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Editorial

Tratamento cirúrgico precoce das queimaduras: uma realidade no Brasil?

Early surgical treatment of burns: is it a reality in Brazil?

Wandir Schiozer

Queimaduras sao sítios suscetíveis à colonizaçao de microrganismos endógenos e exógenos. Pode-se afirmar que a incidência de infecçao e sepse é diretamente proporcional à extensao e à profundidade das lesoes. Esses fatores relativos ao paciente, em combinaçao a outros inerentes aos microrganismos, como quantidade, motilidade e produçao de toxinas, vao determinar a infecçao e a invasao da ferida. A suscetibilidade das queimaduras à infecçao resulta da presença de proteínas coaguladas e outros nutrientes bacterianos e da falta de vascularizaçao da escara, que impedem o aporte de células imunológicas, anticorpos e mesmo antibióticos ao tecido desvascularizado.

A populaçao microbiana da lesao logo após a queimadura é esparsa, poucas bactérias presentes nos anexos cutâneos sobrevivem à queimadura e sao predominantemente nao patogênicas. Com o passar do tempo, bactérias patogênicas passam a habitar a escara e, no final da primeira semana, sao predominantes. Apesar do desenvolvimento de novos antibióticos e terapêuticas antimicrobianas, a seleçao e a disseminaçao de resistência intrínseca e adquirida aumentam a probabilidade de colonizaçao e infecçao por germes multiresistentes.

A remoçao das escaras e a enxertia precoce, antes da colonizaçao e infecçao da área queimada, têm sido descritas como a estratégia mais eficaz no sentido de evitar as infecçoes. Uma comparaçao estatística por meio de meta-análise1 revelou que houve reduçao na incidência de septicemia de 6% para 1% das internaçoes e reduçao em 50% da septicemia como causa de óbito. A principal vantagem do tratamento cirúrgico precoce consiste em reduzir a probabilidade de sepse. Estudos realizados com queimaduras na populaçao pediátrica demonstram diminuiçao significativa de infecçao e da mortalidade por sepse quando se realiza a excisao precoce2,3.

Apesar do amplo suporte na literatura científica, a associaçao de excisao precoce e a enxertia imediata ainda é uma estratégia pouco adotada em nosso país. Acredito que esse fato se deva à estrutura dos serviços que atendem a pacientes queimados e nao à falta de conhecimento ou convencimento dos cirurgioes envolvidos. O tratamento mais conservador exige menos denodo por parte da equipe médica em comparaçao ao tratamento cirúrgico precoce, que é mais trabalhoso e requer material, anestesia, monitorizaçao e terapia intensiva especializadas. Há de se levar em conta que os serviços onde se realiza rotineiramente a excisao e a enxertia precoces fazem parte de Centros de referência dotados de equipes treinadas e infraestrutura de terapia intensiva, material cirúrgico e substitutos cutâneos que permitem essa abordagem. Optar por uma conduta arrojada frente ao paciente queimado nao é uma tarefa simples. Nem sempre as queimaduras se enquadram em categorias. O paciente frequentemente apresenta comprometimento clínico e lesoes associadas, a profundidade pode ser indeterminada, a área pode ser muito extensa, as lesoes podem afetar segmentos difíceis, como períneo, maos, tendoes e articulaçoes. Areas cruentas extensas nao enxertadas podem dissecar.

Ao praticar a excisao precoce das escaras, uma das tarefas mais difíceis do cirurgiao é estimar a profundidade da queimadura e a extensao do procedimento proposto. Nao existem testes laboratoriais para medir esses parâmetros, de modo que os cirurgioes têm que basear seus diagnósticos e prognósticos em elementos clínicos. A decisao de operar ou tratar clinicamente depende de vários fatores. A excisao precoce requer um cirurgiao experiente e suporte clínico, caso contrário, a excisao inadequada resultará em perda de enxerto e aumento de extensao das feridas e a falta de suporte pode resultar em complicaçoes e em maior prejuízo ao paciente.

A difusao do tratamento cirúrgico precoce das queimaduras depende de educaçao continuada e treinamento, mas requer também melhores condiçoes laborais, estruturais e técnicas dos nossos serviços, para que a liçao possa realmente ser posta em prática.

Wandir Schiozer
Editor


REFERENCIAS

1. Ong YS, Samuel M, Song C. Meta-analysis of early excision of burns. Burns. 2006;32(2):145-50.

2. Alexander JW, MacMillan BG, Law E, Kittur DS. Treatment of severe burns with widely meshed skin autograft and meshed skin allograft overlay. J Trauma. 1981;21(6):433-8.

3. Tompkins RG, Remensnyder JP, Burke JF, Tompkins DM, Hilton JF, Schoenfeld DA, et al. Significant reductions in mortality for children with burn injuries through the use of prompt eschar excision. Ann Surg. 1988;208(5):577-85.

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