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Relato de Caso

Fitofotodermatite por Ruta graveolens com manifestação cutânea extensa

Phytophotodermatitis due to Ruta graveolens with extensive cutaneous manifestation

Bruna Souza Felix Bravo1; Laila Klotz de Almeida Balassiano2

RESUMO

Dermatite de contato por planta ou fitodermatite é uma erupçao cutânea resultante do contato com substâncias produzidas por diferentes espécies de vegetais. Ruta graveolens, popularmente conhecida como arruda, é uma planta da família das Rutaceae, que inclui algumas frutas cítricas, e contém inúmeras substâncias químicas fotossensíveis, incluindo os furocumarínicos. Relatamos um caso de reaçao de fitofototoxicidade grave em uma paciente que usou uma infusao de arruda pelas supostas qualidades"místicas e purificadoras" da planta com extensa erupçao cutânea.

Palavras-chave: Dermatite de Contato. Fototoxicidade, Ruta graveolens.

ABSTRACT

Plant dermatitis or phytodermatitis is a cutaneous eruption resulting from contact with substances produced by different plant species. Ruta graveolens, popular known as common rue, is an herbal plant from the Rutaceae family, which includes the citrus fruits, and contains numerous photosensitizing substances, including furocoumarins. We report a severe case of phytophototoxicity reaction in a patient who used a common rue infusion because of its "powerful and purification" qualities.

Keywords: Dermatitis, Contact. Phototoxicity. Ruta graveolens.

RELATO DE CASO

Mulher, 30 anos de idade, fototipo de pele Fitzpatrick II, iniciou quadro de lesoes eritematoedematosas lineares extensas em áreas fotoexpostas, que, segundo a paciente, tiveram início apenas 24 horas depois de passar o dia na praia, no entanto, sem exposiçao intensa ao sol (Figura 1). A paciente relatou uma "sensaçao de queimaçao e formigamento" antes do surgimento da erupçao cutânea e quadro álgico após as alteraçoes visíveis na pele. Vesículas e bolhas apareceram nos membros 48 horas depois da exposiçao solar (Figura 2).


Figura 1 - Eritema linear em áreas fotoexpostas, acompanhando os locais onde foi usado o "banho de infusao" com folhas de Ruta graveolens.


Figura 2 - Bolhas tensas nos membros.



Após extensa anamnese, a paciente informou a aplicaçao de uma infusao de folhas de arruda (Ruta graveolens) durante o banho no dia anterior ao da praia, pelas supostas qualidades "místicas e purificadoras" da planta. O padrao linear, com demarcaçao nítida entre a pele exposta ao sol e a área protegida pelo biquíni de banho, sugeriu tratar-se de uma reaçao de fototoxicidade por psoraleno presente na planta, com posterior hiperpigmentaçao pós-inflamatória de padrao linear acompanhando o "banho de infusao".

O tratamento durante o quadro agudo foi realizado com 20 mg de prednisona por via oral durante 5 dias, com retirada gradual, hidrataçao vigorosa, loçoes hidratantes e encorajado evitar exposiçao solar e fotoproteçao por meio de uso de filtros solares e roupas protetoras. Em duas semanas, houve melhora dos sintomas clínicos, restando extensas áreas de hiperpigmentaçao residual. Mesmo dois meses após a erupçao cutânea inicial pela Ruta graveolens e mantendo-se medidas de fotoproteçao rigorosas, as áreas de hiperpigmentaçao linear ainda permanecem, porém agora de coloraçao castanho-claro (Figura 3). A paciente refere discreta alteraçao de sensibilidade da pele nos locais acometidos quando exposta ao sol ou calor.


Figura 3 - Mesmo após 2 meses do quadro cutâneo agudo, áreas de hiperpigmentaçao ainda sao visíveis, agora mais claras.



DISCUSSAO

Dermatite de contato por planta ou fitodermatite é uma erupçao cutânea resultante do contato com substâncias produzidas por diferentes espécies de vegetais. Estes produtos químicos podem causar dermatite de contato por irritante primário (tóxicos) e dermatite de contato alérgica. A dermatite irritativa ocorre por açao química do agente diretamente na pele, sem um mecanismo alérgico. Assim, nao requer sensibilizaçao prévia e é esperado que todas as pessoas expostas apresentem lesoes. Fatores como grau de exposiçao, concentraçao do produto e tempo de contato influenciam na apresentaçao1. Fitofototoxicidade é um exemplo de dermatite de contato por irritante primário e consiste em uma reaçao de fototoxicidade aguda, geralmente causada pelo contato com compostos fotossensibilizantes derivados de plantas, seguido de exposiçao solar, especificamente ao ultravioleta A (UVA), cujo espectro encontra-se entre 320-400 nm2.

Ruta graveolens, popularmente conhecida como arruda, arrudafedida, arruda-doméstica, arruda-dos-jardins, ruta-de-cheiro-forte, é uma planta da família das Rutaceae, que inclui as frutas cítricas, como lima (Citrus aurantifolia), limao (C. limon), e toranja (C. paradisi). O arbusto é nativo dos países do norte do Mediterrâneo, mas hoje em dia é encontrado em jardins de todo o mundo, por conta de suas atraentes folhas verde-azuladas. Suas propriedades medicinais e "milagrosas" têm sido usadas durante séculos.

A longa e ampla lista de aplicaçoes inclui o uso da planta como anti-inflamatória e analgésica no tratamento de entorses, contusoes, dores de cabeça, dores reumáticas, flebite, cólicas, infecçoes sistêmicas, eczema e úlceras externas; alívio em casos de desconforto gástrico e cólicas; tratamento de epilepsia e alteraçoes do sistema nervoso; e topicamente recomendado como repelente de insetos, devido ao seu odor intenso. Na Idade Média, acreditava-se ser uma defesa contra bruxas e maus espíritos2,3.

No entanto, R. graveolens contém inúmeras substâncias químicas, incluindo óleos essenciais, derivados furocumarínicos (por exemplo, derivados furocumarínicos (bergapteno, psoraleno e xantoxina), carotenoides, clorofila e alcaloides antimicrobianos. Três agentes fototóxicos primários sao bem conhecidos: o furocumarínico 5-metoxipsoraleno (5-MOP), 8-metoxipsoraleno (8-MOP) e o alcaloide graveolina. Destes, o 8-MOP apresenta a maior fototoxicidade4-6. Sendo assim, os derivados psoralenos presentes na erva em contato com a pele humana e na presença de luz ultravioleta resultam em impressionante fototoxicidade cutânea.

Um quadro fototóxicotípico apresenta-se como uma queimadura solar, variando de eritema e edema até formaçao de bolhas, prurido e dor dentro de 24-48 horas após pele ser exposta à luz. Psoralenos tendem a produzir um efeito fotoirritante mais tardio, com novas lesoes bolhosas podendo a surgir até 10 a 12 dias após a exposiçao solar. Dependendo da extensao da área fotoexposta e à qualidade e quantidade de contato com produtos vegetais, casos graves podem ocorrer, exigindo suporte hospitalar.

Dentro de alguns dias até cerca de uma semana, o processo agudo eritemabolhoso diminui lentamente, podendo deixar áreas de despigmentaçao. Nao é incomum áreas de tanto hiper como hipopigmentaçao linear residual durando meses, e cicatrizes podem ocorrer. Destaca-se que os pacientes relatam o aumento da sensibilidade e eritema quando a pele acometida é reexposta à luz ultravioleta, luz fluorescente, calor ou exercício, às vezes por anos4,6,7.

Na suspeita de fitofototoxicidade, a apresentaçao clínica e história de exposiçao a plantas e seus derivados no trabalho ou por lazer sao fundamentais. Patch testes devem ser evitados, uma vez que os psoralenos sao fotoirritantes e nao geram reaçao do tipo alérgica1,4.

Histologicamente, as dermatites de contato por irritante primário podem apresentar edema intra ou intercelular com queratinócitos necróticos, pigmento contido dentro das células por toda extensao da epiderme e infiltrado linfoperivascular esparso e superficial. Dependendo da gravidade do quadro, bolhas subepidérmicas podem ocorrer. A melanina está presente no meio extracelular, bem como dentro melanófagos na derme papilar. Estas alteraçoes sao consistentes com uma erupçao cutânea fototóxica porpsoralenos, resultando acentuada hiperpigmentaçao pós-inflamatória3,4.

Infelizmente, o tratamento das fotodermatites limita-se a evitar novo contato com o alérgeno suspeito e no quadro agudo a abordagem sintomática. Na suspeita de fitofototoxicidade, antes do surgimento das alteraçoes cutâneas, deve-se lavar a pele de forma abundante com água e sabao para retirar qualquer substância química em contato; após, a aplicaçao de protetor solar e abstençao de exposiçao ao sol sao fortemente encorajados nas 48 horas seguintes. Uma vez que a dermatite aguda é aparente, a terapia inclui cremes de corticosteroides tópicos, anti-histamínicos e banhos relaxantes. Reaçoes graves requerem o uso de corticoides sistêmicos. Para hiperpigmentaçao residual, os filtros solares podem de forma profilática1,4.


REFERENCIAS

1. Niemeyer-Corbellini JP, Lupi O. Environmental causes of dermatitis: plant dermatitis. In: Tyring SK, Lupi O, Hengge UR. Tropical dermatology. Philadelphia: Elsevier; 2006. p.439-45.

2. Gawkrodger DJ, Savin JA. Phytophotodermatitis due to common rue (Ruta graveolens). Contact Dermatitis. 1983;9(3):224.

3. Heskel NS, Amon RB, Storrs FJ, White CR Jr. Phytophotodermatitis due to Ruta graveolens. Contact Dermatitis. 1983;9(4):278-80.

4. Eickhorst K, DeLeo V, Csaposs J. Rue the herb: Ruta graveolens--associated phytophototoxicity. Dermatitis. 2007;18(1):52-5.

5. Wessner D, Hofmann H, Ring J.Phytophotodermatitis due to Ruta graveolens applied as protection against evil spells. Contact Dermatitis. 1999;41(4):232.

6. Morais P, Mota A, Cunha AP, Peralta L, Azevedo F. Phytophotodermatitis due to homemade ointment for Pediculosis capitis. Contact Dermatitis. 2008;59(6):373-4.

7. Arias-Santiago SA, Fernández-Pugnaire MA, Almazán-Fernández FM, Serrano-Falcón C, Serrano-Ortega S. Phytophotodermatitis due to Ruta graveolens prescribed for fibromyalgia. Rheumatology (Oxford). 2009;48(11):1401.










1. Mestrado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Responsável pelo Ambulatório de Cosmiatria do Instituto de Dermatologia Professor Rubem David Azulay da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2. Aluna do serviço de pós-graduaçao em Dermatologia da Policlínica Geral do Rio de Janeiro (PGRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Correspondência:
Bruna Souza Felix Bravo
Rua Dona Mariana 143, Botafogo
Rio de Janeiro, RJ,Brazil - CEP: 22280-020
E-mail: brunabravo@globo.com

Artigo recebido: 29/8/2014
Artigo aceito: 10/11/2014

Trabalho realizado na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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