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Relato de Caso

Reconstrução facial em paciente com sequelas graves de queimadura

Facial reconstruction in patient with severe burn sequelaes

Gabriela L. E. Schwartzmann1; Aneliza Vittorazzi1; Henrique C. Tardelli2; Jayme A. Farina Jr.3

RESUMO

Pacientes com graves sequelas de queimadura facial sao um desafio à cirurgia plástica reparadora, principalmente porque as áreas doadoras estao frequentemente comprometidas e os resultados em sua maioria sao limitados. O presente trabalho tem como objetivo apresentar o caso de um paciente submetido à reconstruçao complexa nasal e cervical, com melhora significativa do contorno facial e da qualidade de vida do paciente.

Palavras-chave: Queimaduras. Face. Nariz/cirurgia. Retalhos cirúrgicos.

ABSTRACT

Patients with severe facial burn sequelae are a challenge to reconstructive surgery mostly because donor areas are frequently compromised and results are often limited. This study presents a case of a patient that underwent a complex nasal and cervical reconstruction, with significant improvement of facial contour and quality of life of the patient.

Keywords: Burns. Face. Nose/surgery. Surgical flaps.

Queimaduras profundas faciais apresentam morbidade invariavelmente significante ao paciente, seja do ponto de vista estético, funcional ou emocional.

Nos casos em que há acometimento nasal mais profundo e extenso, a morbidade é ainda maior, e constitui um grande desafio à cirurgia plástica reparadora, pois as áreas doadoras muitas vezes estao comprometidas e os resultados em sua maioria sao limitados1,2.

Vários fatores influenciam na decisao quanto ao tipo de reconstruçao nasal, como a magnitude do defeito, disponibilidade de áreas doadoras locais ou distantes, diferenças de textura e coloraçao da pele da área reconstruída em relaçao aos tecidos adjacentes faciais e co-morbidades associadas.

As opçoes de tratamento disponíveis para a correçao de defeitos nasais sao: enxertia de pele, retalhos locais (associados ou nao a enxertia de pele e expansao tecidual), retalhos à distância, e, no caso de impossibilidade clínica ou cirúrgica, próteses nasais externas3-6.

As queimaduras da regiao cervical também sao de difícil conduçao cirúrgica, tanto para a realizaçao do desbridamento quanto para a enxertia de pele, e devem ser realizadas na fase aguda dentro da primeira ou segunda semanas após o trauma. Nos casos nao tratados precocemente, a maior probabilidade de sequelas graves de retraçao cicatricial é evidente e seu tratamento mais complexo.

Nesse trabalho apresentamos o caso de um paciente que demandou tratamento cirúrgico de sequelas graves de queimadura de face e pescoço e discutimos a elevada complexidade da reconstruçao nasal e cervical. Ressaltamos a importância da utilizaçao da microcirurgia reconstrutiva quando bem indicada.


RELATO DO CASO

Paciente JDLN, sexo masculino, 30 anos, procedente de Rondônia, com antecedente de queimadura em face, pescoço, tórax e membros superiores aos 17 anos de idade com óleo diesel, em uma explosao de motor de caminhao. Já havia sido submetido a diversas cirurgias em outro serviço, incluindo a fase aguda e correçao de algumas sequelas, sem, no entanto, fornecer registro detalhado de tais procedimentos. Foi encaminhado à Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto da Universidade de Sao Paulo para reconstruçao nasal.

Ao exame físico direcionado, apresentava toda a face com cicatrizes da queimadura prévia, com importante deformidade nasal por retraçao cicatricial e fibrose local. A ponta nasal apresentava-se sem projeçao ou sustentaçao e com desvio lateral esquerdo e deformidade de asas nasais especialmente à esquerda, onde havia um retalho naso-geniano prévio obstruindo o orifício narinário com estenose do mesmo (Figuras 1A, 1B e 1C). Nao havia comorbidades associadas.


Figura 1 - A, B e C: Pré-operatório da reconstruçao nasal. Notar a grave deformidade nasal e o mapeamento vascular da regiao frontal.



Idealizou-se a confecçao de retalho da regiao frontal para a cobertura e reconstruçao da ponta nasal. Foi realizado mapeamento das artérias desta regiao com ultrassom Doppler para programaçao cirúrgica. O exame foi realizado com transdutor linear de até 12 MHz, com ênfase no estudo dos pedículos vasculares da regiao frontal. As artérias supratrocleares e supra-orbitárias foram identificadas bilateralmente, sendo que a supratroclear direita foi considerada a de maior calibre e maior extensao, sendo possível acompanhá-la até cerca de 1 cm desde a sua emergência no rebordo orbitário superior. Os ramos frontais das artérias temporais superficiais também foram identificados e mapeados, com perviedade preservada e assimetria destes ramos com maior calibre do lado esquerdo (Figuras 1A, 1B e 1C).

Optou-se pela reconstruçao cutânea nasal com o retalho médio-frontal (indiano) com pedículo baseado na artéria supratroclear direita. Após a marcaçao do retalho frontal, com o paciente sob anestesia geral, foi realizada infiltraçao com soluçao de adrenalina 1:250.000 nas áreas a serem incisadas para a confecçao de dois retalhos de capotamento do dorso nasal para a reconstruçao do forro da ponta. Realizou-se incisao dorsal à direita (Figura 2A -marcaçao nasal em azul) com liberaçao suprapericondral da cartilagem alar direita. Para a correçao da asa nasal esquerda, que apresentava cartilagem alar atrésica, confeccionou- se um retalho nasogeniano esquerdo baseado medialmente com capotamento do mesmo para cavidade nasal esquerda, reconstruindo o forro nasal e posterior fechamento primário da área doadora (Figura 2A - marcaçao nasal marrom). Elegeu-se a concha auricular direita como regiao doadora de enxerto de cartilagem para reconstruçao alar esquerda segundo a técnica de Pereira et al.7 (Figura 2B). Foi dissecado o retalho médio-frontal em planos subcutâneo, subgaleal e subperiostal no sentido crâniocaudal, seguido de sua rotaçao em sentido horário para reconstruçao da cobertura cutânea nasal. A área doadora foi tratada com fechamento primário e uso de pequeno enxerto de pele em sua porçao cranial7-9 (Figura 2C).


Figura 2 - Aspecto intra-operatório. A: Notar retalhos de capotamento nasal à direita em marcaçao azul e à esquerda em marrom; B: Enxerto de cartilagem auricular posicionado para reconstruçao do arcabouço alar esquerdo; C: Retalho indiano já transposto.



Após três semanas, foi realizada a liberaçao do pedículo do retalho, com bom contorno nasal (Figura 3).


Figura 3 - Intra-operatório da liberaçao do pedículo do retalho indiano.



Após um ano, o paciente, satisfeito com a reconstruçao nasal, solicitou a correçao da sequela cérvico-mentoniana (Figuras 4A e 4B). Apresentava retraçao cicatricial esteticamente importante, mas com limitaçao funcional à extensao cervical. Propusemos ao paciente a possibilidade de um retalho antebraquial radial (chinês) microcirúrgico10,11.


Figura 4 - A e B: Pós-operatório de um ano de reconstruçao nasal e pré-operatório da reconstruçao cérvico-mentoniana.



Com base no defeito a ser criado após a liberaçao cicatricial cervical, planejou-se retalho de 16 x 5,5 cm no antebraço direito após mapeamento arterial com Doppler, preservando o pedículo artério-venoso radial distalmente (Figura 5). O procedimento foi realizado sob anestesia geral. O retalho foi incisado até a fáscia muscular, com dissecçao do pedículo fáscio-cutâneo radial distal (de fluxo reverso) e manutençao dos ramos perfurantes. A artéria e veia radiais se apresentavam com cerca de 1,5 mm de calibre, sendo realizada anastomose término-lateral no pedículo facial com nylon 10-0. O tempo de isquemia do retalho foi de 30 minutos.


Figura 5 - Marcaçao do retalho chinês microcirúrgico de fluxo reverso.



A área doadora do antebraço direito recebeu enxerto de pele parcial do couro cabeludo.

Na evoluçao houve pequena área de sofrimento distal do retalho, que foi posteriormente enxertada sem comprometimento funcional.

Houve grande melhora no perfil do paciente (Figura 6), que ficou extremamente satisfeito com o resultado das reconstruçoes nasal e cérvico-mentoniana, sentindo melhora em seu convívio social.


Figura 6 - Pós-operatório de 50 dias da reconstruçao cérvico-mentoniana.



DISCUSSAO

O tratamento cirúrgico do paciente queimado deve ser realizado preferencialmente na primeira ou segunda semana pós-queimadura profunda. A grande maioria dos casos na fase aguda pode e deve ser tratada com enxertia de pele, exceto quando estruturas nobres necessitem da cobertura com retalhos. As sequelas de queimadura demandam tratamento cirúrgico mais complexo, quando retalhos sao muitas vezes as indicaçoes mais apropriadas para o restabelecimento da funçao de um determinado membro ou articulaçao.

O uso de retalhos locais e microcirúrgicos constitui opçao de enorme valia na reconstruçao facial nos casos de graves sequelas de queimadura3,10. Na reconstruçao facial do paciente em questao, o uso de retalhos foi imprescindível para a melhora do contorno facial, como observado na literatura.

Para a reconstruçao nasal, optou-se pela confecçao do retalho médio-frontal (indiano), com pedículo baseado na artéria supratroclear direita. Tal opçao foi reforçada pela possibilidade de uso de pele de aspecto e textura semelhantes, menor morbidade e cicatrizes mais discretas (já localizadas em área queimada). Descartou-se a utilizaçao de retalho microcirúrgico pela dificuldade na reconstruçao do forro e asa nasais devido à maior espessura e volume final do mesmo.

Como nao havia relato sobre a profundidade da queimadura ou procedimentos prévios na regiao frontal, foram realizados identificaçao e mapeamento das artérias desta regiao com ultrassom Doppler para programaçao cirúrgica.

Como havia perda do arcabouço da ponta nasal, principalmente à esquerda, foram confeccionados dois retalhos de capotamento para a reconstruçao do forro e enxerto de cartilagem. A curvatura natural da concha auricular propiciou a reconstruçao alar esquerda de forma adequada7.

O uso do retalho antebraquial radial microcirúrgico na correçao da sequela cérvico-mentoniana foi especialmente escolhido, pois o antebraço direito também apresentava cicatrizes prévias de queimadura, possibilitando desta forma uma camuflagem da nova cicatriz resultante do fechamento da área doadora do retalho. Optou-se pelo fluxo reverso para nao haver maior exposiçao dos tendoes flexores no antebraço com possibilidades de aderências futuras.

Atualmente, as várias opçoes de retalhos microcirúrgicos contribuem significativamente para melhores resultados nas correçoes de sequelas estéticas e funcionais de queimaduras.

Por meio destas abordagens cirúrgicas complexas, notou-se significante melhoria estética e funcional para o paciente, que ficou extremamente satisfeito com o resultado das reconstruçoes nasal e cérvico-mentoniana, sentindo-se mais confiante no seu convívio social. Ressaltamos a necessidade de um acompanhamento prolongado no pós-operatório, pois os resultados variam com o tempo e cirurgias de revisao podem ser necessárias.


REFERENCIAS

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11. Chang SM, Hou CL, Zhang F, Lineaweaver WC, Chen ZW, Gu YD. Distally based radial forearm flap with preservation of the radial artery: anatomic, experimental, and clinical studies. Microsurgery. 2003;23(4):328-37.










1. Residente da Divisao de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia e Anatomia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - USP (HC FMRP - USP).
2. Médico Assistente da Divisao de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia e Anatomia do HC FMRP - USP.
3. Professor Doutor da Divisao de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia e Anatomia do HC FMRP - USP.

Correspondência:
Gabriela Lustri Eiras Schwartzmann
Av. Bandeirantes, 3900 - 9º andar
Ribeirao Preto, SP - CEP: 14049-900
E-mail: gabrielalustri@yahoo.com.br

Recebido em: 8/2/2010
Aceito em: 28/5/2010

Trabalho realizado na Divisao de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia e Anatomia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - USP, Ribeirao Preto, SP. Trabalho apresentado no 4º Congresso DESC da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, realizado em Sao Paulo, nos dias 4 e 5 de fevereiro de 2010.

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