RESUMO
Introduçao: A aplicaçao de um substituto cutâneo adequado desempenha um papel importante na restauraçao dos aspectos funcionais e estéticos da pele. O padrao ouro para a cobertura de defeitos de espessura total sao os enxertos autólogos. No entanto, a qualidade do tecido reconstruído e a contratura cicatricial sao problemas bem conhecidos. O uso de substitutos dérmicos constitui uma abordagem alternativa na resoluçao desses problemas. Objetivo: O objetivo deste trabalho é avaliar o uso de MATRIDERMr em dois casos distintos conduzidos pela equipe de cirurgia plástica do Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), Rio de Janeiro, Brasil. Relato dos Casos: Sao relatados os casos de dois pacientes, o primeiro deles apresentava sequela de queimadura em membro superior e o segundo uma ferida complexa póstrauma em terço distal de membro inferior, com exposiçao óssea e tendínea.
Palavras-chave:
Cicatrização. Pele Artificial. Queimaduras/ terapia. Colágeno/ uso terapêutico. Elastina/ uso terapêutico.
ABSTRACT
Introduction: The use of an adequate skin substitute plays an important role in restoring the esthetical and functional aspects of the skin. Autologous skin grafts are the gold standard for coverage of total thickness defects. However, quality of the newly built tissue and scar contracture are well known problems. The use of dermal substitutes represents an alternative in solving these problems. Objective: The goal of this study is to evaluate the use of MATRIDERMr in two distinct cases conducted by the plastic surgery team of Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), in Rio de Janeiro, Brazil. Cases Report: The first case was a burn sequel of the upper limb, and the second one was a complex post trauma injury of the distal third of the lower limb with bone and tendinous exposure.
Keywords:
Wound Healing. Skin, Artificial. Burns/ therapy. Collagen/ therapeutic use. Elastin/ therapeutic use.
O procedimento clássico para a cobertura de defeitos de espessura total da pele causada por trauma ou cirurgia é o enxerto cutâneo autólogo1. Contudo, a exiguidade de áreas doadoras em grandes queimados e a necessidade de cobertura de estruturas nobres em lesoes complexas levaram ao desenvolvimento de substitutos cutâneos2,3.
Os resultados obtidos a partir da descriçao de matrizes dérmicas bilaminares por Burke & Yannas estimularam ao desenvolvimento do mais recente substituto dérmico monolaminar, passível de enxertia cutânea em um único tempo cirúrgico4. Sua organizaçao tridimensional, composta por fibras de colágeno intactas revestidas com elastina, serve de arcabouço para a formaçao de neoderme autóloga5. O colágeno da matriz é obtido da derme bovina e contém colágeno tipo I, III e V6,7. A elastina é obtida a partir de ligamento nucal bovino por hidrólise. A espessura da matriz dérmica é de 1 e de 2 mm em suas formas de apresentaçao para comercializaçao.
O substituto cutâneo MATRIDERM
r (Dr. Suwelack Skin and Health Care AG, Billerbeck, Germany) foi desenvolvido para melhorar os resultados funcionais das queimaduras de fase aguda, contudo, seu uso atual tem sido ampliado, incluindo a aplicaçao em sequelas de queimaduras, cicatrizes hipertróficas, retraçoes cicatriciais, lesoes congênitas, ressecçoes de neoplasias cutâneas, perdas traumáticas, úlceras venosas ou isquêmicas e áreas expostas à radioterapia3.
O objetivo deste trabalho é avaliar o uso de MATRIDERM
r no tratamento de lesoes agudas e em sequelas cicatriciais.
RELATO DOS CASOSEste trabalho é composto do relato de dois casos distintos em que se utilizou MATRIDERM
r para tratamento de lesoes com a associaçao de autoenxertia de pele parcial de fina espessura. Ambos os pacientes foram tratados pelo Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), Rio de Janeiro, RJ, em abril de 2011, sendo submetidos a procedimentos cirúrgicos.
No primeiro caso, a aplicaçao da matriz dérmica e a enxertia autóloga de pele parcial simultânea foram realizadas em um único tempo cirúrgico. No segundo caso, os procedimentos foram realizados em dois tempos cirúrgicos, com a aplicaçao da matriz dérmica em um primeiro tempo e, após sete dias, a sua cobertura com enxerto autólogo de pele parcial.
Caso 1Paciente do sexo feminino, 25 anos, internada na Unidade de Tratamento de Queimados do HFAG para tratamento de sequela de queimadura em membro superior esquerdo (Figura 1), em abril de 2011, devido a queimadura por chama direta há 3 anos, acometendo 45% da superfície corporal total.
Figura 1 - Pré-operatório.
Ao exame físico, apresentava retraçao cicatricial na axila e no cotovelo esquerdos, com bridas cicatriciais em pilares anterior e posterior da axila e na fossa antecubital, limitando o movimento de extensao do cotovelo a 90° e a abduçao do braço a 110°, sendo ainda observadas áreas de instabilidade cutâneas e ulceraçoes de repetiçao.
O procedimento cirúrgico proposto foi a ressecçao de toda a fibrose cicatricial, aplicaçao de MATRIDERM
r e cobertura com enxerto laminar de 0,2 mm.
Foi demarcada a área da lesao, sendo incisada e retirada toda a área cicatricial fibrosada até a liberaçao total das bridas cicatriciais, resultando em uma área cruenta de 30 x 20 cm (Figura 2).
Figura 2 - Transoperatório.
Após hemostasia rigorosa foi aplicada MATRIDERM
r na apresentaçao de 1 mm de espessura, em toda a dimensao da lesao, sendo hidratada a matriz com soluçao fisiológica 0,9% (Figura 3). A seguir, foi extraído mediante o uso de dermátomo um enxerto laminar com 0,2 mm de espessura e fixado com pontos simples e sutura contínua de fio de mononylon 5.0 no mesmo ato cirúrgico.
Figura 3 - Aplicaçao da MATRIDERM
r.
O curativo foi realizado mediante o uso de cinco lâminas de acetato de celulose impregnado com emulsao de petrolatum (Adaptic
r), coberto com gaze acolchoada e imobilizaçao com órtese termomoldável em posiçao de abduçao do braço a 90° e extensao total do cotovelo.
O primeiro curativo foi realizado no quinto dia de pós-operatório, constatando-se 90% de integraçao dos enxertos (Figura 4). As áreas de perda localizaram-se na extremidade superior em decorrência do deslocamento do enxerto. Curativos posteriores foram realizados sequencialmente a cada 48 horas, com a manutençao da órtese de imobilizaçao.
Figura 4 - Autoenxertia simultânea.
No décimo quinto dia de pós-operatório, foram realizadas biopsias tanto nas áreas com integraçao do enxerto quanto na área de perda.
Durante o seu seguimento, houve melhora dos movimentos do membro, adquirindo maior amplitude para elevaçao, abduçao e uma cicatrizaçao satisfatória.
Caso 2Paciente do sexo feminino, 65 anos, foi admitida no HFAG para tratamento de emergência de fratura exposta complexa, de tíbia e fíbula, em membro inferior esquerdo, em dezembro de 2010. Submetida a osteossíntese com placa e parafuso, evoluindo com necrose cutânea em face lateral e medial do membro acometido. Foram realizados desbridamentos seriados associados à terapia a vácuo, sem a obtençao de um leito adequado para autoenxertia.
No mês de abril de 2011, apresentava ao exame físico ferida em fase de granulaçao, contendo fibrina e exposiçao tendínea na face lateral, medindo 8 x 4 cm (Figura 5). Na face medial, apresentava ferida granulada medindo 2 cm de diâmetro, com exposiçao óssea ao fundo.
Figura 5 - Pré-operatório.
Sobre o leito das feridas foram utilizadas lâminas de 2 mm de MATRIDERM
r em um primeiro tempo cirúrgico. O curativo foi realizado mediante o uso de cinco lâminas de Adaptic
r, coberto com gaze acolchoada.
Após sete dias, o paciente foi submetido ao segundo tempo cirúrgico com a enxertia de pele parcial, laminar de 0,2 mm de espessura, sendo fixada com pontos de sutura com fio Nylon 5.0. O curativo do mesmo foi realizado com Adaptic
r e curativo tipo Brown. No quinto dia de pós-operatório, observou-se a integraçao total do enxerto na face lateral da perna e perda na face medial da mesma evoluindo, no entanto, para reepitelizaçao por segunda intençao. Durante o acompanhamento da paciente, foi possível observar o excelente resultado estético e funcional (Figura 6).
Figura 6 - Pós-operatório com 2 meses.
Após 2 meses da enxertia, foi realizada uma biopsia incisional com três fragmentos, em duas localizaçoes da área enxertada (transiçao entre pele normal e enxertada e somente área enxertada).
DISCUSSAOFrequentemente nos deparamos com situaçoes em que o leito receptor nao é favorável à cobertura com enxertos, como nas feridas crônicas e queimaduras. Há uma dificuldade em nutrir e revascularizar devido à grande quantidade de macrófagos, neutrófilos e pela escassez de colágeno e elastina, resultando em perda de enxerto e cicatriz viciosa8. Nesse cenário, os substitutos dérmicos se situam como uma alternativa terapêutica.
Um substituto dérmico considerado ideal deve apresentar as seguintes características: resistência, estabilidade, imunocompatibilidade, proteçao contra infecçao e ser biodegradável no menor tempo necessário para promover um ambiente favorável para migraçao de células fundamentais para a formaçao da neoderme7.
Uma nova classe de substitutos dérmicos é composta por matrizes de regeneraçao dérmica, que têm no colágeno o seu componente principal, devido à sua biocompatibilidade. O uso de componentes dérmicos purificados possui a vantagem de induzir pouca rejeiçao pelo organismo9.
Contudo, esses produtos ainda sofrem com a açao das proteinases, o que gera a degradaçao precoce. O método utilizado para estabilizar essas membranas é o
crosslink, podendo resultar em compostos deletérios para o processo cicatricial7. No entanto, Yannas et al. demonstraram que a adiçao de componentes da matriz extracelular, como a condroitina 6-sulfato, condroitina 4-sulfato e outros, podem proteger a matriz da degradaçao pelas proteinases, diminuindo a necessidade de
crosslink7.
A MATRIDERM
r se apresenta como uma lâmina de 1 ou 2 mm de espessura, composta principalmente de colágeno e elastina, com poros de aproximadamente 75µm. Essas características conferem estabilidade à membrana, para atuar no processo cicatricial como suporte para que os fibroblastos construam sua própria matriz extracelular. A medida que o processo cicatricial avança a MATRIDERM
r é absorvido7-9.
A membrana de 2 mm de espessura é utilizada quando se faz necessário um preparo adequado do leito receptor para enxertia de pele parcial fina, realizada posteriormente7-9. Esse foi o método escolhido no relato de caso 2. Já a membrana de 1 mm pode ser utilizada no mesmo momento da enxertia, conforme utilizado no caso 1.
O colágeno purificado associado à elastina, presentes na MATRIDERM
r, sao os responsáveis pela regeneraçao tecidual adequada8. Esse colágeno forma um arcabouço que direciona e organiza os fibroblastos e demais células fundamentais. Já a elastina reduz a formaçao do tecido de granulaçao precoce8. Além disso, a adiçao de componentes da matriz extracelular confere um ambiente propício para estimular os fatores da cicatrizaçao. Com isso, há diminuiçao na transformaçao de fibroblastos em miofibroblastos, atenuando a contraçao cicatricial e obtendo uma neoderme de boa qualidade9.
Outra matriz existente no mercado INTEGRA
r (Integra Life Sciences Corp, Plainsboro, NJ, USA) também possui características semelhantes7. No entanto, invariavelmente, necessita de dois procedimentos cirúrgicos, já que as glicosaminoglicanas presentes na mesma sao reabsorvidas mais lentamente, o que dificulta a migraçao de células endoteliais7.
Quando comparadas as duas matrizes dérmicas, observa-se que a interaçao entre o colágeno e a elastina, vista na MATRIDERM
r, parece ser mais benéfica para a vascularizaçao do que a entre o colágeno e a condroitína 6-sulfato que é vista na INTEGRA
r. Conforme estudos, peptídeos derivados da elastina se mostraram mais quimiotáticos para células vasculares7.
Nos casos relatados, foram realizadas biopsias incisionais em áreas específicas das cicatrizes e em diferentes fases do processo cicatricial. As Figuras 7 e 8 correspondem ao estudo histológico do caso 1 e demonstram a estrutura acelular tridimensional da MATRIDERM
r com quinze dias de evoluçao, sendo reabsorvida por macrófagos, e preenchida por fibroblastos, linfócitos e capilares, formando assim uma neoderme. Foram utilizados no preparo das lâminas os corantes hematoxilina-eosina (HE) e coloraçao de Gomori, destacando as fibras de colágeno neoformadas.
Figura 7 - Biopsia 15 dias: hematoxilina-eosina (HE).
Figura 8 - Ampliaçao da área demarcada na Figura 7: hematoxilina-eosina (HE).
As Figuras 9 e 10 demonstram um estudo histológico realizado no paciente do caso 2, com dois meses de evoluçao. Observa-se reabsorçao da matriz, adquirindo uma conformaçao semelhante a uma pele normal, com algumas particularidades: fibras de colágeno desorganizadas; epiderme retificada; ausência de anexos; neoformaçao vascular abundante.
Figura 9 - Biopsia 60 dias: hematoxilina-eosina (HE).
Figura 10 - Biopsia 60 dias: coloraçao de Gomori.
CONCLUSAOO presente artigo teve como objetivo demonstrar uma nova abordagem no manejo de lesoes complexas, utilizando uma nova tecnologia de substituto cutâneo.
Com a evoluçao da bioengenharia, os substitutos cutâneos sao fontes constantes de pesquisa e aprimoramento, sendo a MATRIDERM
r o representante de uma nova geraçao de matrizes dérmicas.
Entre as vantagens do substituto cutâneo utilizado nos casos relatados estao a possibilidade de cobertura da matriz dérmica com um autoenxerto cutâneo no mesmo tempo cirúrgico e tratamento de feridas de difícil cicatrizaçao.
O estudo histológico realizado demonstrou a integraçao do enxerto à matriz dérmica de maneira satisfatória, assim como uma neoderme de boa qualidade.
Conforme exemplificado nos dois casos relatados, a MATRIDERM
r mostrou-se um substituto cutâneo versátil que pode ser utilizado tanto na fase aguda quanto no tratamento das sequelas, obtendo resultados estéticos e funcionais desejáveis. Desta forma, o uso da MATRIDERM
r pode ser considerado seguro, de simples execuçao e reprodutibilidade.
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r in depth-adjusted reconstruction of necrotising fasciitis defects. Burns. 2010;36(7):1107-11.
1. Médico Residente de Cirurgia Plástica do Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Médico Assistente do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3. Chefe da Sessao de Citopatologia da Policlínica Piquet Carneiro da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); Médico Assistente do Serviço de Patologia do Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4. Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica e do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Correspondência:
Marcos Aurélio Leiros da Silva
Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Força Aérea do Galeao
Estrada do Galeao, 4101 - Ilha do Governador
Rio de Janeiro, RJ, Brasil - CEP: 21941-353
E-mail: leiros@uol.com.br
Artigo recebido: 13/5/2011
Artigo aceito: 1/6/2011
Trabalho realizado no Hospital de Força Aérea do Galeao (HFAG), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.