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Artigo de Revisao

Resistência à insulina em crianças queimadas: revisão sistemática

Insulin resistance in burned children: a systematic review

Luciana de Oliveira Marques1; Michelle Cristina Santos1; Gizelda Monteiro da Silva2

RESUMO

INTRODUÇAO: Queimaduras em crianças sao uma das causas mais frequentes de internaçao e de mortalidade por fatores externos no Brasil. Crianças com mais de 30% de Superfície Corporal Queimada (SCQ) evoluem com hiperglicemia pós-traumática e resistência aos efeitos da insulina, situaçao que prejudica a funçao imune, aumenta o risco de infecçao, compromete a cicatrizaçao e aumenta a mortalidade. O controle da hiperglicemia, com o uso da insulinoterapia, já na assistência intensiva, diminui a morbidade e mortalidade e aumenta a sensibilidade à insulina.
OBJETIVO: Identificar a alteraçao da sensibilidade à insulina em crianças queimadas.
MÉTODO: Revisao Sistemática, realizada busca na base de dados Pubmed referente aos anos de 2009 a 2013.
RESULTADOS: Os estudos mostraram que a queimadura, nas crianças com mais de 30% de SCQ, está relacionada à hiperglicemia, aumento de catecolaminas plasmáticas, fatores inflamatórios, aumento da incidência de sepse e mortalidade. A resistência à insulina está relacionada à hiperglicemia, à via inflamatória, aos ácidos graxos livres, ao stress do retículo endoplasmático e à diminuiçao da oxidaçao mitocondrial. A insulinoterapia intensiva diminuiu a morbidade e a mortalidade dos pacientes. Crianças permaneceram com resistência à insulina por até três anos pós-injúria.
CONCLUSAO: A persistência da hiperglicemia pós-traumática e dos fatores inflamatórios, bem como o estresse do retículo endoplasmático e a diminuiçao da oxidaçao mitocondrial na criança queimada, contribuem para a resistência à insulina em até três anos após a injúria. O manejo da hiperglicemia no paciente crítico com o uso da insulinoterapia intensiva diminuiu a morbidade e a mortalidade nos estudos analisados, inclusive contribuindo para o aumento da sensibilidade à insulina e consequente diminuiçao de sua resistência. Observou-se que a meta de 130 mg/dl na criança grave é recomendável, com indicaçoes de controle rigoroso da glicemia para evitar-se episódios hipoglicêmicos. A necessidade aumentada de vitamina A nessas crianças, bem como o maior risco de desenvolverem diabetes mellitus 2, sao temas que necessitam de novos estudos para maiores esclarecimentos.

Palavras-chave: Queimaduras. Insulina. Criança.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Burns in children are one of the most frequent causes of hospitalization and mortality by external causes in Brazil. Children over 30% TBSA (Total body surface area) evolve with posttraumatic hyperglycemia and resistance to insulin's effects, a situation that impairs immune function, increases the risk of infection, impairs wound healing and increases mortality. The control of hyperglycemia by insulin, as in intensive care reduce morbidity and mortality and improves insulin sensitivity.
OBJECTIVE: To identify the change in insulin sensitivity in burned children.
METHODS: Systematic Review, carried out search in the Pubmed database for the years 2009 to 2013.
RESULTS: Studies have shown that burns in children over 30% TBSA, is related to hyperglycemia, increased plasma catecholamines, inflammatory factors, increased incidence of sepsis and mortality. Insulin resistance is related to hyperglycemia, the inflammatory pathway, the free fatty acids, endoplasmic reticulum stress and decreased mitochondrial oxidation. Intensive insulin therapy decreased the morbidity and mortality of patients. Children remained insulin resistance post-injury up to three years.
CONCLUSIONS: The persistence of posttraumatic hyperglycemia and inflammatory factors as well as the endoplasmic reticulum stress and decreased mitochondrial oxidation in burned children contribute to insulin resistance by up to three years after the injury. Management of hyperglycemia in critically ill patients through intensive insulin therapy decreased morbidity and mortality in the assessed studies, including contributing to increased insulin sensitivity and consequent reduction of its resistance. It was observed that the target of 130 mg/dl in severely child is recommended, with indications of strict glycemic control to avoid hypoglycemic episodes. Increased vitamin A in these children, as well as increased risk of developing diabetes mellitus 2 are issues that need further studies for clarification.

Keywords: Burns. Insulin. Child.

INTRODUÇAO

A queimadura é caracterizada pelo processo sistêmico desencadeado pelo trauma, em que há alteraçoes metabólicas e imunológicas, ocorre liberaçao de mediadores inflamatórios que alteram a permeabilidade capilar, levando ao edema tecidual, distúrbios hidroeletrolíticos, desnutriçao e infecçoes frequentes1.

No Brasil, queimaduras em crianças sao uma das causas mais frequentes de internaçao e de mortalidade por fatores externos, representando 14% e 10%, respectivamente. Também é a terceira causa de morte resultante de trauma na infância2.

Em um estudo de coorte transversal realizado em Sergipe3, observou-se que 48% das vítimas por queimaduras eram crianças entre 0 a 15 anos; em outro estudo de coorte transversal, a maior prevalência de queimaduras foi em crianças de 1 ano2.

A gravidade da criança queimada está relacionada à superfície corpórea queimada, ao escasso tecido subcutâneo, à deficiência de mecanismos produtores de calor, ao menor grau de queratinizaçao da pele, ao volume intravascular proporcionalmente menor que o do adulto, à imaturidade miocárdica para compensar a resposta imediata ao choque, entre outros fatores fisiológicos4.

Com relaçao à alteraçao do metabolismo corpóreo no paciente queimado, a literatura define que ocorre em duas fases: a ebb fase, presente nos primeiros cinco dias de queimadura, e a subsequente flow fase, também chamada de fase hipermetabólica. Durante a fase ebb, há ativaçao do eixo hipotalâmico hipofisário adrenal, aumentando os níveis plasmáticos de catecolaminas, glicocorticoides e citocinas inflamatórias, que elevam consideravelmente a glicose sanguínea. Entretanto, o fluxo de glicose em tecidos periféricos é apenas ligeiramente alterado, devido à estimulaçao simpática. Há também estímulo da gliconeogênese hepática e quebra do glicogênio muscular. O pico da glicose no paciente acontece do segundo ao quarto dia da queimadura5.

A liberaçao excessiva de hormônios contrarreguladores é um dos fatores que geram no paciente a hiperglicemia, juntamente com o aumento da gliconeogênese, glicogenólise e resistência à insulina, fatores que levam à diminuiçao da captaçao celular de glicose. Os hormônios contrarreguladores liberados em resposta ao estresse orgânico sao: epinefrina, norepinefrina, glucagon, cortisol e citocinas proinflamatórias. Todos contribuem com a hiperglicemia no paciente queimado6.

Esse intenso catabolismo pós-injúria manifesta-se também pelo aumento da temperatura corpórea, elevado consumo de oxigênio, produçao de CO2 e aumento significativo do metabolismo basal6.

Além disso, há que se notar que o catabolismo induzido pela queimadura aumenta drasticamente níveis plasmáticos de ácidos graxos livres, triglicerídeos, apolipoproteínas A1 e B, bem como enzimas hepáticas, tais como alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina, bilirrubinas totais, ureia e creatinina7.

As consequências da hiperglicemia pós-traumática incluem funçao imune prejudicada pela diminuiçao da resposta fagocitária, aumento do risco de infecçao, comprometimento da cicatrizaçao, polineuropatias, aumento do tempo de internaçao em UTI e aumento da mortalidade8,9.

Hiperglicemia induzida por stress tem sido definida por níveis de glicose acima de 200 mg/dl em nao diabético ocorridos durante alguma injúria, como queimaduras, traumas e infeçoes6,10.

A hiperglicemia sempre foi vista como resposta normal ao estresse metabólico, entretanto, estudos têm demonstrado que o controle da hiperglicemia com o uso da insulinoterapia, já na assistência intensiva, diminui a morbidade e mortalidade em pacientes com glicose em valores de 110 mg/dl ou menos11,12.

A insulinoterapia intensiva, por sua vez, traz como consequência aumento de risco de eventos hipoglicêmicos, especialmente no paciente queimado, que tem sua dieta interrompida por inúmeros procedimentos como cirurgias e exames13.

Percebe-se, portanto, que, com tantas dimensoes clínicas, o metabolismo da criança queimada e o manejo adequado da hiperglicemia pós-traumática devem ser investigados para identificar as intervençoes que melhorem a morbidade e mortalidade desses pacientes.

Para tanto, esse estudo tem como objetivo identificar a alteraçao da sensibilidade à insulina em crianças queimadas.


MÉTODO

Trata-se de um estudo de Revisao Sistemática, no qual para a seleçao do material de análise foi realizada busca na base de dados Pubmed, utilizando-se dos seguintes descritores: "burns, insulin e child". Os artigos selecionados compreendem o período de 2009 a 2013, totalizando 20 artigos encontrados, todos em literatura inglesa. Após leitura criteriosa e análise do material encontrado, foram excluídos 12 artigos, três por se tratarem de novas medicaçoes, um por abordar tratamento cirúrgico pós-queimadura e outros oito por nao tratarem do tema proposto nesse trabalho. Portanto, para o presente estudo foram utilizados oito artigos.


RESULTADOS

A seguir, apresentamos o Quadro 1, no qual foi elaborada uma síntese dos artigos analisados, constando título, periódico, autores, objetivo, método, resultados e conclusao.




DISCUSSAO

O aumento da morbidade e mortalidade da criança queimada está diretamente relacionado com a extensao e profundidade da queimadura, sendo que a extensao é a principal característica a ser considerada na mortalidade na fase aguda. Crianças com mais de 30% da Superfície Corporal Queimada (SCQ) têm significativo risco de morte21-23. Os artigos aqui analisados tiveram como objeto de estudo crianças com mais de 30% de SCQ e suas implicaçoes quanto à Hiperglicemia e a Sensibilidade Alterada à Insulina.

Com o objetivo de facilitar a discussao e o entendimento do leitor, optou-se em agrupar os tópicos a seguir para o desenvolvimento dos principais resultados, subdivididos em Insulinoterapia Intensiva e Resistência à Insulina: Estresse do Retículo Endoplasmático e a Oxidaçao Mitocondrial

Insulinoterapia Intensiva

A hiperglicemia, esperada devido aos mecanismos fisiológicos, deve ser manejada clinicamente, pois os estudos aqui analisados mostraram que o adequado controle diminuiu a morbidade e a mortalidade da populaçao estudada. Vários autores7,18,19 abordaram os benefícios da insulinoterapia intensiva na criança com mais de 30% de superfície corporal queimada.

A insulina possui, além do efeito de permitir a captaçao celular de glicose, efeitos moduladores da resposta imunológica, efeito trófico em mucosas e pele, melhorando a barreira contra invasao e translocaçao de micro-organismos, facilita a cicatrizaçao de feridas e inibe a produçao de mediadores inflamatórios, tais como IL-5 e IL-624-26.

Jeschke et al.18 demonstraram a diminuiçao da incidência de sepse e inclusive a mortalidade das crianças que foram submetidas a um controle da glicemia por meio da insulinoterapia intensiva. Protocolos de controle da glicemia, especialmente no paciente crítico, foram recomendados pelos diversos estudos que trataram da temática; esses mesmos autores recomendam que a meta da glicemia na criança gravemente queimada deve ser de 130 mg/dl, e também evidenciaram que a insulinoterapia intensiva levou à diminuiçao da resposta aguda inflamatória pela diminuiçao de IL-6, proteínas do Complemento (C3), hepatoglobulinas, retinol bind e proteína C reativa em comparaçao ao controle, resultados que confirmam o efeito anabólico e anti-inflamatório da açao da insulina.

Fram et al.15 demonstraram que as crianças gravemente queimadas apresentaram melhorias na sensibilidade a insulina se a glicose era mantida em 110 mg/dl, bem como houve melhora da densidade mineral, gordura corpórea, musculatura esquelética da admissao à alta em comparaçao com grupo controle. Van den Berghe et al.27,28 demonstraram que, mantendo glicemia de 110 mg/dl na terapia intensiva, houve aumento da sobrevida e diminuiçao da morbidade em pacientes adultos gravemente enfermos tratados com insulinoterapia intensiva, embora tenham demonstrado que nesse grupo houve aumento de eventos hipoglicêmicos. Na populaçao adulta queimada, inclusive, há trabalhos que sugerem controle da glicemia com metformina, para evitar-se tantos eventos hipoglicêmicos. Entretanto, ela é associada a aumento da acidose lática e é contraindicada em pacientes com insuficiência hepática e renal, esta última com alta prevalência nos pacientes queimados29,30.

O aumento de eventos hipoglicêmicos em pacientes queimados com insulinoterapia intensiva é maior do que essa mesma intervençao em outros tipos de traumas, e é preocupante, especialmente devido aos inúmeros procedimentos como cirurgias frequentes, trocas de curativos extensas e consequentes interrupçoes na dieta14. Os desdobramentos desses eventos de hipoglicemia precisam ser melhor investigados, para determinar se eles também aumentam morbidade e mortalidade31.

Outras pesquisas com a populaçao adulta e pediátrica6,32 confirmaram os achados do presente artigo de que a hiperglicemia nos queimados críticos ocasionaram aumento da incidência de infecçoes e sepse.

Entretanto, há autores12 que trazem a hiperglicemia como consequência das condiçoes infecciosas, podendo ser, portanto, considerada um marcador do paciente queimado com sepse, já que o próprio tratamento da infecçao tende a diminuir os níveis plasmáticos de glicose e diminuir a mortalidade. Apesar disso, a hiperglicemia por si só pode sim justificar o aumento de risco de eventos infecciosos, sendo causa e nao consequência, como descrito anteriormente, já que, em pacientes diabéticos pediátricos ou nao, a incidência de infecçoes é maior33.

Resistência à Insulina: Estresse do Retículo Endoplasmático e a Oxidaçao Mitocondrial

A insulina é um hormônio peptídico composto por duas cadeias de aminoácidos, que por meio de complexos mecanismos é secretada no sangue pelas células β das Ilhotas de Langherans do pâncreas. A liberaçao do hormônio, que tem meia vida de seis minutos, é estimulada em resposta ao aumento dos níveis circulantes de glicose, ácidos graxos e aminoácidos. Após 10 a 15 minutos, é depurada da circulaçao34.

Define-se como resistência à insulina o fenômeno biológico de resistência aos efeitos desse hormônio. Observa-se concentraçao elevada de insulina em detrimento da quantidade necessária para a estimulaçao das células. Defeitos nos mecanismos moleculares de sinalizaçao da insulina levam à resistência a este hormônio.

O Glut-4 é o transportador de glicose insulina-dependente mais abundante nas membranas celulares do músculo esquelético, cardíaco e tecido adiposo. Sem o estímulo hormonal, a concentraçao de Glut-4 na membrana é muito baixa, estando armazenadas em vesículas citoplasmáticas. Após a estimulaçao pela insulina, esses transportadores sao translocados para a membrana e o transporte de glicose é aumentado. No entanto, em algumas células, como os hepatócitos, os neurônios e as hemácias, a glicose é capaz de se difundir para o interior da célula na ausência de insulina e, portanto, os mecanismos moleculares relacionados ao prejuízo no sinal da insulina e, consequentemente, na captaçao de glicose nao se aplicam35,36.

Diversos autores14-16 demonstraram a clara associaçao entre crianças gravemente queimadas com >30% SCQ, a hiperglicemia pós-traumática e o desenvolvimento da resistência à insulina.

Gauglitz et al.14 relataram que crianças queimadas com >40% da SCQ persistem por até três anos pós-injúria com aumento do metabolismo basal, catabolismo, marcadores inflamatórios e resistência à insulina, e ainda recomendam estudos de seguimento dessa populaçao pediátrica para verificar se teriam maior chance de desenvolvimento de diabetes mellitus tipo 2.

A resistência à insulina nos estudos foi avaliada pelo teste HOMA (Homeostasis Model Assessment), modelo matemático que prediz o nível de resistência à insulina e da capacidade funcional das células β pancreáticas em secretar esse hormônio. Embora a técnica clampe euglicêmico-hiperinsulinêmico seja considerada a técnica padrao-ouro disponível, é dispendiosa, demorada, invasiva e de alta complexidade, sendo inviável sua utilizaçao em estudos populacionais e na prática clínica37.

Em nível celular, a resistência à insulina também é demonstrada por meio de alteraçoes no retículo endoplasmático e mitocôndrias. Cree et al.38 demonstraram que a funçao oxidativa mitocondrial é prejudicada em crianças queimadas em uma semana após queimadura, persistindo por até quatro semanas após a lesao.

Jeschke et al.17 demonstraram que a resistência à insulina está associada também às citocinas pró infamatórias (IL-6, IL-8, MCP-1), hormônios metabólicos (cortisol e catecolaminas), ao estresse do retículo endoplasmático, bem como à resposta da proteína nao dobrada (UPR) persistente por até um ano após a injúria.

O Retículo Endoplasmático Rugoso é o principal local de enovelamento de proteínas na célula. Este processo de enovelamento é composto por uma série de mecanismos como: dobramento, montagem, formaçao de pontes dissulfetos e glicolisaçao de proteínas. O dobramento de proteínas é um processo importante e responsável pela conversao de cadeias lineares de polipeptídios em estruturas tridimensionais, permitindo que as proteínas tornem-se funcionais. Perturbaçoes no metabolismo celular podem prejudicar o dobramento ideal, formando proteínas imaturas39.

Distúrbios na síntese proteica no RE, em particular o aumento da síntese de proteínas imaturas, também conhecidas como proteínas unfolded (nao dobradas) e misfolded (mal dobradas), acionam uma resposta adaptativa elaborada conhecida como a UPR (resposta à proteína nao dobrada). A UPR é caracterizada por uma cascata de sinalizaçao com finalidade de resgatar a qualidade da síntese proteica, atenuando a síntese global de proteínas, aumentando a expressao de chaperonas e quinases dobradoras de proteínas e ativando o ERAD (sistema de degradaçao associado ao RE). Desequilíbrios na sinalizaçao da UPR podem ocasionar o "estresse de retículo", ocorrência que pode estar associada à resistência à insulina39-41.

A resistência à insulina está relacionada a diversos fatores, como: hormônios derivados dos adipócitos, a via inflamatória e, recentemente, como explicado acima, o estresse de retículo endoplasmático39-41.

Estes têm revelado a ligaçao entre vias pró-inflamatórias e vias que regulam o metabolismo, em especial, aquelas ativadas em resposta à insulina. As citocinas pró-inflamatórias, tais como o fator de necrose tumoral α (TNF-α) e a Interleucina 1 beta (IL-1β), parecem desempenhar um papel central nestas conexoes. O TNF-α ligase ao seu receptor (TNFR1), resultando na ativaçao de substratos intracelulares envolvidos no controle da transcriçao de genes de reposta inflamatória, regula proteínas relacionadas ao controle de apoptose e modula respostas de crescimento e diferenciaçao celular em diversos tecidos41-43.

As vias inflamatórias desempenham uma funçao importante em defesa do organismo, entretanto, quando excessivamente ativas, como no caso do trauma e da sepse, podem fosforilar em serina moléculas da via da insulina, levando à resistência ao hormônio. Neste contexto, fatores indutores e perpetuadores de inflamaçao, como o estresse de retículo endoplasmático emergem como um importante foco de estudo para a prevençao e tratamento da resistência à insulina e doenças relacionadas44.

Fram et al.19 concluíram que crianças gravemente queimadas que mantiveram glicose plasmática menor ou igual a 120 mg/dl apresentaram melhorias na sensibilidade à insulina e na capacidade oxidativa mitocondrial, bem como reduçao no gasto energético em repouso (REE).

Jeschke et al.7 demonstraram que a queimadura em >30% da superfície corpórea de crianças aumentou ácidos graxos plasmáticos e que a insulinoterapia intensiva diminuiu significativamente ácidos graxos livres, triglicerídeos, apolipoproteínas A1 e B em comparaçao ao grupo controle.

Vários aspectos devem ser considerados como responsáveis pela resistência à insulina, sendo o principal deles a elevada disponibilidade de ácidos graxos livres, quando associada a uma baixa taxa de oxidaçao, levando ao acúmulo de IMTG (Triacilglicerol intramuscular), ceramidas, acil-Coenzima A e DAG (Diacilglicerol). Estes processos, direta ou indiretamente, elevam a produçao de EROS (Espécies reativas de Oxigênio) e ERNs (Espécies Reativas de Nitrogênio), levando ao aumento da produçao de citocinas, tais como o TNF-α_, alterando o estado redox intracelular, diminuiçao da atividade do CAT (Ciclo do ácido tricarboxílico - Ciclo de Krebs) e β-oxidaçao. Nessas condiçoes, há uma reduçao do fluxo glicolítico conforme descrito pelo ciclo glicose-ácido graxo, revelando uma reduçao na capacidade mitocondrial45,46.

Por fim, as reaçoes levam ao aumento da fosforilaçao do IRS (Substratos do receptor de insulina) em serina ou a sua desfosforilaçao, prejudicando na transmissao do sinal e, consequentemente, reduzem a mobilizaçao de GLUT-4 (transportador de glicose) para a membrana45,46.

A Insulinoterapia intensiva, portanto, diminuiu os ácidos graxos livres e possibilitou maior sensibilidade das células dependentes de Glut-4 à insulina, aumentou a capacidade oxidativa mitocondrial e, portanto, possibilitou melhor oxidaçao da glicose.

Outro estudo, conduzido por Kraft et al.20, verificou que o aumento plasmático dos carreadores do retinol, a vitamina A, esteve associado ao aumento de morbidades e inclusive mortalidade no grupo de 372 crianças queimadas estudadas. A vitamina A é uma importante oxidante de processos metabólicos; o aumento significativo de seu carreador durante a fase aguda pode significar, segundo esses autores, um aumento da necessidade de ingesta ou infusao de vitamina A nesses pacientes, já que a intensa resposta inflamatória leva ao aumento da necessidade de agentes redutores.

Corroborando para a importância da insulinoterapia intensiva, Jeschke et al.7 apontaram ainda que a insulinoterapia intensiva diminuiu significativamente os níveis plasmáticos dos carreadores da vitamina A, um marcador, portanto, da resistência à insulina na fase aguda pós-queimadura20.


CONCLUSAO

A persistência da hiperglicemia pós-traumática e dos fatores inflamatórios, bem como o estresse do retículo endoplasmático e a diminuiçao da oxidaçao mitocondrial na criança queimada, contribuem para a resistência à insulina em até três anos após a injúria.

O manejo da hiperglicemia no paciente crítico com o uso da insulinoterapia intensiva diminuiu a morbidade e a mortalidade nos estudos analisados, inclusive contribuindo para o aumento da sensibilidade à insulina e consequente diminuiçao de sua resistência. Observou-se que a meta de 130 mg/dl na criança grave é recomendável, com indicaçoes de controle rigoroso da glicemia para evitar-se episódios hipoglicêmicos.

A necessidade aumentada de vitamina A nessas crianças, bem como o maior risco de desenvolverem diabetes mellitus 2, sao temas que necessitam de novos estudos para maiores esclarecimentos.


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1. Enfermeira Pediátrica e Pós-Graduanda em Fisiologia Humana na Faculdade de Medicina do ABC. Santo André, SP
2. Enfermeira Doutora em Educaçao pela Universidade de Sao Paulo, Diretora da Escola de Enfermagem "Kimie Ando Tavares" e Coordenadora do Programa de Aprimoramento Profissional do IAMSPE. Sao Paulo, SP

Correspondência:
Luciana de Oliveira Marques
Av. Ibirapuera 981, 1º andar, sala 109
Sao Paulo, SP, Brasil. CEP: 04029-000
E-mail: luomarques@yahoo.com.br

Artigo recebido: 22/10/2013
Artigo aceito: 5/12/2013

Trabalho realizado no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual. Sao Paulo, SP, Brasil.

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