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Relato de Caso

Comparação dos efeitos do ácido hialurônico 0,2% e ácidos graxos essenciais em paciente com queimadura por fertilizante: relato de caso

Comparison of the effects of hyaluronic acid 0.2% and essential fatty acids in burn victim due to fertilizer exposure: case report

Natália Gonçalves1; Rosa Alice Franzolin2; Pedro Gonçalves de Oliveira3; João Cezar Castilho4

RESUMO

OBJETIVO: Relatar a experiência no tratamento de queimadura decorrente de exposiçao a fertilizante, comparando o uso de creme de ácido hialurônico (AH) e ácidos graxos essenciais (AGE), em paciente atendido pelo programa Estratégia Saúde da Família (ESF) de Jaguariúna, SP.
RELATO DE CASO: P.C.M., sexo masculino, 46 anos, com queimaduras de 2º grau superficial e pequenas áreas de 2º grau profundo nas duas maos, decorrentes do uso de fertilizante, sem sinais de infecçao ou demais complicaçoes. Foi atendido em Unidade de ESF, onde foi iniciado protocolo de limpeza diária das lesoes com soro fisiológico 0,9%. Na mao direita, foi aplicada fina camada de AH 0,2% e, na mao esquerda, AGE, na mesma frequência de uso do AH. Os curativos foram feitos pela enfermeira e técnica da ESF. A evoluçao da reparaçao da lesao foi acompanhada e avaliada diariamente por esses profissionais.
RESULTADOS: Após 60 dias de uso tópico de creme contendo AH 0,2%, ocorreu a completa cicatrizaçao da mao direita. Na mesma data de avaliaçao, a mao esquerda ainda apresentava fissuras e descamaçao, nao demonstrando total cicatrizaçao. Com a piora do quadro da mao esquerda, optou-se por suspender o uso do AGE e iniciar o uso de AH uma vez ao dia. Após 39 dias, foi verificado que a lesao estava completamente cicatrizada.
CONCLUSAO: Os resultados demonstraram que o uso de AH proporcionou cicatrizaçao de forma mais rápida e efetiva para queimadura decorrente da exposiçao a fertilizante, em comparaçao ao AGE.

Palavras-chave: Queimaduras Químicas. Ácido Hialurônico. Fertilizantes. Cicatrização.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To report the experience in treating a burn victim due to fertilizer exposure comparing hyaluronic acid (HA) cream and essential fatty acids (EFA), who was treated by Health Family Strategy (HFS) of Jaguariuna, SP.
CASE REPORT: P.C.M., male, 46 years old, with superficial second-degree burn injuries and small areas with deep second degree burn on both hands, caused by fertilizer exposure. There were no signs of infection or other complications. He was treated at HFS Unit where a protocol to clean the wound with saline solution 0.9% was initialized. On his right hand was applied HA 0.2% and on his left hand was applied EFA following the same routine in both hands. A nurse and a technical nurse of the HFS Unit did all the dressings and evaluated the wounds daily.
RESULTS: The complete reparation of the injury on the right hand was achieved after 60 days applying HA 0.2%. In the same period, the left hand was still not fully recovered and presented fissure and peeling, with this result the nurses decided to suspend the EFA and start using HA on the left hand once a day. After 39 days, the left hand was entirely recovered.
CONCLUSION: These results demonstrate that the use of HA provided healing more quickly and effectively to burn due to exposure to fertilizer, as compared to the EFA.

Keywords: Burns, Chemical. Hyaluronic Acid. Fertilizers. Wound Healing.

INTRODUÇAO

O trauma por queimadura acomete milhares de pessoas todos os anos. As queimaduras químicas representam uma pequena porçao dos acidentes descritos na literatura, geralmente associadas a acidentes de trabalho no ambiente industrial ou agrícola.

Resultados de estudo brasileiro de 2009, realizado em 23 capitais e Distrito Federal, reforçam a semelhança dos dados encontrados na literatura internacional no que tange à maior incidência de queimaduras em ambiente domiciliar com substância quente1. Ainda, os autores descrevem que, na faixa etária produtiva, homens se acidentam mais, principalmente em ambiente de trabalho, sendo os produtos químicos importantes agentes do trauma1.

Há uma variedade de substâncias que podem ocasionar queimadura química. Como seu mecanismo de açao pode perdurar de minutos a dias, pode ser difícil para a equipe decidir, no primeiro atendimento, qual o melhor tratamento para o paciente. Nesse caso, torna-se necessário considerar a concentraçao do produto, a quantidade e o mecanismo de açao do mesmo, a duraçao e a sua penetraçao no tecido2.

Embora a queimadura química seja de difícil tratamento e necessite, em muitos casos, de cirurgia e internaçao, estudo realizado no Centro de Tratamento de Queimados de um hospital de Sorocaba, com 61 pacientes vítimas de queimaduras por produtos químicos, revelou que, em 80% dos casos, o tratamento foi realizado no ambulatório, com predominância de pequenos queimados e queimaduras de 2º grau3.

Para queimaduras de segundo grau superficial e profundo, há vários tipos de produtos no mercado; entretanto, é necessário individualizar o tratamento. Nao há um padrao ouro para o tratamento de queimaduras químicas devido às inúmeras variáveis a serem consideradas. Contudo, sabe-se que é necessário um produto que favoreça o processo cicatricial, seja de fácil aplicaçao e remoçao e que cause menos dor possível no paciente. Um produto promissor na área de cicatrizaçao de feridas, descrito na literatura e mais recentemente em vítimas de queimaduras, é o ácido hialurônico (AH)4, pois favorece o processo cicatricial em todas as fases da reparaçao tecidual5.

Este trabalho apresenta o relato de um caso de paciente que se queimou por fertilizante e foi atendido em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no interior paulista. A importância deste estudo se dá pelo relato de experiência do atendimento de queimadura por fertilizante na Atençao Básica em Saúde com uso de um tratamento tópico promissor para cicatrizaçao de feridas complexas.


RELATO DO CASO

Os profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) da cidade de Jaguariúna, SP, no dia 9 de novembro de 2015 atenderam o paciente P.C.M., sexo masculino, 46 anos, 3 filhos, consciente, orientado, nao hipertenso, nao diabético, fumante há mais de 30 anos, ex-etilista, que apresentou queimaduras nas duas maos decorrentes do uso de produto químico (fertilizante) (Figura 1), sem sinais de infecçao ou demais complicaçoes. O acidente ocorreu no dia 7 de novembro de 2015 e o paciente procurou hospital da cidade, no qual foi realizado curativo nas maos com sulfadiazina de prata e ocluído com gaze.


Figura 1 - Maos com queimaduras de segundo grau superficial e profundo após dois dias do acidente (9 de novembro de 2015). Primeiro dia de aplicaçao dos ácidos graxos essenciais (A) e do ácido hialurônico em creme a 0,2% (B).



No mesmo dia, foi iniciado protocolo de limpeza diária das lesoes com soro fisiológico 0,9% (SF 0,9%). Na mao direita, foi realizada a aplicaçao de fina camada de AH 0,2% (Hyaludermin® - TRB Pharma) uma vez ao dia. Por outro lado, na mao esquerda, foi iniciada a aplicaçao de Acidos Graxos Essenciais (AGE) (Oleo AGE SKINBASIS®), na mesma frequência de uso do AH. Os curativos foram feitos pela enfermeira e técnica da ESF. A escolha pelo AGE se justifica pela ausência da sulfadiazina de prata a 1% na Unidade de Saúde durante os atendimentos.

A evoluçao da reparaçao da lesao foi acompanhada e avaliada por essas profissionais diariamente. Os resultados foram registrados em prontuários e por meio de fotos das lesoes.

Após 30 dias de uso tópico de creme contendo AH 0,2% e AGE, foi observado que o processo de reparaçao tecidual estava em fase mais avançada na mao direita do paciente, sugerindo que, nesse tipo de lesao, o AH favoreceu as condiçoes de cicatrizaçao de maneira mais pronunciada quando comparado ao AGE (Figura 2A). A completa cicatrizaçao da mao direita ocorreu após 60 dias de uso de AH (8 de janeiro de 2016). Por outro lado, na mesma data de avaliaçao, a mao esquerda ainda apresentava fissuras e descamaçao, nao demonstrando total cicatrizaçao (Figura 2B). Esses dados indicam a capacidade do AH em favorecer o processo de cicatrizaçao e reduzir o tempo de fechamento da lesao em relaçao ao AGE tópico.


Figura 2 - Evoluçao do tratamento com AH e AGE. (A) Resultados após 30 dias de uso tópico de creme contendo AH 0,2% (mao direita) e AGE (mao esquerda). (B) Após 60 dias de aplicaçao (8 de janeiro de 2016), completa cicatrizaçao na mao direita.
AH=ácido hialurônico; AGE=ácidos graxos essenciais



Após essa data, foi mantida a aplicaçao de AGE na mao esquerda. Depois de 16 dias de uso diário de AGE, em 24 de janeiro de 2016, a superfície da mao esquerda apresentou piora do quadro, com presença de fissuras (Figura 3A). Nesse momento, optou-se pela suspensao da aplicaçao tópica de AGE e introduçao do tratamento com creme de AH, uma vez ao dia, nas lesoes da mao esquerda.


Figura 3 - Finalizaçao do tratamento da mao esquerda. (A) No dia 24 de janeiro de 2016, a superfície da mao esquerda apresentou piora do quadro, com presença de fissuras, após o uso de AGE. (B) Após 11 dias da aplicaçao do AH (4 de fevereiro de 2016). (C) Após 39 dias do uso de AH (3 de março de 2016), mao esquerda completamente cicatrizada.
AH=ácido hialurônico; AGE=ácidos graxos essenciais



No 11º dia de tratamento, já foi possível observar que o aspecto das lesoes da mao esquerda apresentou melhora e relevante reparaçao cutânea (Figura 3B - 4 de fevereiro de 2016). A completa cicatrizaçao ocorreu em 39 dias após o uso de AH (Figura 3C - 3 de março de 2016).

O creme à base de AH 0,2% foi bem tolerado pelo paciente, sem qualquer incidente de eventos adversos locais ou sistêmicos identificados durante o estudo, apresentando um desempenho melhor do que o AGE no caso relatado.


DISCUSSAO

As queimaduras nas maos merecem especial atençao, visto a importância destes membros para os aspectos funcionais e estéticos na vida do paciente6. Sendo assim, um tratamento precoce é imprescindível para a recuperaçao do membro afetado e para o retorno às atividades diárias do paciente.

O tratamento em um centro de especializado para vítimas de queimaduras pode diferir da realidade encontrada nas Unidades Básicas de Saúde do Sistema Unico de Saúde. Nestas, há uma variedade de produtos para tratar diferentes feridas, como neuropáticas, lesoes por pressao, venosas e arteriais. Entretanto, poucas opçoes para as lesoes por queimaduras. Nesse caso, encontram-se principalmente descritos nos protocolos os produtos tópicos à base de AGE e a sulfadiazina de prata a 1%.

Este estudo relata o caso de um paciente com queimaduras nas maos por fertilizante e, devido às condiçoes enfrentadas na Unidade Básica de Saúde, nao foi possível realizar um estudo comparativo com AH e a sulfadiazina de prata, produto principalmente descrito na prática clínica para queimaduras.

Apesar disso, cabe ressaltar o trabalho realizado por Guimaraes Junior et al.7, com 16 pacientes portadores de queimaduras de diversos graus de profundidade e extensao, em que áreas similares foram tratadas de modos distintos. Em uma delas, foi aplicado creme de AH 0,2% e, em área similar, foi executado tratamento tópico convencional com aplicaçao de creme de sulfadiazina de prata 1% ou soluçao de nitrato de prata a 0,5% ou vaselina sólida. Os resultados na cicatrizaçao demonstraram a eficácia superior do AH com relaçao ao tratamento tópico convencional aplicado em todos os parâmetros analisados, proporcionando como principal benefício o aumento na velocidade de reepitelizaçao7.

No Brasil, há vários estudos que abordam o uso de AGE para o tratamento de feridas8. É facilmente encontrado tanto nas unidades hospitalares como na Atençao Primária à Saúde. Entretanto, ele nao pode ser considerado o padrao ouro, principalmente no que tange ao tratamento para queimaduras. Para este tipo de ferida, que provoca tanto sofrimento ao paciente, torna-se interessante um tratamento tópico que aja com precisao no processo de cicatrizaçao e diminua ao máximo o tempo de sua resoluçao.

O AH tem se mostrado eficaz para a cicatrizaçao de diversas feridas e, no presente estudo, demonstrou eficácia no tempo e qualidade da cicatrizaçao, quando comparado ao AGE. No processo de cicatrizaçao, o AH favorece a homeostase, a resposta fagocitária dos macrófagos, potencializa a neovascularizaçao e acelera o processo de epitelizaçao por meio da ativaçao da síntese de queratinócitos9, o que já se revelou útil no tratamento de pacientes com queimaduras7.

Apesar desse fato, uma revisao sistemática recentemente publicada descreve a necessidade de mais estudos clínicos sobre o uso do AH em queimaduras de espessura parcial e profunda, mas ressalta que foi demonstrada uma resposta significativa para o tempo de cicatrizaçao quando combinado o AH e a sulfadiazina de prata10.

Embora o tempo de cicatrizaçao tenha sido maior do que comparado a outro estudo7, o AH nao apresentou efeitos colaterais, sendo uma alternativa segura e viável para a prática clínica aplicada a esse tipo de lesao.


CONSIDERAÇOES FINAIS

Os resultados demonstraram que o uso de AH proporcionou cicatrizaçao de forma mais rápida e efetiva da lesao decorrente da exposiçao a fertilizante, em comparaçao ao AGE. O uso de AGE pode ter contribuído com as fissuras no local, nao contribuindo com a finalizaçao do processo de cicatrizaçao. Este relato de caso sugere que a aplicaçao tópica de creme à base de AH 0,2% pode ser uma alternativa eficaz e útil para tratamento desse tipo de ferida, com maior rapidez no processo de reparaçao cutânea.


REFERENCIAS

1. Gawryszewski VP, Bernal RTI, Silva NN, Morais Neto OL, Silva MMA, Mascarenhas MDM, et al. Atendimentos decorrentes de queimaduras em serviços públicos de emergência no Brasil, 2009. Cad Saúde Pública. 2012;28(4):629-40.

2. Palao R, Monge I, Ruiz M, Barret JP. Chemical burns: pathophysioloy and treatment. Burns. 2010;36(3):295-304.

3. Cardoso L, Orgaes FS, Gonella HA. Estudo epidemiológico das queimaduras químicas dos últimos 10 anos do CTQ-Sorocaba/SP. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(2):74-9.

4. Campanati A, De Blasio S, Giuliano A, Ganzetti G, Giuliodori K, Pecora T, et al. Topical ozonated oil versus hyaluronic gel for the treatment of partial- to full-thickness second-degree burns: A prospective, comparative, single-blind, non-randomised, controlled clinical trial. Burns. 2013;39(6):1178-83.

5. Frenkel JS. The role of hyaluron in wound healing. Int Wound J. 2014;11(2):159-63.

6. Narikawa R, Michelski DA, Hiraki PY, Ueda T, Nakamoto A, Tuma Jr P, et al. Análise epidemiológica da mao queimada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(3):89-92.

7. Guimaraes Junior LM, Magalhaes FL, Alcântara BJ. Os efeitos do ácido hialurônico (HYALUDERMIN®) em uso tópico no tratamento das queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2007;7(2):24-34.

8. Ferreira AM, Souza BMV, Rigotti MA, Loureiro MRD. Utilizaçao dos ácidos graxos essenciais no tratamento de feridas: uma revisao integrativa da literatura nacional. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(3):752-60.

9. Nader PR. Acido hialurônico na cicatrizaçao de feridas e pequenas queimaduras. Médico Repórter Especial. 2005;Ed. Especial:3-10.

10. Dalmedico MM, Meier MJ, Felix JV, Pott FS, Petz Fde F, Santos MC. Hyaluronic acid covers in burn treatment: a systematic review. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):522-8.









Recebido em 19 de Novembro de 2016.
Aceito em 10 de Dezembro de 2016.

Local de realização do trabalho: Faculdade de Jaguariúna (FAJ), Curso de Enfermagem, Jaguariúna, SP, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores agradecem ao Laboratório TRB Pharma Indústria Química e Farmacêutica LTDA pelo fornecimento de HYALUDERMIN para o tratamento do paciente na Unidade Básica Roseira de Baixo durante o estudo relatado.


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