1418
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Realidade virtual na redução da dor em crianças queimadas: Estudo piloto quase-experimental

Virtual reality in pain reduction in burnt children: Quasi-experimental pilot study

Soliane Scapin1; Maria Elena Echevarría-Guanilo2; Natalia Gonçalves3; Francis Solange Vieira Tourinho4; Jerusa Celi Martins5; Paulo Roberto Boeira Fuculo-Junior6

DOI: 10.5935/2595-170X.20230002

RESUMO

OBJETIVO: Descrever a realização do teste piloto de estudo quase-experimental utilizando a realidade virtual (RV) para o alívio da dor durante a troca de curativo de crianças queimadas.
MÉTODO: Estudo piloto, quase-experimental, do tipo série temporal interrompida com um grupo. Amostra consecutiva e de conveniência de cinco crianças internadas em um Centro de Tratamento de Queimados no Sul do Brasil, no período de dezembro/2015 a março/2016, que receberam intervenção com RV durante a troca de curativos, por três dias. A dor foi avaliada por meio da escala numérica e de faces.
RESULTADOS: A RV foi aplicada três vezes em cada criança. A criança com maior superfície corporal queimada apresentou maiores picos de dor antes, durante e após o curativo. Ademais, as crianças apresentaram diminuição da dor imediatamente após o curativo.
CONCLUSÕES: A intervenção com a RV foi considerada importante para as crianças queimadas, visto que tiveram uma diminuição da dor durante e após o procedimento com sua utilização.

Palavras-chave: Enfermagem Pediátrica. Dor. Queimaduras. Realidade Virtual.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe the carrying out of the pilot test of a quasi-experimental study using virtual reality (VR) for pain relief during dressing change in burnt children.
METHODS: Pilot study, quasi-experimental, interrupted time series type with one group. Consecutive and convenience sample of five children hospitalized at a Burn Treatment Center in southern Brazil, from December/2015 to March/2016, who received intervention with VR during dressing change, for three days. Pain was assessed using the numerical and faces scale.
RESULTS: VR was applied three times to each child. The child with the largest body surface area burned had the highest peaks of pain before, during and after the dressing. Furthermore, the children showed a decrease in pain immediately after the dressing.
CONCLUSIONS: The intervention with VR was considered important for burned children, as they had a decrease in pain during and after the procedure with its use.

Keywords: Pediatric Nursing. Pain. Burns. Virtual Reality.

INTRODUÇÃO


As queimaduras representam um agravo significativo à saúde pública. No Brasil, os registros são de um milhão de pessoas acometidas ao ano, sendo as crianças e pessoas de baixa renda as mais atingidas. Segundo dados de 2017, nos anos de 2013 e 2014 houve mais de 15 mil casos de internações por queimaduras em crianças na faixa etária de 0 a 10 anos, sendo a maior parte dos acidentes no domicílio da vítima, representando a quarta causa de morte e a sétima de admissão hospitalar1-3.


O tempo de internação do paciente pediátrico queimado geralmente é prolongado, dependendo da extensão e da gravidade das lesões, e envolve a realização de diversos procedimentos, tais como a troca de curativo e enxertias, os quais têm como objetivo a promoção da cicatrização das lesões e a prevenção de infecção; porém, são geradores de intensa dor4. Quase metade dos pacientes hospitalizados sentem dor, sendo que em um quarto é considerada “insuportável”. Para prestar um cuidado de qualidade, a equipe assistencial deve considerar não apenas o impacto físico da doença, mas também o aspecto psicossocial5.


A primeira linha para o tratamento da dor em pacientes queimados envolve o uso de analgésicos combinados com medicamentos ansiolíticos. Todavia, mesmo utilizando esta associação de medicamentos, não há redução total da manifestação dolorosa durante e após os procedimentos que fazem parte do tratamento das queimaduras6. Frente a isso, destaca-se a importância da avaliação frequente da dor e do acréscimo de medidas alternativas ou adicionais quando o alívio parece inadequado. Nesse sentido, a associação de métodos farmacológicos e não farmacológicos vem apresentando resultados importantes que precisam ser estudados nas distintas realidades7.


Um dos métodos não farmacológicos com resultados promissores no tratamento da dor gerada pela lesão da queimadura é a realidade virtual (RV). A RV envolve estímulos multissensoriais, incluindo a visão, a audição e o tato, submergindo o paciente em um mundo virtual tridimensional, por meio da interação e da distração. Para isso, podem ser utilizados: capacete; óculos acoplados (ou não) a controles; computadores ou celulares8.


A utilização da RV reduz a dor através da ação em regiões cerebrais, diminuindo o processamento emocional da dor e o estímulo doloroso. Esse efeito foi constatado em estudo randomizado, no qual foi realizada ressonância magnética em pacientes queimados em uso de RV durante a troca de curativo. Os resultados apontaram melhoria do sistema de controle da dor no Sistema Nervoso Central e manifestações de dor menos intensas ou de rápido alívio após a conclusão dos procedimentos9.


Outros estudos também apontam reduções significativas na intensidade da dor, assim como aumento da distração e diversão com o emprego da RV4,5. Além disso, destaca-se, entre os resultados, o efeito da analgesia promovido pela RV, o qual se mantém mesmo após vários dias da utilização8.


Os benefícios da RV são claros e demonstrados em estudos, principalmente relacionados à redução da dor, à maior distração, à maior colaboração da criança durante a realização dos procedimentos, a valores menores de ansiedade e à maior satisfação com o tratamento, tanto da criança, submetida à RV, quanto dos profissionais e familiares que também estão envolvidos nos cuidados diários10,11.


Entretanto, devido às divergências metodológicas entre os estudos publicados, as diferentes tecnologias utilizadas e a ausência de estudos semelhantes na população brasileira, propusemos este estudo piloto para validar a intervenção com RV em crianças que sofreram queimaduras.


A importância deste estudo justifica-se por ser um método não farmacológico, seguro e benéfico para a criança que vivencia a recuperação da queimadura e, também, para os profissionais de enfermagem que exercem a maioria dos cuidados diários considerados dolorosos. Ainda, o desenvolvimento de um estudo piloto permite uma criteriosa avaliação do planejamento para a aplicação de uma intervenção para o cuidado. Este permite avaliar aspectos, tais como: espaço físico, momentos de aplicação, condições das crianças e da equipe.


Assim, com o intuito de contribuir com o cuidado de crianças que sofreram queimaduras, propomos o estudo da inclusão da RV como tecnologia para o alívio da dor. O objetivo deste estudo é descrever a realização do teste piloto de estudo quaseexperimental utilizando a RV para o alívio da dor durante a troca de curativo de crianças queimadas internadas em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) de referência no Sul do Brasil. A hipótese estabelecida é de que o uso da RV diminui a intensidade dolorosa durante a troca de curativo de crianças queimadas.


 


MÉTODO


Trata-se de um estudo piloto, quase-experimental, do tipo série temporal interrompida com um grupo. Nesse tipo de pesquisa, o pesquisador mede apenas um grupo repetidamente, tanto antes quanto depois da exposição à determinada intervenção12.


O estudo foi realizado em um CTQ pediátrico de referência no Sul do Brasil, que possui oito leitos destinados ao tratamento de queimaduras de crianças e adolescentes de zero a 15 anos incompletos.


Por se tratar de um estudo piloto, a amostra não foi calculada e foi composta por cinco crianças internadas no CTQ, no período de dezembro de 2015 a março de 2016. Dessa forma, foram incluídas no estudo as crianças e os adolescentes a partir dos sete anos, idade em que o aparelho reprodutor de imagens de RV poderia ser adaptado ao diâmetro occipitofrontal, independentemente do sexo e da extensão da queimadura.


Além disso, as crianças deveriam se encontrar na primeira ou na segunda fase do processo de recuperação, período este que compreende as primeiras 48 até 72 horas após a queimadura (primeira fase) até a recuperação da integridade capilar e a melhoria do estado físico e cognitivo (segunda fase) do paciente. Ambas as fases foram escolhidas por corresponderem ao período em que são realizados os procedimentos considerados mais dolorosos, como a troca de curativo e desbridamento das lesões13,14. Ainda, como critério de inclusão foi estabelecida a periodicidade da troca do curativo, que deveria ser realizada com intervalo máximo de sete dias.


Quanto aos critérios de exclusão, crianças e adolescentes que no momento da coleta de dados apresentavam diminuição da acuidade visual, queimaduras na face, no couro cabeludo, no pavilhão auricular ou queimaduras que impossibilitassem a colocação dos óculos de RV não participaram deste estudo. Ainda, foram excluídas crianças e adolescentes que apresentavam doenças nas quais a utilização do equipamento de RV pudesse trazer desconforto – tais como, labirintite e epilepsia ou doenças psiquiátricas prévias, como ansiedade, depressão e fobia – e as crianças e os adolescentes que utilizaram coberturas definitivas ou de longa permanência (maior do que sete dias) ou que, após enxertia, não apresentaram mais área queimada. Como critério de descontinuidade, foi considerada a morte do paciente e a presença de efeitos colaterais, como náuseas e vômitos durante a intervenção.


A intervenção consistiu na utilização dos óculos reprodutores de imagem tridimensional e som estereofônico do Samsung Gear VR Innovator Edition for Note 4® e aplicativos em 3D, os quais foram baixados gratuitamente e reproduzidos por meio do Celular Samsung Note S4®. As opções de imagens e de jogos tridimensionais envolveram: simulador de montanha russa, zoológico e ambiente marinho. A escolha pelo jogo foi realizada pela criança, porque o objetivo não incluiu a avaliação do tipo de aplicativo (jogo), e sim os efeitos da RV durante os três dias nos quais foi utilizada a RV durante a troca de curativo.


O aparelho de RV foi escolhido devido à praticidade de transporte, manipulação, utilização e higienização, além do baixo custo do equipamento (óculos, celular e jogos/aplicativos).


O curativo foi o momento escolhido para a utilização da RV. Cabe destacar que a realização do curativo compreende a abertura das ataduras, retirada das coberturas, realização da balneoterapia, escolha e colocação da cobertura e o fechamento com ataduras.


A variável “desfecho” considerada neste estudo foi a dor, a qual foi avaliada por meio da escala de faces e escala visual numérica, em disposição horizontal, de 100mm, sendo as faces sobrepostas aos números. A escolha desses instrumentos se deu pela simplicidade da aplicação e pelo fácil entendimento das crianças. Para tanto, ao assinalar a face e o valor conferido à dor sentida no momento, os participantes responderam à seguinte questão: “Olhando para estas faces (carinhas), qual você escolheria para representar a dor que está sentindo neste momento?”.


Em relação à intensidade da dor, foi considerada a primeira face e o número zero como ausência de dor, o número cinco e sua face correspondente como referência de dor moderada, e a última face e o número dez como a pior dor já sentida.


Dados demográficos incluindo idade, sexo, área total de superfície queimada, grau de lesão, etiologia da queimadura e uso de fármacos de manejo da dor foram coletados de pacientes e consultados no prontuário. Também foram registrados os dados relacionados à necessidade de medicamentos de resgate utilizados antes e durante o curativo e os efeitos colaterais relatados pelos participantes nos dias que a intervenção foi aplicada.


Também os pesquisadores registraram os relatos e as observações de comportamentos das crianças durante a troca de curativo e nos períodos em que a RV foi utilizada. Ainda, a diversão foi avaliada através das expressões faciais, das reações e dos gestos das crianças durante o tratamento. E, após o término da intervenção, foi questionado se elas haviam se divertido.


A coleta de dados foi realizada em duas etapas. Na primeira etapa, as crianças e seus responsáveis foram convidados a participarem da pesquisa; após aceitarem, foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (para os responsáveis) e Termo de Assentimento (para as crianças). Após a assinatura, os dados sociodemográficos e as características da queimadura foram coletados. Também, os responsáveis e as participantes receberam orientações acerca do funcionamento do equipamento e da manipulação.


Na segunda etapa, foi aplicada a intervenção e realizada a avaliação da dor, por meio da escala numérica e de fases, a qual foi utilizada em três momentos: imediatamente antes do curativo, durante o curativo (ao utilizar a RV) e imediatamente após o fechamento do curativo (sem a RV). Ainda, nesta etapa foram realizadas as observações e anotações sobre as demais variáveis.


A segunda etapa foi repetida por três dias, sempre que houve troca de curativo, que dependeu da necessidade de permanência da cobertura escolhida pela equipe assistencial. Nessas etapas, estiveram presentes a pesquisadora principal e a equipe de enfermagem, composta por técnicos de enfermagem e um enfermeiro.


Os dados foram organizados e digitados no Programa Excel da Microsoft Windows® e processados e analisados no programa SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20.0 for Windows (IBM SPSS, Champaign, IL, USA). Foram realizadas análises descritivas, a partir das pontuações de intensidade avaliada nos três momentos e comparadas com o número de locais atingidos pela queimadura e uso da RV.


Em relação aos aspectos éticos, para garantir o anonimato dos participantes, será utilizada a palavra “criança” seguida de um número. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local e do hospital, sob número CAAE: 43559215.6.0000.0121 e foi submetido ao Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos sob número REQ 4498.


 


RESULTADOS


Fizeram parte do estudo cinco crianças, entre 10 e 13 anos, com idade média de 10 anos, sendo duas crianças do sexo feminino e três do sexo masculino (Tabela 1).


 



 


A terapia com RV foi aplicada durante três dias, sendo consecutivos ou alternados, dependendo da rotina de troca de curativo e da cobertura escolhida para o tratamento, resultando no total de 15 aplicações da intervenção, ou seja, os óculos de RV foram utilizados três vezes em cada paciente. Os resultados apresentados das medidas de dor, obtidos por meio da aplicação da escala numérica e de faces, levaram a 45 medidas de intensidade da dor.


No primeiro dia de aplicação da RV houve uma média de dor de 4,6 antes da realização do curativo, 7,6 durante e média de 2 após a realização. Já no segundo dia de intervenção, a média de dor antes do curativo foi 4, durante a realização foi 6,4 e após a média de 3,2. No terceiro e último dia houve redução em todas as medidas, a média de dor antes do curativo foi de 1,2, já durante o curativo foi de 3,4 e após 0,2. Os resultados também demonstraram que as médias de dor durante a realização do curativo foram reduzindo ao longo dos dias de intervenção.


No Gráfico 1 observa-se a intensidade dolorosa ou o número de locais atingidos (eixo vertical) em relação a cada participante do estudo (eixo horizontal), representado pelos números 1, 2, 3, 4 e 5. Dessa forma, é possível observar que a criança que apresentou maior número de locais atingidos pela queimadura e, consequentemente, maior superfície corporal queimada – SCQ (sete locais e 53% de SCQ), manifestou dor em maior intensidade (criança 1).


 




Gráfico 1 - Avaliação de intensidade da dor no primeiro dia de tratamento com a realidade virtual e o número de locais do corpo atingidos pela queimadura. Florianópolis/SC, Brasil, 2017.

 


Em todas as avaliações de dor no primeiro dia da utilização da RV, observa-se que, com exceção da criança 4, houve uma redução da dor imediatamente após a finalização do curativo e imediatamente após deixar de utilizar a RV (Gráfico 1).


No segundo dia de avaliação, foi possível observar que duas crianças (identificadas como 2 e 3) apresentaram pouca variação na intensidade dolorosa antes e durante o curativo, com o uso da RV. E, imediatamente após a finalização do procedimento, todas apresentaram redução da dor (Gráfico 2).


 




Gráfico 2 - Avaliação de intensidade da dor no segundo dia de tratamento com a realidade virtual e o número de locais do corpo atingidos pela queimadura. Florianópolis/SC, Brasil, 2017.

 


No terceiro dia de avaliação da intensidade da dor com a utilização da RV durante a realização da troca de curativos, observou-se que, com exceção da criança 1, todas as demais apresentaram menores picos de dor, se comparado com os dias anteriores.


Ainda, quatro crianças (identificadas com o número 2, 3, 4 e 5) apresentaram aumento de 2 pontos na escala da dor, comparando o antes e durante (independentemente do número de locais atingidos) e apenas uma apresentou maior dor. Destacase, também, que a criança 5 manteve a intensidade dolorosa durante e após o uso da RV (Gráfico 3).


 




Gráfico 3 - Avaliação de intensidade da dor no terceiro dia de tratamento com a realidade virtual e o número de locais do corpo atingidos pela queimadura. Florianópolis/SC, Brasil, 2017.

 


Quanto à utilização de medicações, cabe ressaltar que as crianças receberam os fármacos de acordo com a prescrição médica e protocolos do CTQ. Todos os participantes receberam analgesia farmacológica entre 30 minutos e uma hora antes do início do curativo. A Morfina® foi utilizada em quatro crianças e o Tramal® em uma. Ademais, quanto à utilização de medicamentos de resgate durante o curativo com o uso da RV, apenas uma criança necessitou utilizar Tramal® durante a realização da balneoterapia.


Em relação às expressões e reações das crianças e à aceitabilidade do tratamento, observou-se que durante a aplicação da RV houve diminuição das expressões de dor e de posturas de proteção ou esquiva durante a realização dos curativos. Foi necessário prestar atenção para a necessidade de medidas de proteção, uma vez que os participantes apresentavam comportamentos inesperados, tais como, movimentos de distintas partes do corpo, em resposta aos estímulos das imagens em 3D, evidenciando-se imersão no mundo virtual. Tais respostas se repetiram no decorrer de cada aplicação e nas três aplicações (três dias distintos). Além disso, as crianças e seus responsáveis aceitaram com facilidade participar do estudo e as crianças manifestaram aprovação sobre o uso da RV como forma de distração no momento da troca de curativo.


A respeito dos relatos verbais e efeitos colaterais, constatou-se que os participantes gostaram das imagens tridimensionais e não houve relato a respeito da preferência por algum dos programas disponibilizados (simulador de montanha russa, zoológico e ambiente marinho). Entretanto, foi possível identificar que um participante relatou tontura durante o simulador de montanha russa, não sendo motivo de descontinuidade de uso; porém, foi necessário trocar este simulador pelo do mundo marinho.


Destacam-se como facilidades encontradas durante a aplicação da RV as relacionadas ao espaço ocupado pelo equipamento e para a sua aplicação, o qual se restringia aos óculos, nos quais o celular era acoplado e que poderiam ser utilizados em qualquer ambiente da unidade de queimados. E, quanto às facilidades relacionadas ao equipamento, destacamse a praticidade de deslocamento do equipamento, por ser pequeno, leve e de fácil instalação, e a facilidade para o acesso aos programas, os quais possuem downloads gratuitos e uma vez baixados no celular, não requerem o acesso à Internet.


As dificuldades encontradas durante a aplicação dos óculos de RV estão relacionadas à necessidade de proteção, devido ao possível contato com água durante a balneoterapia. Ainda, as crianças com queimaduras na face e no pavilhão auricular não poderiam fazer uso dos óculos e a utilização do equipamento em distintos momentos e distintos pacientes dependerá da duração da bateria do celular reprodutor das imagens em 3D.


 


DISCUSSÃO


A utilização da RV neste estudo trouxe resultados semelhantes a outros achados, principalmente em relação aos benefícios em reduzir a dor aguda durante o curativo e na dor residual13,14. Também houve resultados positivos associados à diminuição da necessidade de analgésicos de resgate.


Em relação ao momento escolhido para realizar a intervenção, optou-se por utilizar a RV durante a troca de curativo, já que este é considerado um momento doloroso e reflete no surgimento de alterações psicológicas como transtornos de estresse póstraumáticos, ansiedade e depressão6.


Nos pacientes queimados, a sensação dolorosa é consequência da perda da integridade tecidual e das intervenções realizadas durante o tratamento, como os curativos diários, desbridamentos e enxertias. Sabe-se que, quanto maior a extensão da queimadura, maior a sensação dolorosa e que queimaduras mais superficiais (1º e 2º grau) tendem a ser mais sensíveis a estímulos dolorosos6,15.


Com isso, notou-se que, no presente estudo, a criança 1, que tinha um maior número de locais atingidos pela queimadura (sete locais) e queimaduras de primeiro, 2º e 3º graus, apresentou dor em maior intensidade, principalmente durante a troca de curativo, nos três dias da intervenção. Também se observou que as crianças 1 e 5 foram as únicas que relataram pontuação máxima de dor (10) durante o curativo, e ambas apresentaram maior SCQ (53% e 15%, respectivamente). Dessa forma, pode-se inferir uma possível associação entre a extensão da queimadura, a profundidade e a intensidade da dor manifestada pelas crianças.


Sobre a avaliação dos efeitos da RV, com a realização deste estudo piloto se identificou a necessidade de aumentar as medidas de dor, estabelecer o momento de iniciar a intervenção e adicionar parâmetros clínicos (frequência cardíaca e saturação de oxigênio) para a obtenção de medidas objetivas que podem sofrer alterações com a influência da dor e medidas de distração. Essa importância foi demonstrada em resultados de estudos prévios para associar com mais precisão a relação da RV com a intensidade dolorosa, capacidade de distração e menor alteração desses parâmetros clínicos16,17.


Apesar de este estudo apresentar limitações metodológicas, como a amostra reduzida, poucas variáveis e ausência de análises estatísticas inferenciais e, por isso, não poder gerar generalizações nem avaliar as reais relações entre a utilização da RV e a diminuição da dor, percebeu-se que o uso da terapia com os óculos tridimensionais foi benéfico. Houve pouca variação na intensidade dolorosa antes e durante o curativo, com o uso da RV.


Esses resultados são semelhantes a outros estudos realizados com crianças queimadas que utilizaram a terapia de RV17,18. E, além da redução da intensidade dolorosa, não houve picos de dor durante os três dias de uso da RV. Resultados semelhantes também foram relatados em estudo randomizado que contou com a participação de 22 pacientes adultos queimados13.


Ainda, percebeu-se que, mesmo após três dias de utilização, a RV continuou reduzindo a dor. Resultados semelhantes são encontrados em outros artigos, que associam a continuidade dos efeitos da RV com a capacidade de envolvimento, distração e diversão dos programas e jogos de RV7,8. Entendeu-se que não caberia neste estudo estabelecer relações causais, tampouco descartar a cicatrização da ferida como um fator importante associado à melhoria da dor e da ansiedade.


O uso da RV aliada ao uso de analgésicos apresenta resultados promissores na redução da dor. Além disso, a utilização da RV diminui a necessidade de medicamentos de resgate, como observados neste estudo, e de aumento de doses e associação de outros analgésicos ao longo do tratamento8,10,11.


Com a observação dos pesquisadores, foi analisado o envolvimento das crianças com os jogos tridimensionais. Sabe-se que quando o paciente tem acesso ao recurso de RV durante um estímulo doloroso há menor ativação das áreas do Sistema Nervoso Central responsáveis pela dor. Ainda, quanto mais envolvente for o recurso de RV maior será a distração e imersão e, consequentemente, as áreas cerebrais são menos ativas, resultando em menor intensidade de dor, estresse e ansiedade9.


Além das observações e dos relatos de imersão, de distração e diversão, não ocorreram efeitos colaterais importantes que pudessem impossibilitar a continuidade do tratamento com os óculos. Apenas uma criança relatou tontura durante a utilização da RV; porém, não foi possível identificar se a causa da reação adversa esteve associada ao jogo simulador de montanha russa, à dor decorrente do curativo ou ao efeito adverso do medicamento utilizado.


Em relação às facilidades encontradas, destaca-se principalmente a aceitação das crianças em usar os óculos de RV, visto que não perderam o interesse ao longo dos dias de tratamento. Esse fator é importante em futuras aplicações e implicações da intervenção nos estudos e prática clínica, com boa aceitação e tolerância dos pacientes e dos profissionais envolvidos.


 


CONCLUSÕES


A realidade virtual imersiva pode ser considerada um método de fácil utilização, por ser pequeno, leve e de simples instalação, com boa aceitação pelos pacientes e que promove melhoria da dor em crianças vítimas de queimaduras durante procedimentos dolorosos.


A inserção de mensuração de outras variáveis que podem afetar a recuperação da criança e que tenham relação com a dor, como os sinais vitais e a saturação de oxigênio, poderão contribuir com a avaliação da eficácia da intervenção.


Como limitações do estudo, destaca-se que por se tratar de um teste piloto, foi composto de uma amostra pequena, por isso, os resultados são limitados, capazes de inferir mas não afirmar a relação da RV e da dor. Assim, futuros estudos considerando o tempo de coleta de dados deste estudo, bem como as variáveis escolhidas para avaliar a eficácia da intervenção, devem ser realizados em vítimas de queimaduras.


 


REFERÊNCIAS


1. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS/DATASUS. Informações de Saúde Epidemiológicas e Morbidades. Internações segundo região. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [acesso 2019 Abr 19]. Disponível em: //www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0203


2. Costa GOP, Silva JA, Santos AG. Profile of clinical and epidemiological burns: evidence for nursing care. Ciênc Saúde. 2015;8(3):146-55. DOI: 10.15448/1983- 652X.2015.3.21360


3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada. Cartilha para Tratamento de Emergência das Queimaduras. Brasília: Ministério da Saúde; 2012 [acesso 2019 Fev 6]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_tratamento_emergencia_queimaduras.pdf


4. Tashjian VC, Mosadeghi S, Howard AR, Lopez M, Dupuy T, Reid M, et al. Virtual Reality for Management of Pain in Hospitalized Patients: Results of a Controlled Trial. JMIR Ment Health. 2017;4(1):e9.


5. Kaheni S, Rezai SM, Bagheri-Nesami M, Goudarzian AH. The Effect of Distraction Technique on the Pain of Dressing Change among 3-6 Year-old Children. Int J Pediatr. 2016;4(4):1603-10.


6. Oliveira CP, Souza CJ, Gouveia SML, Carvalho VS. Controle da dor em crianças vítimas de queimaduras. Rev Saúde. 2013;7(3/4):56-64.


7. Faber AW, Patterson DR, Bremer M. Repeated use of immersive virtual reality therapy to control pain during wound dressing changes in pediatric and adult burn patients. J Burn Care Res. 2013;34(5):563-8. DOI: 10.1097/BCR.0b013e3182777904


8. Silva A, Machado R, Simões V, Carrageta MC. Virtual reality therapy and the burn patient: reduction of pain in the wound care - A integrative literature review. Rev Bras Queimaduras. 201514(1):35-42.


9. Small C, Stone R, Pilsbury J, Bowden M, Bion J. Virtual restorative environment therapy as an adjunct to pain control during burn dressing changes: study protocol for a randomised controlled trial. Trials. 2015;16:329. DOI: 10.1186/s13063-015-0878-8


10. Scapin S, Echevarría-Guanilo ME, Boeira Fuculo Junior PR, Gonçalves N, Rocha PK, Coimbra R. Virtual Reality in the treatment of burn patients: A systematic review. Burns. 2018;44(6):1403-16. DOI: 10.1016/j.burns.2017.11.002


11. Atzori B, Hoffman HG, Vagnoli L, Messeri A, Grotto RL. Virtual reality as distraction technique for pain management in children and adolescents. In: Advanced Methodologies and Technologies in Medicine and Healthcare. 4th ed. Hershey: IGI Global; 2019 [acesso 2019 Jun 13]. Disponível em: htpp://doi.org/10.4018/978-1-5225-7489-7.ch038


12. Souza VD, Driessnack M, Mendes IAC. Revisão dos desenhos de pesquisa relevantes para enfermagem. Parte 1: desenhos de pesquisa quantitativa. Rev Latino Am Enferm. 2007;15(3):502-7 DOI: 10.1590/S0104-11692007000300022


13. Parker M, Delahunty B, Heberlein N, Devenish N, Wood FM, Jackson T, et al. Interactive gaming consoles reduced pain during acute minor burn rehabilitation: A randomized, pilot trial. Burns. 2016;42(1):91-6. DOI: 10.1016/j.burns.2015.06.022


14. Hua Y, Qiu R, Yao WY, Zhang Q, Chen XL. The Effect of Virtual Reality Distraction on Pain Relief During Dressing Changes in Children with Chronic Wounds on Lower Limbs. Pain Manag Nurs. 2015;16(5):685-91. DOI: 10.1016/j.pmn.2015.03.001


15. McGarry S, Elliott C, McDonald A, Valentine J, Wood F, Girdler S. Paediatric burns: from the voice of the child. Burns. 2014;40(4):606-15. DOI: 10.1016/j.burns.2013.08.031


16. Hoffman HG, Patterson DR, Carrougher GJ. Use of virtual reality for adjunctive treatment of adult burn pain during physical therapy: a controlled study. Clin J Pain. 2000;16(3):244-50.


17. Won AS, Bailey J, Bailenson J, Tataru C, Yoon IA, Golianu B. Immersive Virtual Reality for Pediatric Pain. Children (Basel). 2017;4(7):52. DOI: 10.3390/children4070052


18. Scapin SQ, Echevarría-Guanilo ME, Fuculo Junior PRB, Martins JC, Barbosa MV, Pereima MJL. Use of virtual reality for treating burned children: case reports. Rev Bras Enferm. 2017;70(6):1291-5. DOI: 10.1590/0034-7167-2016-0575











Recebido em 12 de Agosto de 2021.
Aceito em 31 de Julho de 2023.

Local de realização do trabalho: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Florianópolis, SC, Brasil.

Apoio financeiro: Esse estudo contou com financiamento Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.
Número do comitê de ética: 43559215.6.0000.0121.


© 2024 Todos os Direitos Reservados