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Artigo de Revisao

Úlcera de Marjolin: visão atualizada

Marjolin's ulcer: current view

Tiago Sarmento Simão1; Paulo Cézar Cavalcante de Almeida2; Leão Faiwichow3

RESUMO

Ulcera de Marjolin é um termo comumente referenciado à degeneraçao maligna de feridas crônicas nao cicatrizadas ou cicatrizadas por segunda intençao e a maioria dos casos descritos refere-se a carcinoma espinocelular. Os mecanismos patogênicos pelo qual cicatrizes de queimaduras ou feridas expostas a trauma repetitivo desenvolvem transformaçao maligna ainda nao sao totalmente esclarecidos. O presente artigo objetiva discutir os mecanismos fisiopatológicos, aspectos clínicos e tratamento cirúrgico desse tipo agressivo de tumor.

Palavras-chave: Queimaduras. Úlcera cutânea. Carcinoma espinocelular.

ABSTRACT

Marjolin's ulcer is a term commonly referred to malignant degeneration of chronic wounds unhealed or healed by secondary intention and most of the cases described refers to squamous cell carcinoma. The pathogenic mechanisms by which burn scars or wounds exposed to repetitive trauma develop malignant transformation are not yet fully understood. The present article discusses the pathophysiology, clinical aspects and surgical treatment of this aggressive type of tumor.

Keywords: Burns. Skin ulcer. Carcinoma, squamous cell.

Ulcera de Marjolin é um termo comumente referenciado à degeneraçao maligna de feridas crônicas nao cicatrizadas ou cicatrizadas por segunda intençao, cujo epônimo se refere ao anatomista Jean Nicolas Marjolin, que primeiro descreveu esse tipo distinto de úlcera, porém, sem ter conhecimento da natureza neoplásica da lesao1.

As úlceras de Marjolin têm sido comumente descritas em vários tipos de lesoes, como úlceras de pressoes2,3, úlceras venosas2,3, tecidos irradiados2,3, úlceras diabéticas2,3, osteomielite4, e outras lesoes menos comuns, como hidradenite5,6, cisto pilonidais7, fístulas urinárias4,8, cicatrizes vacinais9, cicatrizes de herpes zoster10 e até mesmo sobre cicatrizes de enxerto11-13. Porém, é, na maioria das vezes, descrita como uma transformaçao neoplásica de cicatriz de queimadura14.


FISIOPATOGENIA

Os mecanismos patogênicos pelo qual cicatrizes de queimaduras ou feridas expostas a trauma repetitivo, especialmente aquelas cicatrizadas por segunda intençao, desenvolvem transformaçao maligna ainda nao sao totalmente esclarecidos, porém, alguns autores sugerem que essas lesoes apresentam ambiente imunológico desfavorável à supressao imune, em decorrência da pouca vascularizaçao do tecido cicatricial15.

A maioria dos autores acredita que a proliferaçao anormal dos queratinócitos cronicamente ativados seria o fator de risco principal para o desenvolvimento do carcinoma16-18.


APRESENTAÇAO CLINICA

Geralmente, apresentam-se como lesoes cronicamente nao cicatrizadas, no local de queimaduras ou lesoes prévias. Sao morfologicamente ulcerativas, infiltrativas, com bordas elevadas e endurecidas; podendo, menos frequentemente, serem exofíticas ou com tecido de granulaçao exuberante19. Biópsias devem ser realizadas em todos os casos em que haja suspeita, além de exame cuidadoso das cadeias linfonodais.


HISTOPATOLOGIA E POTENCIAL METASTATICO

A maioria dos casos descritos refere-se a carcinoma espinocelular, porém, outros tipos de transformaçoes malignas também podem ser vistas, apesar de raras, tais como carcinoma basocelular, melanoma, adenocarcinoma e sarcomas20,21.

Essas raras lesoes sao conhecidamente mais agressivas quando comparadas a outras formas de carcinoma espinocelular e ocorrem com maior frequência nas extremidades, onde sao aparentemente mais agressivas do que em outras partes do corpo2,22. O potencial metastático dos carcinomas espinocelulares de Marjolin, nos estudos clínicos, demonstrou-se significativamente maior do que os outros tipos de carcinomas espinocelulares2. As metástases linfonodais geralmente surgem devido ao atraso no diagnóstico e subestimaçao dos achados clínicos19.

Os principais fatores de risco para metástases sao o grau histológico e o tamanho do tumor, sendo observada uma incidência de 41,9% de metástases pulmonares e 40,3% de metástases linfonodais no primeiro ano de pós-operatório, com maior significância nos tumores maiores que 10 cm ou pouco diferenciados22.


PERIODO DE LATENCIA

A transformaçao maligna dessas lesoes tende a ser lenta, com intervalo de tempo até o surgimento do tumor de aproximadamente 35 anos11. Tiftikcioglu et al.22 estudaram 52 pacientes com carcinoma em cicatrizes de queimaduras de extremidades, acompanhados por pelo menos cinco anos, e demonstraram prevalência de 1:2 entre homens e mulheres em uma média de intervalo de tempo entre a queimadura e o surgimento do tumor de 35,9 anos. Em revisao recente de 25 estudos publicados na literatura, totalizando 443 pacientes, identificou-se um período de latência variando entre 6 e 42 anos, com média de 28,7 anos até o diagnóstico23.

Em outras séries, o tempo entre a queimadura e o surgimento da malignidade pode ser inferior ao relatado pela maioria dos estudos24,25, visto que o período de latência até o surgimento da malignidade é inversamente proporcional à idade do paciente no momento da queimadura19.


TOPOGRAFIA DAS LESOES

Todas as partes do corpo podem ser afetadas, mas as extremidades, o tronco e o escalpo sao mais frequentemente afetados. Copcu et al.18, em uma série de 31 pacientes com úlceras de Marjolin, identificaram incidência de 58% dos tumores nas extremidades. Essas áreas sao mais afetadas, provavelmente, por serem mais expostas a traumas, queimaduras ou outros tipos de lesoes.

Alguns sítios raros de lesao já foram relatados na literatura, como nariz, pálpebras e lábios19,26.


TRATAMENTO

As úlceras de Marjolin sao tratadas em sua maioria por ressecçao ampla da lesao (margem cirúrgicas de pelo menos 2 cm) e cobertura do defeito resultante com enxerto de pele ou retalhos27. A linfadenectomia é restrita para pacientes com linfonodopatia regional palpável, tumores grandes e pouco diferenciados e, em casos extremos, indicada amputaçao22,28,29.

Radioterapia, segundo Ozek14, está indicada em metástases linfonodais inoperáveis, tumores grau 3 ou maiores que 10 cm com linfonodos positivos, tumores grau 3 e maiores que 10 cm sem linfonodos comprometidos, além de lesoes de cabeça e pescoço com linfonodos envolvidos.


CONCLUSAO

A Ulcera de Marjolin é uma complicaçao prevenível, secundária a lesoes cronicamente inflamadas, em sua maioria relacionada a queimaduras antigas, cujo mecanismo fisiopatológico ainda é pouco conhecido. Enfase deve ser dada na prevençao dessas lesoes, por meio do tratamento adequado das queimaduras agudas com cobertura definitiva com enxertos, prevenindo cronificaçao do processo inflamatório cicatricial; além de vigilância dos pacientes que tiveram cicatrizaçao das queimaduras por segunda intençao ou que possuam cicatrizes que ulceram facilmente.


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1. Médico residente do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital do Servidor Público Estadual Francisco Morato de Oliveira/SP (HSPE FMO), Sao Paulo, SP, Brasil
2. Médico responsável técnico pela Unidade de Queimaduras do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HSPE FMO, Sao Paulo, SP, Brasil
3. Diretor do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HSPE FMO, Sao Paulo, SP, Brasil


Correspondência:
Tiago Sarmento Simao
Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital do Servidor Público Estadual - Francisco Morato de Oliveira/SP
Av. Ibirapuera, 981 - Vila Clementino
Sao Paulo, SP, Brasil - CEP: 04029-000
E-mail: tiagossimao@yahoo.com.br

Artigo recebido: 5/9/2012
Artigo aceito: 21/11/2012

Trabalho realizado no Hospital Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital do Servidor Público Estadual - Francisco Morato de Oliveira/SP - HSPE FMO, Sao Paulo, SP, Brasil.

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