter um ambiente úmido, que sabidamente é ideal para o processo de cicatrizaçao19,20. A combinaçao destas características, em conjunto com a açao antimicrobiana rápida e duradoura de íons de prata, permite o controle da dor e da infecçao simultaneamente20.

Além deste, os curativos de espuma absorvente incorporam a prata com analgésicos e anti-inflamatórios, que sao liberados de forma contínua, na medida em que o exsudato é absorvido. As espumas ou almofadas sao compostas por três camadas sobrepostas. A camada central é composta de hidropolímero e se expande delicadamente à medida que absorve o exsudato; as duas outras sao formadas por tecido nao aderente, o que evita a agressao aos tecidos na remoçao. Sua principal indicaçao se dá em feridas muito exsudativas, pois, além da capacidade absortiva, mantém um ambiente úmido, que favorece o processo de cicatrizaçao e nao requer cobertura secundária21,22.

Vários fatores, associados ao uso de curativos de prata eficazes, fizeram com que o tratamento das queimaduras evoluísse nos últimos anos. Entre eles, estao o aprimoramento de pesquisas na área, o desenvolvimento de técnicas, o melhor conhecimento da fisiopatologia deste trauma e o uso de matrizes de regeneraçao dérmica, que mudaram positivamente o prognóstico dos pacientes10,23,24. Porém, apesar destes avanços, ainda há muito a se fazer2,10.

A alta morbidade e mortalidade dos acidentes por queimaduras, principalmente em crianças, fazem com que estas sejam motivos de grande preocupaçao1-3. O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, ainda carece de serviços de saúde de qualidade e de programas eficazes de prevençao4,5, e, por isso, a realizaçao de estudos e pesquisas na área é de fundamental importância para a melhoria do tratamento e consequentemente da qualidade de vida em crianças vítimas de queimaduras.

Objetivos

Objetivo geral


Analisar os resultados do uso dos curativos de prata no tratamento de queimaduras.

Objetivos específicos

Descrever características demográficas da populaçao em estudo.

Descrever características clínicas da populaçao em estudo: etiologia da lesao, SCQ e profundidade da queimadura.

Correlacionar o tipo de curativo utilizado com o tempo decorrido até a reepitelizaçao completa da queimadura.

Correlacionar o tipo de curativo utilizado com o número de trocas realizadas.


MÉTODOS

Desenho do estudo


Trata-se de um estudo epidemiológico de delineamento transversal.

Local do estudo

O estudo foi realizado na Unidade de Terapia de Queimados (UTQ) do HIJG. Trata-se de um serviço referência que tem o intuito de prestar assistência ao paciente queimado nas diversas fases de evoluçao e recuperaçao do trauma, na faixa etária de 0 a 14 anos e 11 meses. Além disso, o serviço serve de campo para ensino e pesquisa.

Participantes

Populaçao em estudo


Prontuários de pacientes portadores de queimaduras no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2013. Foi realizado um censo com número total de 132 pacientes.

Critérios de inclusao e exclusao

Foram incluídos os pacientes na faixa etária de 0 a 14 anos, portadores de queimaduras de espessura parcial, submetidos ao tratamento com curativo de prata.

Foram excluídos os pacientes portadores de queimaduras de espessura total e que necessitaram de tratamento cirúrgico.

Coleta de dados

Procedimentos


Após a autorizaçao para o uso dos prontuários, foi realizada a seleçao, segundo critérios de inclusao e exclusao.

A coleta de dados ocorreu no Centro Cirúrgico do HIJG e o acesso aos prontuários foi feito por meio do Serviço de Arquivo Médico e Estatístico (SAME) deste mesmo hospital. A coleta de dados foi realizada mediante aprovaçao prévia do Comitê de Ética do HIJG.

Análise estatística

Após a coleta de dados no protocolo pré-estabelecido, estes foram processados utilizando-se o programa Microsoft Office Excell®. Após esta etapa foram exportados para o programa SPSS 16.0 (Statistical Package for the Social Sciences Version 16.0. [Computer Program]. Chicago: SPSS Inc.; 2008), e foram analisados.

As variáveis qualitativas foram descritas com o uso de frequências absolutas e relativas, enquanto que as variáveis quantitativas foram descritas sob a forma de médias e desvios-padrao para a posterior realizaçao da análise bivariada.

O teste do qui-quadrado (χ2) ou prova exata de Fisher foi utilizado para testar a homogeneidade de proporçoes. O nível de significância estabelecido foi de p<0,05, com intervalo de confiança de 95%.

Aspectos éticos

O presente estudo foi fundamentado na Resoluçao 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) seguindo os preceitos sob os aspectos éticos e científicos das pesquisas envolvendo seres humanos.

Por tratar-se de estudo em prontuários, foi utilizada a justificativa para nao uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foi solicitada a Autorizaçao para Coleta de Dados em Prontuários, e a coleta foi realizada somente após submissao e a aprovaçao do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos, com Parecer Consubstanciado de número 476.823.

Foram respeitados os princípios éticos da privacidade, confidencialidade, beneficência, nao maleficência, justiça e autonomia dos dados coletados. Estes serao armazenados por um período de cinco anos pelos autores do estudo e posteriormente descartados.

Nao há conflito de interesses entre os pesquisadores e os sujeitos da pesquisa.


RESULTADOS

No período pré-estabelecido, foram analisados 132 prontuários de pacientes que foram submetidos ao tratamento com curativos de prata na UTQ do HIJG. Das 132 crianças incluídas no estudo, 83 (62,88%) eram do sexo masculino. A idade dos pacientes variou de 0 a 14 anos, sendo a média de 4,4±4,2 anos. 62,88% dos pacientes apresentaram idade inferior a 6 anos, e apenas 17,42% se classificavam em pré-púberes e púberes. A faixa etária mais prevalente foi de recém-nascidos (RN) e lactentes, correspondendo a 40,15%. A distribuiçao da populaçao, de acordo com a faixa etária e o sexo, encontra-se na Tabela 1.




O tempo médio para a reepitelizaçao completa da queimadura na populaçao estudada foi de 9,15 dias, com desvio padrao 4,96 e mediana de 9. Segundo o tipo de curativo utilizado, aquele que apresentou maior média de tempo de reepitelizaçao foi a associaçao de sulfadiazina de prata com prata nanocristalina (11,6 dias), e aqueles que apresentaram a menor média de tempo foram os associados à interface nao traumática da ferida e curativos de espuma absorvente. As crianças submetidas ao tratamento com prata nanocristalina obtiveram tempo de reepitelizaçao menor do que as que utilizaram sulfadiazina de prata. O valor de p para a associaçao foi menor que 0,001. A distribuiçao dos pacientes segundo o tipo de curativo utilizado e o tempo até a reepitelizaçao completa da queimadura, em média e mediana, pode ser observado na Tabela 2.




Dos pacientes analisados, 98,5% apresentaram tempo de reepitelizaçao completa da queimadura menor que 21 dias. Apenas 2 pacientes (1,5%) obtiveram tempo de reepitelizaçao completa da queimadura igual a 21 dias, e estes fizeram uso de sulfadiazina de prata e prata nanocristalina. O valor de Fisher para a associaçao foi de 0,379. A distribuiçao dos pacientes segundo o tipo de curativo utilizado e o tempo de corte até a reepitelizaçao completa da queimadura, em número (n) e percentual (%) estao descritos na Tabela 3.




A média do número de trocas de curativo realizadas nas 132 crianças analisadas foi de 8,69 com desvio padrao 5,1, e mediana de 8. Segundo o tipo de curativo utilizado, aqueles pacientes que utilizaram curativos contendo sulfadiazina de prata apresentaram média de número de trocas maior do que aqueles que utilizaram prata nanocristalina ou curativos associados à interface nao traumática da ferida e curativos de espuma absorvente (10,37 vs. 5,34). O valor de p para a associaçao foi menor que 0,001. A distribuiçao dos pacientes segundo o tipo de curativo utilizado e o número de trocas realizadas, em média e mediana, estao apresentados na Tabela 4.




DISCUSSAO

A análise das queimaduras em crianças permite evidenciar as múltiplas consequências que um trauma dessa natureza provoca e a importância do tratamento precoce e efetivo. Diante deste fato, este é um estudo que buscou avaliar os resultados do uso dos curativos de prata no tratamento de queimaduras em crianças internadas no HIJG, empreendendo esforços metodológicos que validam os resultados obtidos.

Além disso, o local da realizaçao do estudo, a UTQ do HIJG, pode ser considerado um ponto forte desta investigaçao, pois é um serviço referência no atendimento de pacientes vítimas de queimaduras. A qualidade da obtençao dos dados foi de responsabilidade do SAME, que permitiu encontrar prontuários preenchidos de forma adequada e facilitou consideravelmente esta etapa importante da pesquisa. Finalmente, o instrumento de coleta de dados empregado, com questoes claras e objetivas, distancia-se de vulnerabilidades e evita vieses, como o de interpretaçao. Por outro lado, a seleçao e viés de informaçao sao limitaçoes inerentes a qualquer estudo retrospectivo nao controlado e os dados devem ser interpretados em conformidade.

Ao avaliar as características demográficas e os indicadores prognósticos em crianças vítimas de queimaduras, Olawoye et al.25, em estudo retrospectivo realizado em um país em desenvolvimento, observaram uma proporçao do sexo masculino de 1,1:1 em relaçao ao feminino. Seguindo esta mesma tendência, Xu et al.26, em estudo recentemente publicado na China, concluiu que a incidência de meninos que sofriam queimaduras era 1,77 vezes maior do que meninas. Outros estudos realizados em esfera mundial27,28 e no Brasil29-32 corroboram com esta afirmaçao, apontando também o predomínio do sexo masculino nos acidentes por queimaduras. Entretanto, Sobouti et al.6, em pesquisa realizada no Ira, chegaram a uma discrepância da literatura e concluíram que meninas sofriam mais acidentes por queimaduras em uma razao de 1,38:1 em relaçao ao sexo masculino. Nesta mesma linha, estudos em países como Egito e India2,33,34 identificam predomínio do sexo feminino nos acidentes de queimadura, principalmente entre as adolescentes.

No presente estudo, ao analisar a variável sexo, observou-se que a maioria das crianças vítimas de queimaduras era do sexo masculino (62,88%), indo de acordo com estudo anterior realizado neste mesmo serviço35. Exceto pela categoria dos lactentes, em que nao houve diferença estatística entre meninos e meninas, nas demais faixas etárias houve o nítido predomínio do sexo masculino nos acidentes por queimaduras.

De fato, o predomínio do sexo masculino pode estar relacionado, provavelmente, às diferenças de comportamento de cada sexo e, ainda, aos fatores culturais. Estes determinam maior permissividade dos pais aos filhos do sexo masculino, sendo estes expostos a mais situaçoes de risco quando comparados às meninas.

Em relaçao à faixa etária, estudos2,25-30,35,36 apontam que os acidentes por queimaduras se dao predominantemente em crianças menores que 5 anos, correspondendo a faixa etária de lactentes e pré-escolares. Machado et al.37, em estudo realizado no Rio de Janeiro, confirmam esta afirmaçao e ainda consideram a idade de 1 ano como a mais prevalente no grupo de 0 a 4 anos, correspondendo a 46,32% dos casos de queimaduras. A frequência dos acidentes diminui com o crescimento das crianças e Olawoye et al.25 concluem que os adolescentes sao o grupo etário que menos sofre com este tipo de trauma.

Ao avaliar a média de idade da ocorrência de acidentes por queimaduras, diferentes estudos6,25-28 indicam que as crianças entre 3 e 4 anos sao as maiores vítimas deste trauma. Esta informaçao corrobora com a atual pesquisa, que mostra uma média de idade de 4,4 anos. Na análise das características sociodemográficas dos participantes do estudo observou-se que a faixa etária variou de 0 a 14 anos, e os lactentes fizeram parte do grupo etário que apresentou a maior incidência. Seguindo a tendência mundial, a maioria das crianças apresentou idade inferior a 6 anos (62,88%) e os pré-púberes e púberes foram a populaçao menos atingida pelo trauma.

A maior frequência de acidentes por queimaduras em crianças com idade menor que 6 anos deve-se, possivelmente, ao desenvolvimento neuropsicomotor normal da criança. Nesta faixa etária, crianças tendem a ser curiosas, inquietas e explorar os ambientes em excesso. Entretanto, elas nao possuem maturidade motora e intelectual para evitar situaçoes de perigo, caracterizando-as como grupo vulnerável aos traumas em geral. Ainda, existe o fator relacionado à negligência dos adultos, que banalizam os acidentes por queimaduras. O fácil acesso à cozinha e a supervisao inadequada da criança podem contribuir muito para a ocorrência desses eventos.

Quanto ao tratamento das queimaduras de espessura parcial, a escolha dos curativos e a aplicaçao de antimicrobiano tópico variam entre os centros de queimados em todo o mundo12,38, e, segundo Atiyeh et al.14, ao escolher um curativo contendo prata, deve-se levar em consideraçao as características do curativo e a liberaçao de prata. Estudos importantes alertam que o curativo antimicrobiano ideal deve possuir diversos atributos, incluindo prover um ambiente úmido para aumentar a cicatrizaçao e um amplo espectro antimicrobiano, com baixo potencial de resistência. Ainda, o curativo deve ter baixa toxicidade, açao rápida, nao provocar irritaçao ou sensibilizaçao, nao promover aderências e ser efetivo mesmo na presença de importante exsudato39-41.

Na presente pesquisa, os pacientes foram submetidos ao tratamento com diferentes tipos de curativos de prata. A maioria (44,7%) utilizou a sulfadiazina de prata isolada, seguido de uma menor porcentagem de crianças que utilizaram o curativo de prata nanocristalina (25%). A escolha pela utilizaçao da combinaçao de ambos os curativos (sulfadiazina de prata e prata nanocristalina) foi feita para 21,97% dos pacientes vítimas de queimaduras, e apenas 8,33% realizaram seu tratamento com outros tipos de curativo, como aqueles associados à interface nao traumática da ferida e os curativos de espuma absorvente.

Ao avaliar o tratamento de queimaduras ao longo do tempo, estudos apontam que a sulfadiazina de prata, um dos primeiros tratamentos utilizados nos centros de queimados em todo o mundo13,15,16, ainda é considerada o tratamento padrao ouro em muitos serviços42. Porém, muitos estudos corroboram com o fato de que a prata nanocristalina apresenta diversas vantagens em relaçao ao tipo de curativo mais utilizado neste estudo. Entre elas, estao o maior clearance de bactérias, facilidade em sua utilizaçao, melhor cicatrizaçao e liberaçao prolongada da prata, permitindo trocas de curativos menos frequentes, menos dor para o paciente e efeito antimicrobiano mais potente e duradouro12,13,15,23,43-45.

Seguindo os avanços no tratamento das queimaduras, estudo de revisao realizado com curativos associados à interface nao traumática da ferida e com curativos de espuma absorvente afirma que os componentes assessórios desses curativos, como interfaces delicadas e esponjas absorventes de exsudato, dispensam o uso de curativos secundários e também incorporam novas tecnologias que tendem a se tornar o padrao para o tratamento dessas feridas, como a sulfadiazina de prata foi durante décadas. Além disso, a popularizaçao do seu uso associado a poucas trocas de curativos durante o processo de cicatrizaçao que se estende por 21 a 28 dias tornam economicamente viáveis estas novas modalidades terapêuticas17.

A presente pesquisa mostrou que o tempo médio para a reepitelizaçao completa da queimadura na populaçao estudada foi de 9,15 dias. Segundo o tipo de curativo utilizado, aquele que apresentou maior média de tempo de reepitelizaçao foi a associaçao de sulfadiazina de prata com prata nanocristalina (11,6 dias), e aqueles que apresentaram a menor média de tempo foram os associados à interface nao traumática da ferida e os curativos de espuma absorvente (4,27 dias). O tempo de reepitelizaçao nos pacientes que utilizaram sulfadiazina de prata e prata nanocristalina de forma isolada foi parecido, sendo respectivamente de 9,76 e 7,54 dias (p<0,001). Cuttle et al.46, em estudo que comparou o uso de sulfadiazina de prata e prata nanocristalina, encontraram resultado semelhante ao presente estudo, com tempo de reepitelizaçao pouco maior para a sulfadiazina de prata. Outros estudos associam o uso de curativos de prata com tempo de reepitelizaçao médio de 18 a 22 dias12,47.

Dos pacientes analisados no presente estudo, a maioria (98,5%) apresentou tempo para a reepitelizaçao completa da queimadura menor que 21 dias. Apenas 2 pacientes obtiveram tempo de reepitelizaçao igual a 21 dias, e estes fizeram uso da combinaçao sulfadiazina de prata e prata nanocristalina. Provavelmente, estas crianças evoluíram para queimaduras de espessura total, e por este motivo obtiveram tempo para a cicatrizaçao da ferida diferente da maioria dos indivíduos analisados.

Segundo Kishikova et al.47, o tempo de reepitelizaçao da lesao menor que 21 dias está associado a uma melhor resoluçao da cicatriz. De fato, as queimaduras de espessura parcial superficial ou profunda que demoram mais que 21 dias para reepitelizar necessitam geralmente de tratamento cirúrgico. Por outro lado, queimaduras que cicatrizam em menos que 18 a 21 dias normalmente seguem o tratamento conservador. A diferença no tempo de reepitelizaçao, neste estudo, dos pacientes que utilizaram sulfadiazina de prata e dos que nao utilizaram nao foi importante, pois todos tiveram um resultado final positivo e todos os tipos de curativo analisados mostraramse eficazes no tratamento das queimaduras de espessura parcial no que diz respeito à cicatrizaçao. Sabe-se que um tempo de reepitelizaçao da queimadura que ultrapassa 3 semanas aumenta consideravelmente o risco de cicatrizes hipertróficas e contraturas da pele.

Ao analisar o número de trocas realizadas, Genuino et al.41 observaram que a sulfadiazina de prata necessita de trocas regulares, gerando frequentemente dor ao paciente pela tendência de aderência do curativo à lesao, podendo resultar em trauma nas áreas recentemente epitelizadas e, assim, atraso na cicatrizaçao. Vários estudos corroboram com esta afirmaçao17,18,42, e, quando analisam o uso de prata nanocristalina, concluem que esta permite trocas de curativos menos frequentes e consequentemente menos dor para o paciente12,13,15,23,43-45.

Os resultados da presente pesquisa vao de acordo com a literatura. Os pacientes que utilizaram sulfadiazina de prata obtiveram uma média de número de trocas realizadas 2 vezes maior do que aqueles que utilizaram prata nanocristalina ou curativos associados à interface nao traumática da ferida e de espuma absorvente (p<0,001).

A importância de uma cicatrizaçao de qualidade e de poucas trocas vem sendo cada vez mais levada em consideraçao. Além dos curativos citados nesse trabalho, novas marcas e produtos têm chegado ao mercado brasileiro, com incorporaçoes tecnológicas e soluçoes criativas para o tratamento do paciente queimado. Esses curativos, ao manter um efeito bactericida prolongado, permitem que as feridas se mantenham estéreis, úmidas e, principalmente, sem necessidade de trocas frequentes, que, sabidamente, retardam o processo de cicatrizaçao.


CONCLUSAO

Em relaçao às características sociodemográficas e clínicas, observou-se que a maioria das crianças vitimas de queimaduras sao meninos até 2 anos de idade.

Os pacientes que utilizaram como tratamento o curativo de prata nanocristalina e os curativos associados à interface nao traumática da ferida e de espuma absorvente apresentam tempo de reepitelizaçao menor do que os que utilizaram o curativo de sulfadiazina de prata. A maioria das crianças (98,5%) reepitelizou completamente a queimadura em menos que 21 dias.

As crianças que se submeteram ao tratamento com sulfadiazina de prata apresentam média de número de trocas maior do que aqueles que utilizaram prata nanocristalina, curativos associados à interface nao traumática da ferida e curativos de espuma absorvente.


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1. Acadêmica do Curso de Graduaçao em Medicina da Universidade do Sul Catarinense, Palhoça, SC, Brasil
2. Cirurgiao Pediatra e Chefe da Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC. Professor Associado III do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, SC, Brasil
3. Médico Residente do programa de Residência Médica em Cirurgia Pediátrica do Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC, Brasil
4. Cirurgiao Pediatra do Serviço de Cirurgia Pediátrica e da Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC, Brasil

Correspondência:
Maurício José Lopes Pereima
Rua Rui Barbosa, 152 - Agronômica
Florianópolis - SC - Brasil - CEP: 88025-301
E-mail: mauriciopereima@hotmail.com

Artigo recebido: 20/10/2014
Artigo aceito: 10/12/2014

Trabalho de realizado na Universidade do Sul de Santa Catarina e na Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmao, Florianópolis, SC, Brasil.

Trabalho apresentado, na categoria oral comentado, no VI Congresso Iberoamericano e V Jornada Luso-brasileira de Cirurgia Pediátrica, em Sao Paulo-SP, no dia 29 de Outubro de 2014.

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