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Fator de crescimento transformador beta 3 e a melhora macro e microscópica de cicatrizes: Uma revisão bibliográfica

Transforming growth factor beta 3 and the improvements of macro and microscopic scarring: A bibliographic review

Gabrielly Rodrigues Paniago1; lasmin Barbosa Proto Cabral2; Henrique Cézar Cruvinel Filho3

RESUMO

OBJETIVO: Esclarecer sobre a eficácia, a segurança e os mecanismos de ação do fator de crescimento transformador beta 3 (TGF-β3) recombinante humano (avotermina) na melhora macro e microscópica do processo de cicatrização.
MÉTODO: Revisão bibliográfica nas bases de dados PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde, com buscas entre abril de 2019 e julho de 2020. Foram encontrados 15 artigos pela Biblioteca Virtual em Saúde e 122 pelo PubMed. Aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão, definiu-se como amostra final deste estudo um rol de 19 artigos.
RESULTADOS: Os estudos analisados demonstraram que a avotermina ocasionou melhora estatisticamente significativa de cicatrizes, em uma ampla faixa de doses, quando administrada no momento da lesão e, novamente, 24 horas mais tarde. Foram descritas melhor restituição epidérmica e organização dérmica mais semelhante à da pele original, com um perfil de segurança favorável. Os mecanismos de ação da droga incluem influências nas vias de sinalização, transcrição e transdução de genes/proteínas; redução das citocinas pró-inflamatórias e das populações de monócitos e macrófagos na ferida; maior migração aleatória de fibroblastos; maior migração de células epiteliais; expressão aumentada nas moléculas de remodelação da matriz extracelular; além de redução dos níveis de miofibroblastos, fibronectina e excessos de coláge-nos.
CONCLUSÃO: Mediante o comprovado papel-chave do TGF-β3 no reparo tecidual, os estudos revisados apoiam que, num futuro próximo, será possível modificar o curso de uma cicatrização profilaticamente e, assim, causar impacto físico e psicológico positivo nos pacientes utilizando a avotermina.

Palavras-chave: Cicatrização. Fator de Crescimento Transformador beta3. Epiderme. Derme.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To clarify the effectiveness, safety, and mechanisms of action of the transforming growth factor beta 3 (TGF-β3) human recombinant (avotermin) in the macro and microscopic improvement of scaring.
METHODS: This study was carried out through a bibliographic review in PubMed and Biblioteca Virtual em Saúde databases, with searches between April 2019 and July 2020. Fifteen articles were found by Biblioteca Virtual em Saúde and 122 by PubMed. Applying the inclusion and exclusion criteria, a list of 19 articles was defined as the final sample of this study.
RESULTS: The studies analyzed showed that avotermin caused a statistically significant improvement in scars, in a wide range of doses, when administered at the time of the injury and, again, 24 hours later Better epidermal restitution and a dermal organization more similar to that of the original skin have been described, with a favorable safety profile. The drugs mechanisms of action include influences on signaling, transcription and transduction of genes/proteins; reduction of pro-inflammatory cytokines and monocyte and macrophage populations in the wound; greater random migration of fibroblasts; greater migration of epithelial cells; increased expression in the extracellular matrix remodeling molecules; in addition to reduced levels of myofibroblasts, fibronectin and collagen excess.
CONCLUSION: Through the proven key role of TGF-β3 in tissue repair, the reviewed studies support that, in the near future, it will be possible to modify the course of a healing prophylactically and, thus, have a positive physical and psychological impact on patients using avotermin.

Keywords: Wound Healing. Transforming Growth Factor beta3. Epidermis. Dermis.

INTRODUÇÃO

Os múltiplos fatores moleculares e celulares relacionados ao reparo tecidual culminam em um espectro de desfechos que vão desde a restauração da pele normal até a formação de cicatrizes1,2, que, por sua vez, podem expressar-se, simplesmente, como uma fina linha hipocrômica ou desenvolver aspectos severamente desfigurantes1-3 causando morbidade física e significativos efeitos psicológicos adversos, que impactam negativamente na qualidade de vida2-5.

Tais sequelas incluem desde a restrição de funções, prurido intenso e dor até distúrbios do sono, ansiedade, depressão, interrupção das atividades diárias, desenvolvimento de reações de estresse pós-traumático, perda da autoestima e estigmatização6.

O resultado ideal para a cura de uma ferida, seja ela resultante de queimadura, trauma ou cirurgia, é a restauração completa da pele normal, em sua arquitetura, força e função. Entretanto, em mamíferos adultos, o processo de cura de uma lesão envolve, na maioria das vezes, a produção de tecido cicatricial, predominantemente composto por fibronectina e fibras de colágeno tipo I e III3,7,8.

A ampla gama de fenótipos possíveis abre espaço para que um grande grupo demográfico de pacientes, independentemente do gênero, idade ou etnia, exiba preocupações e insatisfações sobre suas cicatrizes e tanto eles quanto seus médicos assumem ter o desejo de melhorar a aparência dessas marcas1,2,6-8. Querem cicatrizes menos visíveis, com cores e texturas que mais se assemelham à pele normal e consideram que mesmo pequenas melhorias já são significativas3,5,6,8.

Numa pesquisa sobre o impacto das cicatrizes com 97 pacientes, 88% revelou ter pelo menos uma cicatriz que desejava que fosse menos perceptível ou mais parecida com a pele ao redor e, ainda, mais da metade (57%) dos entrevistados concordou que faria o possível para reduzir as cicatrizes3,8.

A insatisfação abrange não apenas as cicatrizes que ocorrem em locais mais expostos do corpo, mas recai também sobre as marcas nos sítios menos visíveis2,7,8. A preocupação do paciente no que tange às suas cicatrizes é influenciada pela aparência objetiva da marca, pela técnica cirúrgica utilizada e pela sensibilidade do próprio paciente7,8.

Diversos tratamentos vêm sendo utilizados no manejo de cicatrizes, tais como vitamina E, corticosteroides, bleomicina, fluorouracil, verapamil, hidrogel, lasers fracionários não ablativos, lasers ablativos e ablativos fracionados, laser pulsado de corante (PDL), fita flurandrenolida, imiquimod, extrato de cebola, silicone, roupas de pressão, massagem, injeções de esteroides, dermoabrasão e procedimentos cirúrgicos2,4,7,9.

Infelizmente, muitas dessas abordagens são desconfortáveis e/ou onerosas, requerem o comprometimento do paciente e têm eficácia limitada, necessitando de repetidas tentativas de manejo. Além disso, a longo prazo, as opções atualmente utilizadas na prática clínica podem associar-se a efeitos colaterais indesejados e muitas não foram avaliadas em ensaios clínicos randomizados prospectivos e suficientemente robustos1,2,5,7,8.

O alto nível de insatisfação com as terapias atuais é refletido pelo grande número de pacientes que são submetidos a cirurgias de revisão de cicatrizes, estimado em mais de 150 mil por ano nos Estados Unidos5,7. Cerca de 84 milhões de pacientes por ano, nos EUA e União Europeia, passam por procedimentos que se beneficiariam de uma terapia para melhorar a aparência da cicatriz4.

Nenhum protocolo de tratamento é universalmente adotado como padrão na abordagem de cicatrizes8. Como faltam grandes estudos prospectivos que demonstrem a eficácia das terapias disponíveis, não há uma definição consistente de critérios padronizados. Somado a isso, a grande heterogeneidade entre as cicatrizes gera dificuldade de interpretação e comparação dos dados dos estudos existentes2,6,7.

Em contraponto à cicatrização vista em mamíferos adultos, muitas vezes de fenótipo insatisfatório, observou-se, durante experimentos para desenvolver um modelo cirúrgico de lábio leporino em fetos de camundongos e ovelhas, que as feridas na pele desses animais, feitas durante o primeiro terço ou até a primeira metade da gestação, evoluíam para a regeneração tecidual completa, sem formação de cicatrizes. Notou-se, ainda, que, após esse período determinado, havia uma transição na resposta às lesões, passando a ocorrer cicatrização semelhante àquela vista em mamíferos após o nascimento1,3,4,8.

Essa transição do reparo tecidual livre de cicatriz para a resposta com formação de tecido cicatricial é caracterizada por mudanças que envolvem, além do aspecto macroscópico, a organização da matriz extracelular (MEC). No embrião, a deposição dos feixes de colágeno na MEC dérmica ocorre em um aspecto de rede ou trama, semelhante ao da derme não lesionada, enquanto na cicatriz de adultos observa-se uma distribuição em paralelo2,7,8.

Analisando as diferenças nos mecanismos moleculares e celulares de reparo tecidual de embriões e adultos, focou-se a atenção para o papel-chave exercido pelas taxas de expressão das isoformas do fator de crescimento transformador beta (TGF-β), um fator morfogênico da pele sintetizado predominantemente por queratinócitos e fibroblastos1,3,10. Enquanto nas feridas de adultos, as taxas de TGF β1 e β2 são as mais elevadas, com a expressão de TGF-β3 emergindo numa fase posterior do processo de cicatrização; nas feridas embrionárias, o TGF-β3 é a isoforma predominante1,6-9,11,12.

Somado a isso, mais recentemente estudos sobre a mucosa oral de adultos - tecido caracterizado pelo rápido reparo tecidual e pela menor formação de cicatrizes - também demonstraram maior proporção de TGF-β3 para TGF-β1 em comparação com feridas dérmicas de outros sítios do corpo do mesmo indivíduo1,7.

Corroborando com essas descobertas, experimentos testaram que a adição de TGF-β1 exógeno num modelo de reparo sem cicatrização - como a do embrião - resulta em formação de cicatriz. Em contraponto, a adição de TGF-β3 exógeno ou de inibidores de TGF-β1 e β2 em feridas de adultos reduz a cicatrização subsequente143-15.

Coletivamente, os dados obtidos por esses estudos apoiam a hipótese de que as proporções das isoformas de TGF-β durante o processo de cicatrização precoce são determinantes do resultado e, ainda, que o TGF-β3, especificamente, teria o papel de modulador chave da resposta de cura1,6'16. Assim, estudos pré-clínicos in vitro e in vivo e ensaios clínicos com voluntários e pacientes vêm sendo realizados a fim de comprovar a eficácia e a segurança, bem como entender o mecanismo de ação do fator de crescimento transformador β3 recombinante humano, a avotermina1,9.

Este artigo foi desenvolvido com o objetivo de revisar e descrever o que há de mais atual sobre o papel do TGF-β3 recombinante humano (avotermina) na melhora macro e microscópica do processo de cicatrização, buscando esclarecer os aspectos que tangem à eficácia, à segurança e aos mecanismos de ação da droga.


MÉTODO

Este trabalho foi uma revisão bibliográfica de natureza qualitativa norteada pela questão de pesquisa: O uso do TGF-β3 recombinante humano pode levar a uma melhora macro e microscópica de cicatrizes?

A busca das produções científicas foi realizada no período compreendido entre abril de 2019 e julho de 2020 nas bases de dados National Library of Medicine (PubMed) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) aplicando-se a palavra-chave 'Avotermin". Foram encontrados 15 resultados pela BVS e 122 pelo PubMed.

Para a inclusão, os critérios utilizados foram: (1) artigos publicados nos idiomas inglês ou português nos últimos 15 anos, (2) que abordam a influência do fator de crescimento transformador beta 3 (TGF-β3) recombinante humano no processo cicatricial e com (3) resumos disponíveis nessas bases de dados. Utilizou-se como critério de exclusão: (1) artigos em duplicata.

Considerando os critérios de inclusão e exclusão, definiu-se, por fim, um rol de 19 artigos, que foram lidos integralmente e utilizados para a confecção de um resumo dos dados e evidências e de uma conclusão baseada no conhecimento adquirido pelo grupo.


RESULTADOS

A série de estudos em animais demonstrou que a injeção intradérmica de avotermina em ambas as margens de feridas cutâneas de ratos adultos culminou em uma redução da severidade visual das cicatrizes e em uma arquitetura dérmica aprimorada, incluindo um arranjo normal dos feixes de colágeno1,7,8,12. Tal via de administração foi selecionada porque a cicatrização da pele é mediada por células que se infiltram na ferida e células residentes localizadas nas margens da lesão4.

Constatou-se, em ratos, que a avotermina na faixa de doses entre 50 e 100ng/100µL/cm linear, administrada no momento da lesão e, novamente, após 24 horas, resultou em melhorias nas cicatrizes, em comparação com os controles1,3,4,6-8. Foi observado, ainda, que aplicações únicas da droga eram, em geral, menos eficazes e que, uma vez ultrapassado o limite de cinco aplicações, os efeitos benéficos eram perdidos, provavelmente em decorrência dos danos locais pelas repetidas injeções1.

Em relação à segurança da avotermina, ainda na fase de estudos pré-clínicos, encontrou-se, em um modelo de porcos, que mesmo em doses de 12 a 30 vezes superiores àquela prevista como eficaz para humanos, o composto foi bem tolerado e não causou adversidades nem sobre o fechamento da ferida, nem sobre a força de tensão da mesma. Nestes estudos, a droga apresentou baixa biodisponibilidade e nenhuma toxicidade sistêmica, comprovando sua ação localizada3,7,8.

Estudos investigando a injeção intravenosa (IV) de avotermina em modelos de rato, coelho e cão, projetados para avaliar os efeitos da droga sob condições extremas de 100% de biodisponibilidade, mostraram que o composto é rapidamente eliminado, com uma meia-vida plasmática variando de 25,5 a 40,6 minutos e que não apresenta evidência de acumulação sistêmica4.

A principal via de depuração dos TGF-βs parece ser através da ligação covalente a alfa 2-macroglobulina ativada seguida de efetivo metabolismo de primeira passagem hepático e excreção biliar, com liberação adicional pelos rins4.

Após a administração intradérmica em rato, coelho ou porco, a avotermina demonstrou ter biodisponibilidade mínima, com menos que 0,1% do material administrado atingindo a circulação sistêmica4,6. Além disso, estudos usando injeções intradérmicas de avotermina radiomarcada no porco demonstraram que a propagação máxima do local da aplicação é < 5mm4.

Em estudos investigando o uso prolongado da droga em aplicações diárias por longos períodos, houve alterações nos parâmetros bioquímicos e hematológicos e sinais de nefro e hepatotoxicidade em altas doses e/ou exposições significativamente longas (maior que 14 dias). Foram, então, determinados como nível livre de efeitos adversos 0,03µg/kg/dia por três meses (IV em ratos e cachorro) 4.

Num humano de 70kg, 0,03µg/kg/dia representaria 2,1µg/dia em aplicação intravenosa ou 2100µg/dia via intradérmica, considerando a biodisponibilidade sistêmica de 0,1% por essa via (2,1 x 1000). Num contexto clínico, supondo-se a aplicação intradérmica de 500ng/100µl/centímetro linear de margem da ferida, chegaríamos a um total de 1000ng/dia ou 1 µg/dia para cada centímetro de ferida (como avotermina será aplicada a ambas as margens da ferida). A dosagem de 2100µg/dia via intradérmica, isto é, o nível livre de efeitos adversos, seria suficiente, portanto, para uma ferida de 2100 cm (21 m) neste cenário4.

Já durante os estudos clínicos, em humanos, foram identificados vários fatores que podem influenciar na aparência das cicatrizes, como a idade, a etnia, o sexo, a localização anatômica da lesão e a habilidade do cirurgião2. Logo, para superar a variabilidade e heterogeneidade das cicatrizes, preferiu-se métodos de estudo que permitiam comparar o efeito da droga em relação ao placebo em pares de cicatrizes anatomicamente semelhantes, num mesmo paciente, de maneira a controlar aspectos genéticos e ambientais que possivelmente afetam a recuperação das feridas1, 3, 5, 7,10.

A evolução das cicatrizes foi medida por meio de uma variedade de métodos como a (1) avaliação holística por cirurgiões plásticos, dermatologistas e leigos, em uma Escala Analógica Visual de fotografias padronizadas e a (2) avaliação holística da cicatriz diretamente no indivíduo pelo examinador ou pelo próprio paciente1,17,18. Foram desenvolvidos e validados parâmetros concretos para a avaliação das cicatrizes, como vermelhidão, pigmentação, largura, altura/espessura, volume e área de superfície1,7.

Os resultados dos ensaios clínicos de fase I e II, corroborando com aqueles obtidos pelos estudos pré-clínicos, apoiam a administração de avotermina em duas ocasiões para uma eficácia ótima, sendo a primeira no momento da lesão e a segunda dose 24 horas mais tarde1,3-6,9-11,19. A droga, nos humanos, demonstrou melhora de cicatrizes estatisticamente significativa em uma ampla faixa de doses quando administrada duas vezes, com concentrações de 50 a 500ng/100JuL/cm linear de margem da ferida1,3-6,8,10.

Estudos mostraram que a avotermina na dose de50ng/100;UL/ cm linear de margem da ferida melhorou em 10% o aspecto de pelo menos um terço das cicatrizes avaliadas, comparativamente com os controles, em voluntários saudáveis com feridas incisionais de 1cm10. Contudo, as doses de 200 a 500ng/100JuL/cm linear, quando administradas no esquema de duas vezes, forneceram progresso de maior magnitude1,4,10,11,18.

A melhora significativa das variáveis foi relatada tanto em avaliações realizadas por um rol externo independente de leigos e clínicos quanto nos julgamentos feitos por investigadores, especialistas em cicatrização de feridas e histologistas treinados. E os benefícios foram demonstrados tanto a curto (desde a semana 6 após o ferimento) quanto a longo prazo (meses 6, 7 e 12 após o ferimento)3,8,10,18,19.

Apesar da melhora na aparência, um ensaio que testou a dose de 200ng/100JüL/cm linear aplicada em dois momentos (imediatamente e após 24 horas) não mostrou diferença, entre avotermina e placebo, na medição do volume da cicatriz em relação à linha de base. Contudo, esses são dados difíceis de interpretar, pois os volumes aumentados ou deprimidos foram medidos em relação à superfície da pele normal circundante por um software5.

Os benefícios macroscópicos da avotermina na cicatrização, constatados pelos estudos pré-clínicos e clínicos de fase I e II, são suportados pelas melhorias histológicas na arquitetura das cicatrizes. Foram descritas uma melhor restituição epidérmica e uma organização mais semelhante à original tanto na derme papilar quanto na reticular com o uso da avotermina3,5,7-9,19. Além disso, estudos indicaram que a avotermina intradérmica acelerou significativamente a redução da vermelhidão da cicatriz em comparação com os controles10.

As avaliações histológicas mostraram que a matriz extracelular na neoderme das feridas tratadas com avotermina a 50ng/100JuL/cm linear de margem da ferida se assemelhava mais à da pele normal circundante do que as feridas tratadas com placebo ou com doses subótimas de avotermina, o que sugere que o mecanismo de ação do TGF-β3 pode ser semelhante em seres humanos e animais, já que nos modelos de outras espécies demonstrou-se que a restituição da organização normal da matriz extracelular dérmica é promovida pelo TGF-β3 mediante os efeitos específicos da isoforma sobre a migração de fibroblastos10.

Por fim, sobre a segurança estimada para o TGF-β3 recombinante humano, demonstrou-se, a partir dos estudos, que a ocorrência de efeitos adversos locais teve incidências semelhantes àquelas desenvolvidas nas feridas tratadas com placebo. Ou seja, não há diferença entre a avotermina e o placebo nas taxas de infecção, deiscência, sangramento, formação de exsudato, dor e coceira1,2,6,17.

Eventos adversos locais, como prurido, queimação, dor, eritema e espessamento, são esperados durante a cicatrização normal da ferida e geralmente ocorrem em incidências semelhantes nos controles. Contudo, observou-se uma taxa mais alta de eritema e edema transitório nos locais das feridas que receberam as maiores concentrações de avotermina (predominantemente com 200 e 500ng/l00JüL por cm linear de margem da ferida)5,10.

Claramente, a administração de produtos biológicos, como fatores de crescimento, levanta questões sobre a segurança e o risco potencial de tumorigenicidade com esses agentes. Contudo, até o momento, não existem dados de estudos com avotermina aplicada a feridas que levantem questões sobre sua segurança nesse aspecto. Ademais, os indivíduos expostos à avotermina em ensaios clínicos são monitorados de perto enquanto são planejados estudos de suporte adequados para confirmar o perfil de segurança da avotermina e entender melhor a biologia específica do TGF-β313.


DISCUSSÃO

Após uma lesão cutânea, ocorre uma série de eventos moleculares e celulares dinâmicos e interativos entre si que resultam em uma sequência contínua de microambientes dentro da ferida. A modulação de grandes vias gera o reforço e a indução de certas sinalizações, expressões de genes e funções celulares, que culminam em alterações significativas nos microambientes sequenciais da ferida e, portanto, numa grande mudança na resposta final de reparo tecidual1.

Outras terapias que visam a melhora de cicatrizes já se mostraram capazes de modular o reparo tecidual a partir da família dos TGF-βs, incluindo a injeção intralesional de corticosteroides ou de toxina botulínica, que parecem inibir ou reduzir a expressão de TGF-β1, como relataram Ojeh et al.20 em sua revisão. Entretanto, o uso de TGF-83 recombinante humano profilaticamente desponta como uma promessa inovadora.

O TGF-β3, especificamente, demonstrou ser capaz de influenciar diversas etapas da cicatrização: atuando sobre a migração de fibroblastos e miofibroblastos para o sítio da ferida consegue favorecer o estabelecimento de um modelo de derme mais semelhante ao da pele normal e, ao estimular a expressão aumentada nas moléculas de remodelação da MEC (metaloproteinases), permite uma redução dos excessos de colágeno. Ademais, o TGF-β3 também possibilita maior migração de células epiteliais; leva a uma restauração mais rápida das interações epiteliais-mesenquimais e acelera tanto a angiogênese quanto a maturação da cicatriz1,5,11.

Este fator de crescimento, promovendo a redução das citocinas pró-inflamatórias e das populações de monócitos e macrófagos na ferida, consegue agir também sobre o processo de inflamação1,5,11. Sabe-se que, apesar de ser etapa fundamental para a conclusão do processo cicatricial, a fase inflamatória - quando não limitada - pode trazer grande prejuízo ao reparo tecidual, como destacado por Zhu et al.21. Contudo, outras terapias emergentes, como o ácido hialurônico, também influenciam diretamente na magnitude da resposta inflamatória, conforme citam Namazi et al.22.

Ao contrário do que comumente acontece no uso de produtos destinados a melhorar o resultado da cicatrização, em que se modula o fechamento da ferida atrasando-o ou reduzindo a força local, a administração de TGF-β3 demonstrou acelerar a cicatrização enquanto aumenta a força do tecido3,6. Todavia, como citaram Namazi et al.22 em sua revisão, não há correlação conhecida entre a velocidade e o grau de formação de cicatriz e isto é exemplificado pelas feridas na pós-menopausa, que fecham mais lentamente, porém com menor formação de cicatrizes em comparação com feridas no período pré-menopausa.

Outro elemento importante a ser discutido é a importância dos estudos pré-clínicos e clínicos no delineamento desta nova terapia. No que diz respeito aos testes com animais, a relevância dos seus resultados decorre do alto nível de homologia entre os receptores de TGF-β de humanos e outras espécies7. Os receptores do tipo I e II de TGF-βs, por exemplo, demonstram de 91 a 100% de identidade de sequência de aminoácidos entre humanos, cão, porco, rato e camundongo4, enquanto a sequência polipeptídica do próprio fator de crescimento TGF-β3 humano compartilha de 98% a 100% de identidade com esses animais3.

Tais estudos com animais foram de suma importância para otimizar a dose, a frequência e a formulação da avotermina, estabelecendo que é necessária a administração precoce da droga para que o composto influencie de fato as cascatas moleculares e celulares do reparo tecidual1,7. A aplicação da droga no momento do ferimento e 24 horas depois justifica-se pelo fato das cascatas iniciais de fatores de crescimento envolvidos na cicatrização de feridas serem desencadeadas imediatamente após a lesão, a partir da degranulação de plaquetas, pela liberação de TGF-β 1 e fator de crescimento derivado de plaquetas (PDGF)10.

Já sobre os estudos em humanos, o extenso programa de pesquisa clínica buscou otimizar a forma de administração da avotermina, os métodos de avaliação da evolução das cicatrizes e as estimativas de segurança da droga3,7. A série de estudos prospectivos, duplamente cegos e controlados por placebo em voluntários procurou investigar melhor os efeitos profiláticos, a segurança e a tolerabilidade da avotermina, além de determinar a frequência ideal de administração. Foram utilizados, para tanto, diferentes métodos de avaliação, a fim de desenvolver parâmetros regulatórios validados1,7.

Quanto aos métodos de avaliação, durante as análises sobre a evolução das cicatrizes, constatou-se diferenças entre os pareceres de leigos e especialistas. Embora ambos os grupos tenham classificado as cicatrizes tratadas com avotermina como melhores, em relação às que receberam o placebo, os leigos tenderam a observar mais diferenças entre as cicatrizes nos meses iniciais - até o quinto mês; ao passo que os pesquisadores pareciam mais sensíveis às diferenças nos estágios mais tardios do tratamento17.

McCollum et al.17 ressaltam que isto pode estar relacionado ao fato de que a análise da cicatrização inicial é influenciada pela vermelhidão e largura, que são mais facilmente notadas pelos leigos, enquanto na cicatriz mais envelhecida características como altura e volume são mais importantes. Ademais, as avaliações nos próprios pacientes, ao contrário do painel de fotografias padronizadas, permitiam aos examinadores palpar e visualizar a cicatriz de ângulos diferentes, o que pode ter gerado maior sensibilidade a características como textura e perfil, podendo também ter influenciado as análises.


CONCLUSÃO

O amplo espectro de fenótipos possíveis abre espaço para que muitos pacientes sintam-se insatisfeitos com suas cicatrizes e tentem, por meio de diversos métodos, melhorar o aspecto dessas marcas, muitas vezes submetendo-se a procedimentos desconfortáveis e onerosos.

As diferenças encontradas nos resultados do reparo tecidual de adultos e fetos de mamíferos despertou o interesse em descobrir o mistério molecular e celular por trás dos aspectos de uma cicatriz. Dentre as cascatas de eventos, vias de sinalização e diversos microambientes sequenciais de um processo cicatricial, uma família específica de proteínas chamou a atenção: o grupo de fatores de crescimento transformador beta.

A avotermina, forma recombinante humana do TGF-β3, foi submetida a variados estudos que, até o momento, validam sua eficácia e segurança. Os achados indicam a possibilidade de seu uso, num futuro próximo, como um protocolo de abordagem profilática capaz de reduzir os possíveis impactos funcionais e psicológicos causados por uma cicatrização inadequada.


PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES

- Evidenciar uma nova e promissora abordagem profilática para cicatrizes de pele;

- Preencher a falta de trabalhos no idioma português a respeito da eficácia da avotermina e seu impacto no processo de cicatrização;

- Elucidar a administração e os efeitos adversos da avotermina.


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Recebido em 26 de Março de 2020.
Aceito em 21 de Setembro de 2020.

Local de realização do trabalho: Faculdade de Medicina (Famerv), Universidade de Rio Verde (UNIRV), Rio Verde, GO, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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