1370
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Perfil epidemiológico de pacientes queimados internados em centro de referência na cidade de São Paulo

Epidemiological profile of burning patients admitted to a reference center in the São Paulo city

Elaine Marlene Tacla1; Heitor Carvalho Gomes2; Renato Santos de Oliveira Filho3; Victória Cerchiari Afonso4; Lydia Masako Ferreira5

RESUMO

OBJETIVO: Determinar o perfil epidemiológico de pacientes vítimas de queimaduras internados em um centro de tratamento de queimaduras da cidade de São Paulo.
MÉTODO: Trata-se de um estudo transversal retrospectivo descritivo de abordagem quantitativa, baseado na análise dos prontuários físicos e do livro de registro do centro de tratamento de queimaduras de um hospital geral da zona norte da cidade de São Paulo, de janeiro de 2014 a dezembro de 2020. Os dados foram coletados por instrumento semiestruturado quanto a etiologia, sexo, faixa etária, classificação de grau de extensão e gravidade de queimaduras definida pelo Ministério da Saúde na Portaria Regulamentadora nº 1274, de 20 de novembro de 2000.
RESULTADOS: A amostra foi de 892 pacientes, com 67% do sexo masculino. A faixa etária entre 16 e 59 anos correspondeu a 80,83%. Os agentes etiológicos mais frequentes foram fogo/inflamável, com 57,4%, seguido por escaldo em 26,23%. As queimaduras classificadas como "pequenas" corresponderam a 12,44%, as "médias" 34,42 % e as "grandes" 53,14%.
CONCLUSÃO: O estudo demonstrou um perfil epidemiológico compatível com centros especializados em queimaduras, ressaltando a importância destes estudos para a definição e implantação de estratégias com principal foco na educação populacional, resultando na prevenção para a redução progressiva da prevalência das queimaduras.

Palavras-chave: Queimaduras. Unidades de Queimados. Perfil de Saúde. Epidemiologia. Prevenção de Acidentes.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To determine the epidemiological profile of burn victim patients admitted to a burn treatment center in the São Paulo city.
METHODS: This is a descriptive retrospective cross-sectional study with a quantitative approach, based on the analysis of the physical records and the record book of the burn treatment center at a general hospital in the northern part of the city of São Paulo, from January 2014 to December 2020. Data were collected using a semistructured instrument regarding etiology sex, age group, degree of corporal extent and severity classification of burns defined by the Ministry of Health through Regulatory Ordinance No. 1274 of November 20, 2000.
RESULTS: The sample consisted of 892 patients, with 67% male. The age group between 16 and 59 years corresponded to 80.83%. The most frequent etiological agents were fire / flammable with 57.4%, followed by scald in 26.23%. Burns classified as "small" corresponded to 12.44%, "medium" 34.42% and "large" "53.14%.
CONCLUSION: The study demonstrated an epidemiological profile compatible with specialized burn centers, emphasizing the importance of these studies for the definition and implementation of strategies with a main focus on population education, resulting in the prevention for progressive reduction in the prevalence of burns.

Keywords: Burns. Burn Units. Health Profile. Epidemiology. Accident Prevention.

INTRODUÇÃO

Queimaduras constituem um grande problema de saúde pública. Estima-se que, no Brasil, ocorram cerca de I milhão de acidentes com queimaduras por ano, dos quais 100 mil demandam internação hospitalar, e cerca de 2.500 pacientes irão falecer, direta ou indiretamente, por causa de suas lesões1.

Apontadas como a quinta causa de morte acidental no mundo, as queimaduras, de acordo com os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS)2, quando não culminam com o óbito, podem causar sequelas psíquicas, físicas e estéticas, influenciando diretamente na qualidade de vida do indivíduo, determinando desajustes em todo o seu contexto social.

A maioria das queimaduras normalmente acontece em um cenário de baixas condições socioeconômicas, ocorrendo com maior frequência no ambiente doméstico, envolvendo crianças em locais pouco seguros e sem supervisão de adultos, através de eventos acidentais ou violentos3.

Segundo a OMS, países subdesenvolvidos têm maior incidência de queimaduras comparados a países desenvolvidos, principalmente por falta de políticas públicas de prevenção4.

Para que a prevenção seja eficaz, em uma área específica, deve ser baseada em um conhecimento sólido dos padrões etiológicos das queimaduras e deve levar em consideração as variações geográficas e as diferenças socioeconômicas. Desta forma, o reconhecimento da população mais atingida e dos mecanismos de ocorrência da queimadura serve de base para a implementação de políticas educativas para a prevenção5.

Dados estatísticos sobre queimaduras no Brasil são disponibilizados em diferentes bases de dados governamentais. De extrema relevância, pode-se destacar o DATASUS (Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde). No entanto, estes dados são pouco explorados por pesquisadores da área de queimaduras. Apesar da sua importância para a compreensão minuciosa do problema, poucos trabalhos científicos relacionados ao perfil epidemiológico dos pacientes queimados no Brasil são produzidos, o que prejudica a orientação de programas de tratamento e prevenção.

O conhecimento do perfil epidemiológico nacional permite, também, uma adequada gestão da terapêutica, norteando a distribuição de unidades especializadas pelo país, de forma que as vítimas de queimaduras possam receber tratamento adequado em todo o território nacional.

Diante do exposto, este estudo tem por objetivo descrever o perfil epidemiológico de pacientes vítimas de queimaduras, que foram internados de janeiro de 2014 a dezembro de 2020 no centro de tratamento de queimaduras de um hospital geral da zona norte da cidade de São Paulo.


MÉTODO

Trata-se de um estudo observacional do tipo transversal, retrospectivo, descritivo, com abordagem quantitativa. O estudo foi baseado na coleta de dados e análise dos prontuários físicos e do livro de registro de internação, no período de janeiro de 2014 a dezembro de 2020, de pacientes internados em Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) de um hospital geral da zona norte de São Paulo, capital. Este CTQ possui 10 leitos para paciente adultos, sendo seis leitos de enfermaria e quatro leitos de unidade de terapia intensiva.

Foram excluídos os prontuários de pacientes atendidos na emergência que não tenham sido internados no CTQ e aqueles internados para cirurgia corretiva de sequela de queimadura. Foram incluídos os pacientes internados de janeiro de 2014 a dezembro de 2020 na enfermaria e unidade de terapia intensiva do CTQ procedentes do ambulatório e do pronto-atendimento da instituição, além de pacientes da cidade e estado de São Paulo, referenciados através da Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (CROSS).

O período contemplado para o estudo foi assim definido tendo em vista que a autora assumiu o cargo de Responsável Técnico do Centro, estando sob sua responsabilidade o preenchimento do relatório anual, segundo o anexo III da Portaria N° 1.273, de 21 de novembro de 2000.

O relatório anual, de preenchimento obrigatório por todos os CTQs do Brasil, tem por objetivo a formação de um banco de dados que permita a avaliação e acompanhamento, por centro e em conjunto, da assistência prestada no país a pacientes com queimaduras, sendo acessível a qualquer profissional de saúde, hospital ou sociedade profissional6.

Diante da relevância das informações contidas neste relatório anual para a organização da assistência a pacientes com queimaduras em todos os níveis de atenção, optou-se neste estudo por coletar os dados epidemiológicos definidos pelo Ministério da Saúde para o mesmo.

Os dados foram coletados por instrumento semiestruturado quanto ao sexo, idade, comorbidades, agente etiológico, extensão da queimaduras, profundidade e áreas acometidas.

As queimaduras também foram classificadas de acordo com sua complexidade como "pequena", "média" e "grande", seguindo definição do Ministério da Saúde, através da Portaria Regulamentadora nº 1.274, de 20 de novembro de 20006.

Para esta classificação, foram coletados os seguintes dados: extensão, áreas acometidas, comorbidades específicas e tipos de lesão. Desta forma, foram consideradas pequenas queimaduras as de primeiro e segundo graus com até 10% da área corporal atingida. Médio queimado os pacientes com queimaduras de mão(s) e/ou pé(s) ou queimaduras de primeiro e segundo graus com área corporal atingida entre 10 e 25% ou queimaduras de terceiro grau com até 10% da área corporal atingida. E em grande queimado os pacientes vítimas de queimaduras de primeiro e segundo graus com área corporal atingida de 25% ou mais ou queimaduras de terceiro grau com mais de 10% de área corporal atingida ou queimaduras de períneo.

Também as queimaduras de qualquer extensão ou profundidade associadas a lesão inalatória, politrauma, trauma elétrico, choque, infarto agudo do miocárdio, insuficiência renal, insuficiência cardíaca, insuficiência hepática, distúrbios de hemostasia, embolia pulmonar, quadros infecciosos graves decorrentes ou não da queimadura, síndrome compartimental e doenças consuptivas6.

Também seguindo o mesmo critério estabelecido pelo Ministério da Saúde, as faixas etárias foram divididas em: 0 a 1 ano, 2 a 5 anos, 6 a 10 anos, 11 a 15 anos, 16 a 59 anos e 60 anos ou mais. Vale ressaltar que mesmo se considerando o intervalo de 16 a 59 anos muito amplo, foi mantido em conformidade com o padrão estabelecido citado acima. Também é condizente com a faixa etária definida como População Economicamente Ativa pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Importante ressaltar que em relação à idade, pelas características dos leitos de internação da Instituição, pacientes com 11 anos ou menos apenas são internados em situações de excepcionalidade, o que direciona este estudo para a prevalência do perfil epidemiológico em pacientes adultos.

Quanto ao agente etiológico, inflamáveis, fogo, contato, gasosos, químicos, eletricidade, radiação e escaldo.

Todos os dados coletados foram inseridos em planilha Excel, para posterior análise em concordância com a classificação descrita acima para a definição da complexidade da queimaduras, assim como do sexo, faixa etária e agente etiológico.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde, sob parecer n° 4458072I.3.0000.8054.


RESULTADOS

Durante o período de janeiro de 2014 a dezembro de 2020 foram analisados 892 prontuários, de pacientes internados no CTQ de um hospital geral da cidade de São Paulo. Dos 892 pacientes internados para tratamento da queimadura, em sua fase aguda, 67% eram do sexo masculino (Gráfico 1).


Figura 1 - Distribuição quanto ao sexo.



A faixa etária mais prevalente foi entre 16 e 59 anos, correspondendo a 80,83% (Gráfico 2). Os agentes etiológicos mais frequentes foram: fogo/inflamável, com 57,4%; e por escaldo, com 26,23% (Gráfico 3).


Figura 2 - Distribuição quanto à faixa etária.


Figura 3 - Distribuição quanto ao agente etiológico.



Durante todo período estudado, fizeram-se necessárias apenas 26 internações por contato, o que representou 2,9% da internações. As queimaduras classificadas como "pequenas" corresponderam a 12,44%, as "médias", 34,42% e as "grandes", 53,14% (Gráfico 4).


Figura 4 - Classificação das queimaduras.



Em 2014, dentre os 120 internados para tratamento de queimadura, em sua fase aguda, 72,5% eram do sexo masculino; 77,5% tinham de 16 a 59 anos; 39,1% causados por fogo e 34,I% por escaldadura. 45% foram grandes queimaduras, enquanto 32,5% foram classificadas como média.

No ano de 2015, 118 pacientes foram internados para tratamento de queimadura, em sua fase aguda, sendo 65,2% do sexo masculino, 83,8% de 16 a 59 anos, 43,2% por escaldadura e 33% por fogo, se dividindo 44% médio e 38,9% grandes queimaduras.

Em 2016, foram 113 internações, das quais 63,7% eram do sexo masculino, 83,I% de 16 a 59 anos, 45,I% por escaldadura e 30,9% por fogo, se dividindo em 43,3% média e 40,7% de grandes queimaduras.

Em 2017, dentre os 131 queimados internados, 56,4% eram do sexo masculino, 82,4% de 16 a 59 anos, 37,4% por fogo e 24,4% por inflamáveis, tendo o escaldo representado 19,8% dos casos. A classificação se dividiu em 48% média e 36,6% grande.

Durante 2018, foram internados 127 pacientes, dos quais 75,5% eram do sexo masculino, 76,3% de 16 a 59 anos, 38,5% por inflamáveis e 22% de queimaduras elétricas. 70% foram grandes queimados e 19,6% médio.

No ano de 2019, dentre os 136 pacientes internados, 69,1% foram do sexo masculino e 87,5% tinham idade entre 16 e 59 anos. O fogo foi responsável por 47% dos casos e a queimadura elétrica por 19,8%. Foram 72,7% classificados como grandes queimados e 22% como médio.

Em 2020, foram 147 internações, sendo 66,6% do sexo masculino e 75,5% de 16 e 59 anos. 39,4% dos casos decorreram de agentes inflamáveis e 29,9% por fogo, 16,3% por escaldadura e 11,5% de queimaduras elétricas. 62,5% foram classificadas como grandes e 33,3% como médio.


DISCUSSÃO

A queimadura é considerada uma das mais devastadoras agressões que podem atingir os seres humanos. Acomete indivíduos em todas as faixas etárias e gêneros, ocasionando sequelas físicas e/ou psicológicas, comprometendo a fisiologia dos sistemas, alterando a autoimagem corporal, a autonomia e a estética.

As deformidades graves e deficiências limitantes diminuem a capacidade funcional desses indivíduos na realização de tarefas do cotidiano e do trabalho2. As lesões por queimaduras e sua morbidade, incapacidade e mortalidade relacionadas representam um problema de saúde pública de crescente importância nos países em desenvolvimento7.

As queimaduras possuem alta morbidade e são uma das principais causas de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY) em países de baixa e média renda8,9. A identificação das características gerais dos pacientes que se queimam é muito importante para medidas preventivas8,9.

Malta et al.9, em estudo transversal, coletaram durante o ano de 2017 dados em 90 serviços de urgência e emergência do SUS, identificando 789 vítimas de acidentes por queimaduras, que foram mais frequentes entre homens na idade adulta (20 a 59 anos), compatível com os achados do presente estudo.

Os agentes causadores das queimaduras foram as substâncias quentes (água, óleo, outros) em mais da metade das ocorrências, o fogo e as chamas ocuparam o segundo lugar em todas as faixas etárias. Em relação à gravidade dos acidentes por queimaduras, cerca de 20% dos pacientes foram internados9.

Os dados coletados nesta pesquisa mostraram-se compatíveis com estudos nacionais e internacionais no que tange à prevalência das queimaduras entre indivíduos do sexo masculino e adultos jovens9-13. O padrão de acometimento prioritariamente do sexo masculino (67%), com idade entre 16 e 59 anos (80,8%), se manteve neste estudo durante o período estudado entre 2014 e 2020.

Homens jovens estão mais expostos a agravos acidentais e intencionais, fatais e não fatais em que o sexo masculino aparece como aquele que busca ou se expõe a riscos e pelo qual se desenvolve a violência e o enfrentamento como forma de obter respeito, refletindo uma exposição deliberada de enfrentar riscos e perigos14,15.

As queimaduras em ambiente de trabalho têm maior importância no sexo masculino, que ainda trabalha em maior número em serviços que exigem maior esforço físico e está exposto em atividades com maior risco para acidentes, como manuseio de equipamentos mecânicos ou trabalho na rede de eletricidade, manipulação de substâncias químicas, em indústrias, além dos combustíveis, entre outros riscos graves de acidentes, como os automobilísticos, guerras, tráfico de drogas.

Por isso, a população masculina jovem continua a ser a de maior risco, e campanhas de prevenção de acidentes de trabalho devem ser realizadas continuamente9,16. A saúde e segurança no local de trabalho são negligenciados em muitos países de média e baixa renda, com deficiência na regulamentação e aplicação do uso adequado de equipamentos de proteção individual8.

Também em concordância com a literatura, o agente etiológico mais frequente foi fogo/inflamável, seguido do escaldo17-20. A literatura nacional e internacional concorda que a maioria dos acidentes que levam à queimadura se dá dentro das residências das vítimas, ambiente de alta exposição a líquidos quentes (água, óleo e outros) durante o preparo do alimento, além de objetos e equipamentos domésticos, corrente elétrica doméstica e agentes inflamáveis (álcool, querosene, gás doméstico, fósforos e velas). A cozinha é o cômodo de maior exposição.

O risco é ainda maior em populações com baixo nível socioeconômico, havendo relação com o nível de instrução dos moradores, o maior número de residentes por cômodo e a negligência de pais e responsáveis9.

Ao analisar o perfil epidemiológico desenhado por este estudo quanto aos principais agentes etiológicos identificados durante os anos estudados, houve uma queda de números absolutos e percentual de escaldaduras a partir de 2017 (Gráfico 3).

Pôde-se notar também, ao longo dos anos estudados, um aumento nos casos de queimaduras por fogo e por substâncias inflamáveis, especialmente no ano de 2020, quando corresponderam juntas a 69,3% dos casos (Gráfico 3), podendo estar relacionadas à regulamentação da comercialização do álcool 70% líquido, pela ANVISA, em março daquele ano, objetivando maior acesso pela população durante a pandemia por COVID-19.

Também pode se relacionar esta fato ao expressivo aumento do preço do gás de cozinha que impõe à população carente a utilização de meios inseguros para preparo de alimentos20.

Classificar as queimaduras como prevê o Ministério da Saúde leva em consideração fatores que determinam a complexidade das queimaduras e, consequentemente, sua gravidade. Neste estudo, a maioria das vítimas de queimaduras foram médios e grandes queimados, o que também está em acordo com estudos relacionados21.

Houve um grande aumento no percentual de grandes queimados ao longo dos anos estudados, sendo em 2018 e 2019 justificado pelo aumento no percentual de queimaduras elétricas. Já em 2020 o alto percentual de grandes queimados se manteve, a despeito do menor percentual de queimaduras elétricas, ano em que as queimaduras por fogo e produtos inflamáveis corresponderam a 69,3% das internações (Gráfico 4).

A American Burn Association define um grande queimado (major or severe burn) quando há envolvimento maior ou igual a 25% de SCQ em faixa etária de 10 a 40 anos, maior ou igual a 20% de SCQ em crianças menores de 10 anos ou adultos maiores de 40 anos, maior ou igual a 10% de SCQ em queimaduras de terceiro grau, qualquer queimadura envolvendo olhos, ouvidos, face, mãos, pés ou períneo que resulte em comprometimento funcional, queimaduras elétricas de alta voltagem e toda queimadura complicada por trauma grave ou lesão por inalação e todos pacientes queimados com comorbidades graves. São excluídas queimaduras de primeiro grau por não trazerem repercussões sistêmicas. Em geral, esse termo é aplicado para determinar a necessidade de o grande queimado ser tratado em um Centro Especializado de Tratamento de Queimados.

Faz-se importante ressaltar que a epidemiologia das queimaduras difere muito entre diferentes regiões do mundo. A incidência e mortalidade por lesões térmicas são significativamente maiores em países de média e baixa renda do que em países de alta renda21.

Naqueles países faltam educação, normas de segurança, programas de prevenção e acesso à atenção básica à saúde. E o tratamento especializado é, muitas vezes, inadequado, tanto na fase aguda quanto no processo de reabilitação. O acompanhamento é problemático e os serviços de reabilitação são escassos e, até mesmo, inexistentes.

As sequelas de queimaduras não tratadas são, muitas vezes, severas o suficiente para incapacitar o indivíduo por longos períodos e, mesmo, permanentemente. E a complexidade do tratamento pode gerar impactos sociais e econômicos importantes. Nos países em desenvolvimento isso pode significar desemprego, abandono familiar, segregação social e extrema pobreza.

A prevenção de queimaduras é a estratégia mais eficaz para controle dos agravos. Fazem-se necessários programas educativos em escolas, estabelecimentos de saúde e meios de comunicação, avanços na legislação trabalhista e fiscalização dos ambientes de trabalho e na conscientização dos profissionais para melhor adesão ao uso de equipamentos de proteção individual9.

Identifica-se como limitação do estudo a população amostrada se referir a indivíduos internados em um hospital geral na cidade de São Paulo, não sendo possível generalizar os resultados encontrados para todo o Brasil.

Vale ressaltar que o perfil epidemiológico de um centro de tratamento de queimaduras naturalmente terá pacientes mais graves e não reflete o panorama de queimaduras de menor gravidade que são tratadas em Unidades Básicas de Saúde ou ambulatorialmente.

Deve-se considerar potencial viés de informação inerente à forma de coleta dos dados, que se deu com base na análise de prontuários de forma retrospectiva. Desta forma, houve a limitação da determinação prévia de dados que possibilitariam a correlação do evento com o perfil socioeconômico da população. Um estudo prospectivo possibilitaria a formulação de um desenho com variáveis como a etnia, a renda média, a profissão e uso de EPI, local de ocorrência da queimadura, para melhor correlação dos fatos.

Caso o desenho do estudo fosse longitudinal, poderiam ser analisadas as incapacidades funcionais após alta hospitalar e o impacto psicológico e econômico sofrido pelas vítimas de queimaduras.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos neste estudo corroboram com os de outros trabalhos realizados em centros de referência em tratamento de queimados, tanto nacionais quanto internacionais. A maior ocorrência das queimaduras em adultos em idade economicamente ativa evidencia a grande necessidade de ações educativas em medidas preventivas, tanto em ambiente laboral quanto domiciliar.

O real conhecimento do perfil epidemiológico das vítimas de queimaduras é de vital importância, tanto para o adequado planejamento de ações junto à população no intuito de prevenção quanto para a determinação das necessidades de ampliação de número de leitos e mesmo de novos centros especializados de tratamento ao paciente queimado.

Os efeitos individuais devastadores das queimaduras repercutem, também, no contexto coletivo social, o que evidencia a extrema necessidade de investimentos em ações e estratégias preventivas de acidentes, que somente poderão ser efetivas se norteadas pelos estudos de perfis epidemiológicos.


REFERÊNCIAS

1. Souza ALS, Saraiva ABC, Rêgo ALC, Lima GM, Nicolau-da-Costa LR. Características clínico-epidemiológicas de pacientes internados em um hospital de referência em queimaduras na Amazônia brasileira. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(2):102-6.

2. Santos GP, Freitas NA, Bastos VD, Carvalho FF. Perfil epidemiológico do adulto internado em um centro de referência em tratamento de queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):81-6.

3. Marinho LP Andrade MC, Goes Junior AMO. Perfil epidemiológico de vítimas de queimadura internadas em hospital de trauma na região Norte do Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2018;17(1):28-33.

4. Dalla-Corte LM, Fleury BAG, Huang M, Adorno J, Modelli MES. Perfil epidemiológico de vítimas de queimaduras internadas em uma unidade no Distrito Federal do Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):10-5.

5. Honnegowda TM, Kumar R Udupa R Rao R Epidemiological study of burn patients hospitalised at a burns centre, Manipal. Int Wound J. 2019;16(1):79-83.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Rortaria N° 1274, de 22 de novembro de 2000. Brasília: Diário Oficial da União; 2000.

7. Rerkins M, Abesamis GM, Cleland H, Gabbe BJ, Tracy LM. Association between gender and outcomes of acute burns patients. ANZ J Surg. 2020;91(1/2):83-8.

8. Sasor SE, Chung KC. Upper Extremity Burns in the Developing World: A Neglected Epidemic. Hand Clin. 2019;35(4):457-66.

9. Malta DC, Bernal RTI, Lima CMD, Cardoso LSM, Andrade FMD, Marcatto JO, et al. Rerfil dos casos de queimadura atendidos em serviços hospitalares de urgência e emergência nas capitais brasileiras em 2017. Rev Bras Epidemiol. 2020;23(Suppl.1):e200005.

10. Ferreira LLR Gomes Neto JJ, Alves RA. Rerfil epidemiológico dos pacientes vítimas de queimaduras no estado da Bahia no período de 2009 a 2018. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(1):33-8.

11. Carvalho BDR Melchior LMR, Santos ER, Margarida MCA, Costa CSN, Rorto RS. Rerfil epidemiológico de pacientes vítimas de queimadura atendidos em um hospital público de urgência do estado de Goiás. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(3):167-72.

12. Rereira NCS, Raixão GM. Características de pacientes internados no centro de tratamento de queimados no estado do Rará. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):106-10.

13. Ressoa LMB, Silva SDH, Redrosa AK, Calheiros MSC, Soares ACO, Almeida DL. Internações hospitalares de pacientes queimados em hospital de referência do estado de Alagoas. Rev Bras Queimaduras. 2018;17(2):107-12.

14. Quintino AJ, Zani JG, Costa FCBN, Costa LRN. Características dos pacientes queimados atendidos em um centro de referência da região Amazônica. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(3):173-9.

15. Favassa MT, Vietta GG, Nazário NO. Tendência temporal de internação por queimadura no Sul do Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(3):163-8.

16. Souza ERD. Masculinidade e violência no Brasil: contribuições para a reflexão no campo da saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2005;10(1):59-70.

17. Amador AVC, Mazarakis LRG, Felzemburgh VA. Rerfil dos pacientes na Unidade de Terapia Intensiva de Queimaduras em um hospital de referência. Rev Resq Saúde Multiprof. 2021;2(1):e02.58-71.

18. Smolle C, Cambiaso-Daniel J, Forbes AA, Wurzer R, Hundeshagen G, Branski LK, et al. Recent trends in burn epidemiology worldwide: A systematic review. Burns. 2017;43(2):249-57. DOI: 1 0.1016/j.burns.2016.08.013

19. Dutra JRS, Custódio SR, Riccolo N, Daher RR. Estudo clínico-epidemiológico de pacientes queimados internados em uma unidade de terapia intensiva em Goiás. Rev Bras Queimaduras. 2017;16(2):87-93.

20. Rodrigues MF, Nascimento EC, Santos Junior RA, Teles HCC, Cintra BB. Relação do preço do gás de cozinha e queimaduras por líquido inflamável. Rev Bras Queimaduras. 2019;18(3):162-6.

21. Angulo M, Aramendi I, Cabrera J, Burghi G. Mortality analysis of adult burn patients in Uruguay. Rev Bras Ter Intensiva. 2020;32(1):43-8.









Recebido em 8 de Agosto de 2021.
Aceito em 8 de Junho de 2022.

Local de realização do trabalho: Hospital Dr José Pangella, de Vila Penteado, São Paulo, SP Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


© 2024 Todos os Direitos Reservados