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Editorial

Reflexões sobre a segurança do paciente no contexto da prevenção de infecções em queimaduras

Reflections on patient safety in the context of infection prevention in burns

Danielle de Mendonça Henrique, Cintia Silva Fassarella, Flávia Giron Camerini

O tratamento do paciente grande queimado envolve internação por longos períodos em centros especializados e inúmeros procedimentos. Os serviços de saúde, como os Centros de Tratamento de Queimados (CTQ), são sistemas complexos, em que vários fatores podem contribuir para que este ambiente possa ser considerado inseguro.

O ambiente hospitalar, de maneira geral, expõe os pacientes a riscos substanciais, que podem ocasionar eventos adversos (EA), definidos como incidentes que resultam em dano ao paciente. Estima-se que a ocorrência de EA atinge cerca de 4,0% a 16% dos pacientes hospitalizados, mobilizando sistemas de saúde mundiais para a "redução do risco de danos desnecessários relacionados com os cuidados de saúde, para um mínimo aceitável". Na prática os EA podem ser evitados, e a adoção barreiras para a redução de sua probabilidade de ocorrência visa reduzir custos assistenciais e morbimortalidade dos pacientes1,2

No contexto dos pacientes queimados, um evento adverso evidente, devido às suas características fisiopatológicas e vulnerabilidades, são as infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) e, consequentemente, a resistência microbiana. A infecção é um grande desafio para os profissionais da equipe multiprofissional, exigindo uma clara compreensão de como e por que ocorrem para que possam ser prevenidas, controladas e seu tratamento ancorado nas melhores evidências científicas.

A queimadura provoca uma ruptura na solução de continuidade tissular, ocasionando um desequilíbrio entre a microbiota normal e o tecido sadio, tornando-o vulnerável à colonização de microrganismos endógenos e exógenos patogênicos, favorecendo as infecções. Além desta condição, os pacientes queimados possuem maior grau de imunossupressão devido à própria fisiopatologia da injúria térmica, sendo a infecção a principal causa de morbimortalidade entre esses pacientes1.

Outros fatores relacionados ao paciente queimado que podem potencializar o risco de infecção incluem extremos de idade, presença de comorbidades, fatores de gravidade da queimadura (como extensão e profundidade), procedimentos cirúrgicos, uso de dispositivos invasivos (ventilação mecânica, cateter vesical de demora ou cateter venoso central), limpeza e desinfecção ambiental, entre outras medidas de prevenção e controle de infecção relacionada à assistência à saúde.

Considerando a melhoria de qualidade no cuidado, que produz, direta ou indiretamente, melhores resultados de saúde, faz-se necessário incorporar elementos técnicos ancorados em evidências científicas, mas, principalmente, interações com profissionais de saúde, que estão à beira leito e se encontram mais próximos aos problemas cotidianos dos serviços de saúde.

Os centros de tratamento de queimados (CTQ) devem reconhecer as IRAS como um problema e recomenda-se o monitoramento de indicadores de vigilância epidemiológica das IRAS como orientadores para gestão dos serviços, uma vez que podem aumentar os dias de internação e, consequentemente, elevam ainda mais os custos hospitalares com os pacientes queimados.

O planejamento de ações de melhoria com base na análise de indicadores pode ser considerado uma estratégia relevante na redução de infecções nos CTQs. Outra estratégia como o feedback oportuno e regular dos indicadores, como as taxas de IRAS, também pode influenciar na implementação e aderência às medidas de prevenção e controle de infecções2.

A implementação de estratégias de prevenção de IRAS depende de mudanças comportamentais da equipe multiprofissional. Um estudo que avaliou o impacto da implementação de um bundle com boas práticas de prevenção e controle de infecções de feridas por queimaduras associadas à assistência à saúde em uma unidade de queimados, com ênfase em intervenções de enfermagem, evidenciou que implementação dos bundles foi eficaz, com redução da incidência de IRAS e sepse na unidade estudada3.

O fortalecimento de uma cultura de segurança do paciente positiva é um passo fundamental na melhoria da qualidade assistencial em centros de tratamento de queimados. Um estudo com o objetivo avaliar a cultura de segurança em unidades de tratamento de queimados na perspectiva dos profissionais de saúde, aplicando o questionário Hospital Survey on Patient Safety Culture, evidenciou que as médias dimensionais mais baixas e mais altas foram relacionadas à dimensão não punitiva ao erro (média: 12,36%) e à dimensão trabalho em equipe dentro dos departamentos (média: 73,25%), respectivamente. Quase metade dos participantes (49,3%) relatou nível de segurança do paciente aceitável em seu local de trabalho e 69,5% deles não relataram nenhum erro nos últimos 12 meses anteriores ao estudo4 5 1 2 3 6.

Dada a grande vulnerabilidade dos pacientes com queimaduras em ambientes clínicos, a melhoria da cultura da segurança do paciente, principalmente na dimensão da resposta não punitiva ao erro, é essencial para estimular os profissionais de saúde a notificar seus erros e, assim, potencializar a segurança do paciente. Defende-se que, para a prestação de cuidados de qualidade e mitigado de infecções, os profissionais de saúde em unidades de tratamento de queimados precisam de um local de trabalho seguro, necessitam de um suporte gerencial adequado, carecem de uma cultura de segurança livre de culpa e demandam de um incentivo à notificação para relatar prontamente seus erros.

Vamos juntos!


REFERÊNCIAS

1. D'Abbondanza JA, Shahrokhi S. Burn Infection and Burn Sepsis. Surg Infect (Larchmt). 2021;22(1):58-64.

2. Giroti ALB, Ferreira AM, Rigotti MA, Sousa AFL, Frota OF? Andrade D. Hospital infection control programs: assessment of process and structure indicators. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03364.

3. Mcwilliams TL, Twigg D, Hendricks J, Wood FM, Ryan J, Keil A. The implementation of an infection control bundle within a Total Care Burns Unit. Burns. 2021;47(3):569-75.

4. World Alliance For Patient Safety Drafting Group, Sherman H, Castro G, Fletcher M; World Alliance for Patient Safety, Hatlie M, et al. Towards an International Classification for Patient Safety: the conceptual framework. Int J Qual Health Care. 2009;21(1):2-8.

5. Bates DW Singh H. Two Decades Since To Err Is Human: An Assessment Of Progress And Emerging Priorities In Patient Safety. Health Aff (Millwood). 2018;37(11):1736-43.

6. Moghimian M, Farzi S, Farzi K, Tarrahi MJ, Ghasemi H, Jafari F et al. Patient safety culture in burn care units from the perspectives of healthcare providers: across-sectional study. J Burn Care Res. 2021:irab208.

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