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Cuidados locais com as feridas das queimaduras

Local treatment with burn injuries

Lídia A. Rossi1; Maria A. J. Menezez2; Natália Gonçalves3; Caroline L. Ciofi-Silva4; Jayme Adriano Farina-Junior5; Rosamary Aparecida Garcia Stuchi6

RESUMO

Objetivo: Oferecer conhecimentos que subsidiem o tratamento da queimadura na fase aguda. Método: Realizou-se revisao narrativa da literatura. Resultados: Descreve-se o cuidado da ferida, que implica manutençao da perfusao tissular e preservaçao dos tecidos viáveis, da ferida limpa e úmida, prevençao de infecçoes e proteçao contra traumas, promoçao da cicatrizaçao, mantendo a mobilidade e o funcionamento da parte afetada. A limpeza da ferida constitui passo essencial para um protocolo de tratamento de feridas eficaz. A limpeza das lesoes deve ser realizada com água corrente, com esponjas macias, a depender da gravidade da queimadura. Os banhos podem ser realizados por meio de chuveiro, duchas, tanques tipo banheira ou de turbilhamento, cadeiras especiais de banho e no leito. Houve consenso na literatura sobre a realizaçao de desbridamento em tecido necrótico, podendo ser autolítico, cirúrgico, enzimático, mecânico ou biológico. Os agentes tópicos utilizados para os curativos mais encontrados foram as associaçoes entre o sulfato de neomicina e bacitracina, acetato declostebol e sulfato de neomicina e a sulfadiazina de prata, ainda muito utilizada no Brasil. Conclusoes: Há muitos produtos destinados ao tratamento de feridas e sua utilizaçao deve seguir protocolos que visem a real contribuiçao para o processo de cicatrizaçao.

Palavras-chave: Queimaduras/enfermagem. Ferimentos e lesões. Bandagens.

ABSTRACT

Aim: To offer knowledge to support burn treatment in the acute phase. Methods: A narrative literature review was performed. Results: Wound care is described, which implies maintaining tissue perfusion, preserving viable tissue and a clean and moist wound, preventing infection, protecting against traumas, promoting healing and maintaining mobility and functioning of the affected part. Wound cleaning represents an essential step in an effective wound treatment protocol. Wounds should be cleaned with running water, using soft sponges, depending on the severity of the burn. Bathing can occur in showers, douches, bathtubs, whirlpool baths, special bath and bed chairs. Literature showed consensus about debridement in necrotic tissue, which can be autolytic, surgical, enzymatic, mechanic or biological. The most found topical agents used for dressings were associations between neomycin sulfate and bacitracin, clostebol acetate and neomycin sulfate and silver sulfadiazine, which is still frequently used in Brazil. Conclusions: Many products exist for wound treatment and their use should follow protocols with a view to effectively contributing to the healing process.

Keywords: Burns/nursing. Wound and injuries. Bandages.

Nos últimos anos, tem ocorrido um grande avanço no tratamento das queimaduras, resultando em maior índice de sobrevivência de pessoas com queimaduras graves. Entretanto, esse avanço vem acompanhado de maior ocorrência de sequelas importantes que podem interferir na qualidade de vida desses pacientes. Essas pessoas, muitas vezes, vivenciam situaçoes de desvantagem, em uma sociedade que valoriza o bom desempenho nos aspectos físico, econômico e social. Portanto, o tratamento deve ser integral, abordando nao só aspectos físicos de atençao ao paciente, mas também os aspectos emocionais e sociais, enfocando o indivíduo e a família.

O objetivo do primeiro cuidado ao paciente que sofreu queimaduras nao envolve a ferida diretamente, mas sim a manutençao da permeabilidade das vias aéreas, a reposiçao de fluídos e o controle da dor. Uma vez que a via aérea tenha sido restabelecida, a dor minimizada e o equilíbrio hemodinâmico mantido, ou que tenham sido implementadas açoes visando à prevençao de complicaçoes, pode-se iniciar o tratamento da ferida provocada pela queimadura.

O cuidado da ferida implica manutençao da perfusao tissular e preservaçao dos tecidos viáveis1. Inclui a manutençao da ferida limpa e úmida, prevençao de infecçoes e proteçao contra traumas, promoçao da cicatrizaçao, mantendo a mobilidade e funcionamento da parte afetada2. A imunizaçao antitetânica deverá ser avaliada e atualizada.

Fatores que interferem no processo de cicatrizaçao da queimadura, como extremos de idade, estado nutricional, presença de infecçao, doenças tais como diabetes mellitus e insuficiência vascular, ou traumas associados e tratamentos citotóxicos devem também ser considerados3. O objetivo final de todo cuidado das feridas provocadas pela queimadura é a cicatrizaçao em tempo oportuno, com complicaçoes mínimas4. O alcance desses resultados envolve, entre outros procedimentos, a limpeza e a realizaçao de curativos.

Esse estudo tem como objetivo oferecer conhecimentos que subsidiem o tratamento da queimadura na fase aguda.


MÉTODO

Esta investigaçao é uma revisao narrativa de literatura, a qual visa à introduçao de dados sobre determinado assunto. Os artigos de revisao narrativa sao publicaçoes amplas, apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico ou contextual. Constituem de uma análise da literatura publicada em livros, artigos de revistas impressas e/ou eletrônicas na interpretaçao e análise crítica pessoal do autor5.


RESULTADOS E DISCUSSAO

Como em qualquer tipo de lesao tecidual, após a ocorrência da queimadura, o organismo responde com uma série de eventos fisiológicos, numa tentativa de restabelecer a continuidade epitelial6. Entretanto, há necessidade de intervençoes para que o processo de reparaçao tecidual prossiga sem complicaçoes que possam retardá-lo, assim como manter a perfusao tecidual adequada e a integridade da pele em áreas nao queimadas7.

As queimaduras sempre foram consideradas contaminadas por estarem, frequentemente, contaminadas com sujidades do local de ocorrência da injúria, pela presença de colonizaçao imediata por microorganismos e pela rápida proliferaçao em decorrência da grande quantidade de tecido desvitalizado8. Daí a necessidade de técnicas meticulosas de limpeza das feridas e desbridamento de tecidos nao viáveis e demais condiçoes que propiciem um ambiente ideal para a reparaçao tecidual.

A limpeza da ferida constitui um passo essencial para um protocolo de tratamento de feridas ser eficaz. Deve ser realizada utilizando-se água corrente ou soluçao fisiológica aquecidas, para remover sujidades e tecidos desvitalizados soltos do leito da ferida. Para tanto, devem ser utilizados materiais macios, como esponjas e gazes, desde que nao haja prejuízo de tecidos viáveis (como tecido de granulaçao ou já epitelizados). Estudos demonstraram que as feridas esfregadas com esponjas grosseiras sao mais suscetíveis a infecçao do que aquelas em que se utilizam esponjas macias. Para limpeza de feridas provocadas por queimaduras pode-se tanto utilizar a soluçao salina quanto a água6. Para pacientes com queimaduras extensas, vários tipos de banho e equipamentos têm sido utilizados para limpeza das lesoes: chuveiro, duchas de várias intensidades, tanques tipo banheira ou de turbilhao, cadeiras especiais de banho e no leito.

Alguns fatores devem ser levados em conta na escolha do tipo de procedimento para limpeza das lesoes: idade dos pacientes, gravidade, porcentagem de superfície corporal queimada (SCQ), finalidade do procedimento, tolerância à atividade, presença de infecçao, disponibilidade de equipamento e necessidade de fisioterapia. Durante a limpeza das lesoes e banhos, o profissional fornece explicaçoes ao paciente sobre o procedimento realizado, providencia alívio de dor (analgésico 20 a 30 minutos antes), orienta sobre técnicas para controle da dor (por exemplo: imagem orientada) e permite que o paciente participe do cuidado o máximo possível. O profissional ainda deve limitar o tempo utilizado no procedimento, em relaçao à tolerância de dor e ao controle de temperatura do paciente9.

Quando a opçao for por duchas com diferentes intensidades de jatos de pressao da água ou por hidroterapia em tanques turbilhao, é preciso considerar que a variaçao da taxa de pressao de circulaçao da água e da quantidade de ar pode variar e provocar danos nos tecidos de granulaçao, maceraçao, bacteremia e impedir a migraçao de células epiteliais. A força da água gerada na superfície da ferida nao deve ser maior do que 6 psi - pounds per square inch10.

Visando evitar hipotermia, a temperatura da água deve ser mantida entre 36 a 39ºC. Essa temperatura promove a circulaçao na superfície da ferida. Com a finalidade de prevenir a depleçao de sódio, que pode ocorrer pela hidroterapia em tanques de imersao, deve-se manter o tempo de exposiçao em, no máximo, 20 a 30 minutos. Além do risco depleçao de sódio e perda de calor, a exposiçao prolongada pode levar a dor e ansiedade10.

Outra questao importante é o risco de infecçao cruzada entre pacientes que utilizam o mesmo tanque. Recentemente, tem sido proposto o uso da irrigaçao por pressao ou irrigaçao pulsátil (pulsed lavage) que se refere à irrigaçao sob pressao fornecida por um dispositivo. Esse método tem sido aplicado por meio da utilizaçao de dispositivos que fazem uma irrigaçao ou aspiraçao de tecidos da lesao10. Entretanto, o seu uso em lesoes extensas necessita ser cuidadoso, e estudos comparativos precisam ser realizados, para que possam ser estabelecidos protocolos com base em evidências científicas em relaçao ao emprego desses equipamentos.

O uso da hidroterapia para limpeza das lesoes foi incluído no tratamento de queimaduras há centenas de anos e ainda faz parte do plano do tratamento em algumas unidades especializadas. A hidroterapia por imersao parece ser útil em uma fase menos aguda, para queimaduras nao muito extensas, em que o paciente se beneficiaria ao ser mergulhado em um tanque que promoveria a remoçao de cremes terapêuticos e exsudato, para desbridamento de tecidos desvitalizados frouxos, permitindo a participaçao ativa do paciente nos exercícios4. Em muitas unidades de queimados, a preocupaçao com a contaminaçao do equipamento tem direcionado para a substituiçao da hidroterapia por imersao por uma variedade de dispositivos para banho que utilizam a água corrente com drenagem descendente11. Microorganismos da flora do paciente podem ser carregados pela água e colonizar outras áreas do corpo, aumentando o risco de infecçao12.

Nao há evidências de que o uso de antisépticos para limpeza das feridas provocadas pela queimadura seja benéfico. Nao é possível "esterilizar" uma ferida com o uso de antiséptico, mesmo se fosse possível mantê-lo em contato com a ferida por um longo período de tempo. Fleming, em 1919, já afirmava que os antisépticos sao pouco úteis para reduçao da carga bacteriana de uma ferida. Além disso, a presença de material orgânico, como sangue ou tecido de necrose, reduz significativamente a efetividade dos antisépticos6. A reduçao da carga bacteriana está mais associada a um desbridamento efetivo do que ao uso de antisépticos.

Existem soluçoes com surfactantes (soluçoes industrializadas para limpeza de feridas) que apresentam graus variados de citotoxidade, mesmo quando nao possuem adiçao de antisépticos13. Pela natureza de sua estrutura química, os antisépticos ajudam a quebrar as ligaçoes dos corpos estranhos na superfície da ferida. A força de sua reatividade química é diretamente proporcional a sua capacidade de limpeza e toxicidade para as células. Logo, o uso de antisépticos deve ser avaliado considerando-se a toxicidade para as células6. Os antisépticos têm indicaçao na reduçao da carga bacteriana, mas têm citoxicidade comprovada, ficando a indicaçao reservada para lesoes nas quais nao haja tecidos viáveis ou nas quais o risco de infecçao superar o objetivo inicial de promoçao de reparaçao tecidual11. Lineaweaver et al.14, em estudos realizados em ratos, observaram que concentraçoes de 0,05% nao provocam danos em fibroblastos, mas provocam diminuiçao da força tensil e atraso na epitelizaçao nas feridas tratadas com PVP-I a 1%. Entretanto, as concentraçoes mais altas, incluindo a concentraçao frequentemente usada na prática clínica (de 10%), sao 100% citotóxicas.

A FDA (Food and Drug Administration) aprovou o uso de PVP-I a 1% para tratamento de curto prazo (aproximadamente uma semana) e em feridas relativamente superficiais, uma vez que estudos controlados sobre cicatrizaçao de feridas nao demonstraram diferenças estatisticamente significantes na média do tempo de cicatrizaçao quando utilizado PVP-I, embora, também nao haja evidências de que pode ajudar na cicatrizaçao. As pesquisas realizadas in vivo se por um lado nao comprovam a toxicidade do PVP-I, por outro nao trouxeram evidências suficientes para demonstrar sua efetividade no tratamento de feridas15.

Há relatos de uso do hipoclorito de sódio 0,5% pela sua capacidade de dissolver o tecido necrótico e, assim, diminuir a carga bacteriana da ferida6. Porém, deve-se considerar a sua citotoxicidade e a possibilidade de atraso no processo de reparaçao tecidual que seu uso pode acarretar.

A soluçao de gluconato de clorexidina a 0,05% diluída em água destilada tem atividade antibacteriana contra microorganismos gram-negativos, incluindo P aeruginosa e Klebsiella e contra gram-positivos, tais como S. aureus e E. coli14. Embora a clorexidina mostre toxicidade para uma variedade de células, seus efeitos em células do sistema imune nao sao bem conhecidos. Bonacorsi et al.16 avaliaram in vitro a citoxicidade induzida pela clorexidina na funçao dos macrófagos em peritonites residentes em ratos. Encontraram que os macrófagos sao tao sensíveis aos efeitos tóxicos do clorexidina como outros tipos de células e que o potencial citotóxico da substância é dependente da concentraçao e do tempo de exposiçao. Chamaram a atençao para o fato de que o gluconato de clorexidina é tóxico para macrófagos em concentraçoes 100 vezes menor que a utilizada na prática clínica. Concluíram que a clorexidina pode ter um efeito imunossupressor em macrófagos expostos.

Parece haver consenso de que a presença de tecido necrótico no leito da ferida interfere no processo de reparaçao tecidual, constituindo-se o desbridamento um passo essencial no tratamento de feridas agudas ou crônicas. O desbridamento reduz a quantidade de tecido necrótico e, consequentemente, a contaminaçao da ferida, favorecendo o crescimento do tecido de granulaçao17.

Os debridamentos podem ser classificados como autolíticos, cirúrgicos, enzimáticos, mecânicos e biológicos. O desbridamento autolítico refere-se à lise natural da necrose pelos leucócitos e enzimas digestivas que entram em contato com a ferida durante a fase inflamatória. Há no mercado produtos a base de hidrogéis ou hidrocolóides, que promovem esse tipo desbridamento18. O desbridamento cirúrgico pode ser classificado em fascial, tangencial ou profundo, dependendo da extensao da necrose e do tipo de remoçao que é necessária. Requer o uso de anestesia e ambiente cirúrgico17. O desbridamento precoce de lesoes de espessura total, seguido de enxerto e o concomitante progresso científico, que permitiu a realizaçao de procedimentos extensos, possibilitaram o grande avanço no tratamento das queimaduras.

O desbridamento enzimático é realizado a partir da utilizaçao de enzimas exógenas que sao seletivas. A fibrinolisina é um exemplo de enzima de origem animal, obtida do plasma bovino. A papaína é um exemplo de enzima de origem vegetal que tem sido muito utilizada no Brasil e na Africa3. Starley et al.18 conduziram um estudo no Royal Victoria Hospital, em Banjul, Gâmbia, na unidade pediátrica, em que todos os pacientes admitidos durante o ano de 1996, com queimaduras de espessura total e infectadas, foram tratados com papaína. Nenhum efeito colateral foi observado.

O desbridamento mecânico é realizado por meio de fricçao (gazes, compressas ou esponjas), por irrigaçao utilizando jato de água pressurizado ou por hidroterapia. O desbridamento mecânico nem sempre é seletivo, podendo danificar tecido viável. O desbridamento biológico é realizado pela utilizaçao de larvas, como a de Lucilia sericata, cujos ovos sao utilizados após sofrerem processo de esterilizaçao3.

Os curativos podem ser oclusivos ou abertos. Os curativos abertos sao caracterizados pela colocaçao de uma cobertura primária ou apenas pela aplicaçao do agente tópico (substâncias utilizadas na superfície da pele com açao antimicrobiana ou nao19. As coberturas, materiais ou produtos utilizados para tratar ou ocluir a ferida, impregnados ou nao com agentes tópicos, podem ser primárias, quando colocadas diretamente sobre a lesao, ou secundárias, quando têm como funçao cobrir as coberturas primárias20.

Os curativos oclusivos se caracterizam pela aplicaçao de uma cobertura primária seguida por outra secundária. Esse tipo de curativo tem como vantagem permitir a mobilizaçao do paciente. O método aberto é mais utilizado em pacientes críticos com mobilidade limitada e em locais de difícil oclusao, como face e orelha. Apresenta como vantagem, dependendo do tipo de cobertura, a possibilidade de visualizaçao da área queimada, facilidade na mobilizaçao de articulaçoes, baixo custo e simplicidade na aplicaçao. Em relaçao às desvantagens, apresenta grande risco de levar o paciente a hipotermia, sobretudo em grandes queimados, requerendo maior temperatura externa, necessidade de diversas aplicaçoes diárias e dificuldade de manipulaçao do paciente21.

O curativo oclusivo tem como vantagem diminuir a perda de calor e fluidos por evaporaçao pela superfície da ferida, além de auxiliar no desbridamento e absorçao do exsudato presente, sobretudo na fase inflamatória da cicatrizaçao. Entretanto, pode proporcionar reduçao da mobilidade de articulaçoes e limitar o acesso à ferida somente durante o período de troca de curativos3.

Os critérios de seleçao do curativo sao: profundidade da queimadura, quantidade de exsudato, localizaçao, extensao e causa da queimadura, impacto funcional na mobilidade, custo, conforto e dor do paciente3.

As queimaduras têm sido tratadas com agentes tópicos, sendo grande parte deles antimicrobianos, dentre eles destacamos as associaçoes entre sulfato de neomicina e bacitracina; entre acetato declostebol e 5mg de sulfato de neomicina e a sulfadiazina de prata 1%.

A sulfadiazina de prata 1% é recomendada em queimaduras de espessura parcial ou total, com a finalidade de desbridar tecidos necrosados e combater infecçao local. É facilmente aplicada e removida, nao provoca dor e apresenta poucos efeitos colaterais22. Possui efeito em bactérias gram-negativas, como Escherichia coli, Enterobacter, Klebsiella sp e Pseudomonas aeruginosa, e grampositivas, como Staphylococus aureus e também Candida albicans. Esse creme deve ser aplicado sobre a queimadura com uma camada de aproximadamente 3-5 mm e, em seguida, coberto com camada de gaze absorvente. Deve ser trocado a cada 24 horas ou mais frequentemente se a ferida for muito exsudativa21.

No curativo aberto, quando só é utilizada a cobertura primária, o creme é aplicado diretamente na área queimada e deixado exposto ao ar livre, sendo reaplicado sempre que necessário. No curativo oclusivo, aplica-se o creme sobre a área queimada e, posteriormente, cobre-se com uma cobertura secundária. O creme pode também ser impregnado em tecidos, os quais serao colocados sobre a queimadura e cobertos com gaze seca e faixa elástica.

A sulfadiazina de prata associada ao nitrato de cério apresenta açao fungicida e reduz o número de microorganismos, tanto gram positivos quanto negativos. Poucos dias após o início de sua aplicaçao, observa-se a formaçao de uma membrana seca de coloraçao amarelo esverdeada23.

De um modo geral, os pacientes têm relatado sensaçao de frescor após a aplicaçao da sulfadiazina de prata 1%. Recomenda-se a sua utilizaçao nos primeiros dias de tratamento da queimadura, enquanto há presença de tecido necrótico ou infecçao. Observamse na literatura evidências de que ela é tóxica para o crescimento de queratinócitos e fibroblastos22. Ferreira et al.22 encontraram, em estudo de sua revisao, a seguinte ordem crescente de toxidade de agentes antimicrobianos para as células epiteliais: sulfametoxazol trimetoprima 50.000 U, polimixina B 200,000 U e neomicina 40 mg, soluçao salina normal, petrolato, acetato de mafenide, soluçao de PVP-I, sulfadiazina de prata 1%, nitrato de prata, nitrofurazona e líquido de Dakin (0,5%).

Coberturas antimicrobianas impregnadas com prata servem como barreira protetora de prata antimicrobiana que também liberam o poder antimicrobiano da prata no leito da ferida, sem inibir a cicatrizaçao. Essa forma de contato da lesao com a prata possibilita a permanência do curativo por maior tempo24,25.

Alginato de cálcio e sódio é uma cobertura derivada de algas marinhas marrons, composta pelos ácidos gulurômico e manurômico e impregnada de íons cálcio e sódio. Promove desbridamento autolítico e absorçao de exsudato, mantendo o ambiente da ferida úmido. As coberturas de alginato de cálcio, por sua alta capacidade de absorçao, apresentam benefícios na fase inicial de tratamento de queimaduras de espessura parcial por sua intensa exsudaçao; sao recomendados para queimaduras de espessura parcial com exsudaçao abundante, com ou sem infecçao. O cálcio da cobertura e o sódio do exsudato da ferida reagem, ocorre uma troca iônica, e as fibras do alginato de cálcio se transformam em um gel que garante um meio úmido ao leito da ferida, ambiente ideal para a restauraçao tecidual. Nao adere à ferida, facilitando a remoçao que ocorre sem traumas adicionais e nao necessita troca por vários dias. É também indicada para tratamento de áreas doadoras de pele para enxerto autógeno, com relatos de menor tempo de epitelizaçao26-28.

Hidrocolóide é uma cobertura composta por gelatina, pectina e carboximeticelose sódica e espuma de poliuretano. Mantém a umidade local interagindo com a lesao; produz um gel que favorece o desbridamento autolítico. O uso de hidrocolóide para tratamento de alguns tipos de lesoes agudas tem demonstrado bom efeito pela facilidade do desbridamento, capacidade de absorçao e barreira protetora para infecçao29.

Thomas29 realizou uma revisao da literatura sobre a utilizaçao de hidrocolóide em queimaduras. Os estudos encontraram que a utilizaçao desse tipo de curativo estava relacionada a melhores taxas de cicatrizaçao da lesao, maior conforto para o paciente devido à mobilidade do curativo, alívio da dor, menor frequência na troca de curativos e deve ser considerado como recurso para tratamento de queimaduras de espessura parcial.

Madden et al.28 realizaram três estudos consecutivos, envolvendo 58 pacientes, avaliando o efeito da oclusao na cicatrizaçao de queimaduras de espessura parcial que necessitaram de enxerto de pele; áreas doadoras foram cobertas com curativos hidrocolóide e comparadas a uma fina malha de gaze e o hidrocolóide foi, subsequentemente, comparado a um curativo semi-oclusivo de filme de poliuretano. Além disso, queimaduras de espessura parcial eram cobertas com hidrocolóide e as demais eram tratadas com sulfadiazina de prata. As áreas doadoras e queimaduras tratadas com hidrocolóide tiveram cicatrizaçao significativamente mais rápida do que aquelas cobertas com gaze ou sulfadiazina de prata e com menos dor. O hidrocolóide e o filme de poliuretano foram equivalentes. O exsudato coletado sob o hidrocolóide e filme de poliuretano nas áreas doadoras foram adicionados a um sistema de cultura de tecidos, resultando em um modesto aumento na proliferaçao de queratinócitos. A análise do exsudato coletado sob o hidrocolóide nos locais de queimadura resultou em aumento na proliferaçao celular30.

Hidrogéis sao compostos de polivinilpirrolidona e água, sendo que algumas coberturas contêm ainda propilenoglicol, cloreto de sódio que promovem o desbridamento autolítico. É indicado para queimaduras de espessura parcial com exsudaçao abundante.

Há ainda outros tipos de coberturas que têm sido utilizadas no tratamento de queimaduras, como as gazes nao aderentes impregnadas com petrolato e outros agentes tópicos, alguns com açao antimicrobiana e fungicida.

Recomenda-se que, na escolha do agente tópico ou cobertura, sejam considerados os seus benefícios contra os efeitos tóxicos na migraçao epitelial. Desta forma, entendemos que a utilizaçao de antisépticos, agentes tópicos ou coberturas com maior toxidade nao está indicada em áreas que apresentem sinais de epitelizaçao e nao apresentem sinais de infecçao.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Há muitos produtos no mercado destinados ao tratamento de feridas em suas diferentes fases; entretanto, a utilizaçao de qualquer produto no tratamento de queimaduras ou outros tipos de feridas deve seguir rigoroso protocolo, buscando identificar a real contribuiçao para o processo de cicatrizaçao. A equipe de profissionais que atua em Unidade de queimados deve conduzir estudos cujos resultados possam produzir evidências que direcionem o cuidado das feridas provocadas por queimaduras.


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1. Enfermeira, Professora Associada do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto, Universidade de Sao Paulo (USP).
2. Enfermeira-Chefe da Unidade de Queimados do Instituto Central da Faculdade de Medicina da USP.
3. Enfermeira e aluna de doutorado pelo Programa Interunidade de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto, USP.
4. Enfermeira e aluna do mestrado no Programa de Pós-Graduaçao do Departamento de Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto, USP.
5. Médico-Chefe da Divisao de Cirurgia Plástica do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto da USP.
6. Enfermeira, Professora Doutora da Universidade Federal dos Vales dos Jequitinhonha e Mucuri.

Correspondência:
Lídia A. Rossi
Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto, Departamento de Enfermagem Geral e Especializada
Avenida dos Bandeirantes, 3900
Ribeirao Preto, SP - CEP: 14040-610
E-mail: rizzardo@usp.br

Recebido: 5/2/2010
Aceito em: 18/6/2010

Trabalho realizado na Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto, Universidade de Sao Paulo, Ribeirao Preto, SP.

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