1460
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

Critérios diagnósticos de infecção no paciente queimado

Diagnostic criteria for infection in burn patients

Wellington Menezes Mota1; Caio Augusto Lima de Araújo2; Amanda Maria Ribas Rosa de Oliveira3; David de Souza Gomez4; João Manoel Silva Junior5; Rolf Gemperli6

RESUMO

Sepse com disfunçao de múltiplos órgaos representa a principal causa de morte em pacientes com queimaduras graves e continua a ser assunto de muita pesquisa e debate. Tratamentos adequados e rápidos dependem de um diagnóstico acurado e imediato. Entretanto, o diagnóstico de sepse é difícil, especialmente em casos de queimaduras, nos quais os sinais de sepse podem estar presentes na ausência de infecçao e podem levar à utilizaçao desnecessária de antibióticos. Queimaduras gravessao acompanhadas por uma "síndrome da resposta inflamatória sistêmica", tornando indicadores tradicionais de sepse pouco sensíveis e inespecíficos. Para resolver isso, a American Burn Association (ABA) publicou critérios diagnósticos em 2007 para padronizar a definiçao de sepse nestes pacientes. Como essas diretrizes sao baseadas em consenso e nao em estudos clínicos prospectivos, métodos mais precisos de detecçao de sepse nesta populaçao estao em estudo. Isso tem levado auma busca por marcadores biológicos capazes de identificar a resposta inflamatória de corrente da presença de infecçao, o que pode ser útil no diagnóstico inicial.

Palavras-chave: Infecção. Sepse. Diagnóstico. Queimaduras.

ABSTRACT

Sepsis with multiple-organ dysfunction represents the major cause of death in severe burns patients and remains subject of much research and debate. Adequate and rapid treatments presume an accurate and prompt diagnosis. Although, diagnosis of sepsis is difficult, particularly in cases of burn where signs of sepsis may be present in the absence of a real infection and can lead to unnecessary use of antibiotics. Severe burn injury is accompanied by a "systemic inflammatory response syndrome", making traditional indicators of sepsis both insensitive and nonspecific. To address this, the American Burn Association (ABA) published diagnostic criteria in 2007 to standardize the definition of sepsis in these patients. Because these guidelines are based on consensus and not founded in prospective clinical studies, more precise methods of detecting sepsis in this vulnerable population have been studied. This has led to a search for biological tools capable of identifying the inflammatory response due to infection, which could be useful in the initial diagnosis.

Keywords: Infection. Sepsis. Diagnostic. Burns.

INTRODUÇAO

Após o desenvolvimento de terapia eficaz para os distúrbios hidroeletrolíticos causados por queimaduras graves, infecçoes e septicemia tornaram-se as principais causas de mortalidade em pacientes com queimaduras1. A falência de múltiplos órgaos continua a ser a principal causa de morte e uma importante causa de morbidade após queimaduras, sendo a presença de infecçao considerada a maior responsável pela deterioraçao clínica fatal, presente em até 75% dos casos2. A prevalência de sepse em pacientes com queimadura varia de 8% a 65%, sendo atribuída como causa de morte em 28%-65% dos casos de queimaduras1,3. No Brasil, foi observada uma prevalência de 55% de infecçoes em pacientes da Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas da Universidade de Sao Paulo, sendo a infecçao de corrente sanguínea a mais prevalente, encontrada em 49% dos pacientes4. Em Brasília, 86 (30,9%) pacientes, de um total de 278 pacientes internados na Unidade de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte, desenvolveram complicaçoes infecciosas5.

Pacientes com queimaduras graves frequentemente desenvolvem infecçoes, as quais sao comumente fatais. Essa elevada prevalência decorre em funçao de vários fatores como: alteraçao estrutural na cobertura cutânea, com perda da barreira e grande carga de colonizaçao bacteriana; imunossupressao celular e humoral; possibilidade de translocaçao bacteriana gastrointestinal, facilitada pela ocorrência de choque, alteraçao da permeabilidade e rompimento da flora bacteriana normal; lesoes respiratórias, que afetam os mecanismos de defesa do trato respiratório; e o uso de cateteres, tubos e dispositivos invasivos terapêuticos e de monitoramento2,6.

Apesar do alto risco de infecçoes em pacientes com queimaduras, os indicadores de infecçao comumente utilizados nao sao confiáveis nesta populaçao e estao sendo amplamente estudados7. A presença de queimadura leva a um estado de imunossupressao, decorrente de granulocitopenia, reduçao de citocinas inflamatórias, de interleucinas (IL) e de fatores de crescimento que incluem: IL-1, -2,-6-8 e-13, fator de necrosetumoral (TNF) -α e fator de crescimento endotelial vascular8. Tais alteraçoes levam a um estado de resposta metabólica e fisiológica exacerbada ao trauma com mudanças físicas, incluindo taquicardia persistente, taquipneia, leucocitose e hipertermia, tornando difícil o diagnóstico de infecçao e sepse.

É bastante comum pacientes receberem antibióticos empíricos dentro da primeira semana após a ocorrência de queimadura; entretanto, nem sempre há a presença de infecçao documentada1. Mais de 25% dos pacientes sem infecçao documentada recebem antibióticos no momento da sua admissao9. Desta forma, a identificaçao de preditores precoces de infecçao em pacientes com queimadura proporciona aos médicos uma ferramenta prática para auxiliar no diagnóstico e, portanto, reduz o uso desnecessário de antimicrobianos.

Esta revisao narrativa tem por objetivo pontuar os critérios mais atuais acerca do diagnóstico de infecçao e sepse em uma populaçao bastante específica, que sao os pacientes queimados, ao observar as grandes dificuldades para os cirurgioes e intensivistas que cuidam desses pacientes em reconhecer e tratar precocemente essas condiçoes, que sao bastante prevalentes.

Inicialmente, pesquisamos na base de dados PubMed utilizando as palavras-chave ("MESH words") "infection" OR "diagnostic criteria" OR "diagnosis" AND "burn patients". Foram encontrados 1.022 resumos. Em seguida, utilizamos as palavras-chave ("MESH words") "sepsis" OR "predictors" AND "burn patients" e foram encontrados 466 resumos. Devido ao grande número de artigos, resolvemos cruzar as duas pesquisas acima, resultando em 240 artigos, os quais foram utilizados como base para nossa referência.

Em virtude de ser um tema recente e ainda pouco estudado na literatura, com poucos estudos publicados envolvendo pacientes queimados e consequente grau de medicina baseada em evidência limitado e baixo, optamos por realizar uma revisao narrativa do tema. Dessa forma, esta revisao nao pode ser classificada no modelo de revisao sistemática, porém, nao reduz a importância da mesma, visto que se trata do primeiro trabalho em língua portuguesa acerca do tema e reúne as mais recentes ferramentas que podem auxiliar no complicado diagnóstico de infecçao e sepse em pacientes queimados.


CRITÉRIOS DIAGNOSTICOS

Pacientes vítimas de queimaduras acima de 20% da superfície corpórea apresentam um estado crônico de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS), cujos critérios foram definidos há mais de uma década e incluem: temperatura acima de 38ºC ou abaixo de 36ºC; frequência cardíaca> 90 batimentos por minuto (bpm); frequência respiratória> 20/min ou pressao arterial de gás carbônico (PaCO2) > 32 mmHg; e leucócitos > 12.000/mm3 ou<4.000/mm3, ou presença de mais que 10% de bastonetes10.

Os critérios de SRIS nao sao discriminatórios na identificaçao de infecçao em pacientes queimados11. O estado de hipermetabolismo resultante da ocorrência de queimaduras eleva a temperatura corporal para cerca de 38,5ºC, gera taquicardia e taquipneia, que pode persistir por meses, bem como mudanças significativas na contagem de glóbulos brancos, resultantes da SRIS apresentada por estes pacientes mesmo na ausência de complicaçoes clínicas e infecciosas12,13. Mann-Salinas et al.14 identificaram que mais de 95% dos pacientes com lesoes decorrentes de queimadura preenchem os critérios para SRIS, mesmo quando clinicamente estáveis. Similarmente, Hogan et al.15 observaram que dois critérios foram encontrados na maioria dos pacientes com lesoes graves causadas por queimadura.

Pacientes vítimas de queimaduras perdem a sua principal barreira para invasao de micro-organismos, deixando-os constante e cronicamente expostos ao meio ambiente. Essa exposiçao contínua leva a alteraçoes significativas na contagem de glóbulos brancos, tornando a leucocitose um pobre indicador de sepse12. Murray et al.11 demonstraram que a contagem de leucócitos, o percentual de neutrófilos ou mudanças nesses valores nao sao clinicamente confiáveis no diagnóstico de infecçao de corrente sanguínea em casos de queimaduras. Outros estudos confirmam tal achado, comprovando que a contagem de leucócitos nao deve ser utilizada para o diagnóstico de sepse nesses pacientes14,16.

Especialistas no tratamento de pacientes queimados observaram outros indícios mais confiáveis de infecçao ou sepse nesses pacientes. Dessa forma, reconhecendo as dificuldades associadas à aplicaçao dos critérios tradicionais de SRIS em queimaduras e a falta de definiçoes padronizadas de infecçao e sepse, a American Burn Association (ABA) publicou, em 2007, um consenso em que sao definidos critérios específicos, os quais devem levar o médico a considerar a presença de infecçao e iniciar antibióticos empíricos em pacientes vítimas de queimaduras (Tabela 1)12.




No pequeno estudo retrospectivo de Hogan et al.15, nao houve evidência de correlaçao forte entre os critérios da ABA e a presença de bacteremia em pacientes com queimaduras graves. Dos critérios clínicos definidos pela ABA, apenas temperatura e frequência cardíaca foram estatisticamente significativos. Quando tais critérios foram analisados em pacientes com culturas obtidas pelo menos 72 horas após a admissao, nenhuma associaçao com a presença de bacteremia foi encontrada, sugerindo que os critérios de sepse da ABA nao sao fortes preditores de bacteremia sem a presença de uma resposta clínica importante. Isto pode estar relacionado, dentre as várias limitaçoes presentes no trabalho, com o pequeno tamanho da amostra, de modo que um estudo prospectivo é necessário para avaliar adequadamente a validade desses critérios ao longo do tempo.

Outro estudo também demonstrou limitaçao dos critérios da ABA para discriminar pacientes com bacteremia e suspeita de sepse daqueles com cultura negativa, com suspeita de sepse ou nao14. Após análise multivariada, os critérios associados à sepse foram: frequência cardíaca > 130 bpm; pressao arterial média < 60 mmHg; déficit de base < - 6 meq/L; temperatura <36ºC; uso de drogas vasoativas; e glicemia > 150 mg/dl. Intolerância à glicose e resistência à insulina, critérios sugeridos pela ABA, nao foram significativos nesse estudo. Tais critérios, quando comparados aos propostos pela ABA, mostraram-se eficientes na discriminaçao de pacientes sépticos com cultura positiva e pacientes sem sinais de sepse com cultura negativa 48 horas antes da obtençao das culturas, maximizando o tempo para intervençao. Entretanto, a sensibilidade desses seis critérios propostos é de apenas 46%, enquanto que a dos critérios da ABA é de 92%, com menor taxa de falso-positivo, que foi de 14% contra 68%, respectivamente, reduzindo o risco de tratamento desnecessário com antibióticos.

Com o objetivo de identificar preditores precoces de infecçao em pacientes queimados, Schultz et al.1 estudaram retrospectivamente 111 pacientes de forma a gerar critérios práticos que fossem complementares aos critérios diagnósticos propostos pela ABA e pudessem auxiliar no diagnóstico de infecçao e sepse em pacientes queimados. Dois fatores preditores foram identificados para o diagnóstico de infecçao: fraçao inalada de oxigênio (FiO2) > 25% e temperatura máxima > 39ºC. Quando presentes, a especificidade e o valor preditivo positivo (VPP) chegam a 100%. Entretanto, a sensibilidade, a acurácia e o valor preditivo negativo (VPN) sao menores que 50% e, portanto, nao podem ser usados para excluir a presença de infecçao. Para o diagnóstico de sepse, três critérios deverao estar presentes: frequência cardíaca > 110 bpm; pressao arterial sistólica < 100 mmHg e necessidade de intubaçao. Tais critérios apresentaram especificidade e VPP de 100%, com sensibilidade, acurácia e VPN de 61%, 85% e 81%, respectivamente, e serao analisados em estudos prospectivos.

Observando a dificuldade de realizar o diagnóstico de sepse em pacientes queimados, especialistas chineses desenvolveram, em 2007, um consenso no qual estabeleceram critérios diagnósticos diferentes dos utilizados pela ABA17,18.

Para o diagnóstico de sepse, seis dos 11 critérios abaixo sao necessários: agitaçao mental, alucinaçoes, desorientaçao ou depressao; distensao abdominal com ruídos hidroaéreos reduzidos; deterioraçao rápida das feridas com aspecto úmido, escurecidas e/ou aprofundadas com áreas de necrose; temperatura central >39,0ºC ou <36,5ºC; aumento da frequência cardíaca, em adultos >130 bpm/minuto e em crianças de todas as idades >2 desvios-padrao do valor normal; aumento da frequência respiratória, em adultos >28 incursoes/minuto sem ventilaçao mecânica e em crianças >2 desvios-padrao do valor normal; trombocitopenia, em adultos <50.000/µL e em crianças de todas as idades <2 desvios-padrao do valor normal; leucócitos em adultos >15.000/µLou <5.000/µL, com neutrófilos >80% ou granulócitos >10%, e em crianças >2 ou <2 desvios-padrao do valor normal; procalcitonina sérica >500 ng/ml; sódio sanguíneo >155 mEq/l; glicemia >252 mg/dl sem histórico de diabetes; e hemocultura positiva ou resposta positiva à terapia antibiótica.

Trata-se do único estudo que inclui o uso da contagem de células brancas e o do marcador biológico procalcitonina nos critérios diagnósticos de sepse. Nao foram encontrados na literatura estudos envolvendo tais critérios, os quais necessitam serem validados.


MARCADORES BIOLOGICOS

Como as diretrizes diagnósticas de infecçao em pacientes queimados sao baseadas em consenso, e nao fundamentadas em estudos clínicos prospectivos, métodos mais precisos de detecçao de sepse nesta populaçao sao necessários. Isso tem levado à busca de biomarcadores que possibilitem diferenciar a SRIS da presença de infecçao e mensurar o risco de desenvolvimento de sepse ou de infecçao grave19. O diagnóstico de sepse seria acelerado se houvesse um teste simples, barato e que pudesse ser realizado de forma rotineira, comum elevado grau de precisao na diferenciaçao de infecçao e de SRIS3.

A identificaçao precoce de pacientes com maior risco de sepse resultaria em intervençoes clínicas mais agressivas em um estágio inicial e melhor prognóstico. Até o momento, alguns marcadores de inflamaçao e infecçao estao sendo estudados na prática clínica para identificar a presença de infecçao no paciente grande queimado como: a proteína c-reativa (PCR), a procalcitonina, a contagem de plaquetas, a taxa de sedimentaçao de eritrócitos, o TNF-α, a IL-6, a presepsina, dentre outros8,20.

Há dados conflitantes na literatura se a PCR pode ser utilizada como um biomarcador para identificar infecçao ou sepse13. Verificouse que o nível de PCR é um parâmetro que deve ser utilizado para modelar a resposta após a queimadura, porém, é incapaz de indicar infecçao grave ou sepse19. Além disso, foi observada a presença de níveis persistentemente elevados de PCR em pacientes com queimaduras, mesmo na ausência de sinais de sepse13. Barati et al.16 confirmam que os níveis de PCR nao sao significativamente mais elevados entre as pessoas com queimaduras e sepse do que entre aqueles com queimaduras e ausência de infecçao.

Há várias outras condiçoes, além da presença de infecçao, que geralmente levam a alteraçoes na concentraçao da PCR, tais como trauma, queimaduras, necrose tecidual e doenças inflamatórias mediadas imunologicamente. Dessa forma, a PCR nao pode ser utilizada como única ferramenta diagnóstica para investigar presença de infecçao em pacientes queimados, uma vez que nao é específica13.

A procalcitonina, molécula precursorada calcitonina produzida nos tecidos tireoidianos e extratireoidianos, como o tecido adiposo, demonstrou ser um bom marcador diagnóstico na SRIS, septicemia e choque séptico em pacientes críticos3. O nível sérico normal em um indivíduo saudável sem inflamaçao é inferior a 0,05 ng/ml, já os níveis de procalcitonina associados com infecçao local, possível infecçao sistêmica, sepse e sepse grave sao: <0,5 ng/mL, de 0,5-2ng/mL, 2-10ng/mL, e >10ng/mL, respectivamente3,21.

Há evidências de que a procalcitonina seja um marcador diagnóstico útil para sepse em adultos e crianças com queimaduras, inclusive com evidências de superioridade em relaçao à PCR, entretanto, seu valor diagnóstico ainda permanece controverso na literatura8. Em estudo de Bargues et al.22, a procalcitonina nao oferece vantagens para o diagnóstico de sepse em queimaduras em comparaçao com outros marcadores biológicos, como a PCR e a contagem de glóbulos brancos. Segundo o estudo, o poder diagnóstico da procalcitonina é quase o mesmo da PCR, entretanto, a procalcitonina é muito mais cara, o que limita o seu uso. No estudo de Seoane et al.23, a dosagem de procalcitonina nao se mostrou útil no diagnóstico de infecçao em pacientes queimados.

Acredita-se que o valor da procalcitonina está na possibilidade de detecçao precoce de episódios sépticos em pacientes com queimaduras, particularmente quando combinados com outros marcadores clínicos e bioquímicos de infecçao8. No estudo de Lavrentieva et al.24, a procalcitonina mostrou-se útil como ferramenta diagnóstica em pacientes com complicaçoes infecciosas, com ou sem bacteremia, e no acompanhamento da eficácia do antibiótico, além de o nível máximo apresentar valor prognóstico. Sugerese que a procalcitonina seja um parâmetro laboratorial altamente eficiente para o diagnóstico de infecçao grave após queimaduras13. No entanto, há um importante problema metodológico enfrentado pelos estudos envolvendo a procalcitonina, que é a falta de critérios bem definidos para o diagnóstico de sepse em pacientes vítimas de queimaduras. Sao necessários estudos clínicos bem controlados, prospectivos, multicêntricos e com utilizaçao dos critérios da ABA para definir a contribuiçao da procalcitonina para a identificaçao precoce e no tratamento da sepse em pacientes queimados.

A trombocitopenia tem sido documentada como um sinal confiável de sepse12. Devido às grandes infusoes de fluidos após a reanimaçao inicial, a trombocitopenia é frequentemente encontrada em 24 a 48 horas depois de uma queimadura com grande área acometida, sendo um indicador de hemodiluiçao e nao de sepse. Depois de aproximadamente 3 dias, a queda da contagem de plaquetas é um sinal importante de sepse. Housinger et al.25 avaliaram uma populaçao pediátrica vítima de queimaduras e descobriram que todas as mortes foram causadas por disfunçao de múltiplos órgaos e sepse, com a presença de plaquetopenia <100.000/mm3, que precedeu todos os outros sinais de sepse.

Na avaliaçao da taxa de sedimentaçao de eritrócitos para o diagnóstico de infecçao em pacientes queimados, nao foi evidenciada diferença estatística na taxa entre pacientes com e sem infecçao16. Isto demonstra que a taxa de sedimentaçao de eritrócitos nao deve ser utilizada com este propósito, já que é influenciada nao só pela ocorrência de inflamaçao e infecçao, mas também por outras variáveis de confusao, como as alteraçoes volêmicas, comuns nos pacientes queimados.

Há relatos de aumento dos níveis de citocinas em pacientes queimados com infecçao e sepse, tais como IL-6, IL-8, IL-10 e TNF-α, cujo poder preditivo para o diagnóstico de sepse é objeto de estudo26,27. O estudo de Finnety et al.27 demonstrou que o perfil de citocinas no soro pode ser usado como ferramenta diagnóstica para identificar pacientes com risco de desenvolvimento de morte por sepse. No mesmo, foram evidenciadas elevaçoes significativas de IL-6, IL-8, IL-10 e TNF-α, bem como do fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos, do interferon-gama e da IL-12 p70 no momento da admissao de pacientes que, posteriormente, desenvolveram e morreram de sepse, quando comparado com pacientes queimados que nao desenvolveram septicemia (p<0,05). Além disso, níveis mais baixos deTNF-α em combinaçao com elevaçao dos níveis de IL-6 e IL-12p70 foram preditivos de maior risco de desenvolvimento de sepse e morte.

Novos fatores vêm sendo apontados como preditores de sepse em pacientes vítimas de queimadura. Níveis significativamente elevados de presepsina sérica foram encontrados em pacientes sépticos, podendo ser utilizada como marcador precoce de sepse em pacientes queimados20. Outro estudo aponta que o índice de água extravascular pulmonar> 9 ml/kg é preditor de sepse, com sensibilidade de 89% eespecificidade de 72%28. Além disso, demonstrou ser um sinal precoce de infecçao bacteriana e sua elevaçao contínua, um sinal de prognóstico desfavorável. Estudos prospectivos desses e outros parâmetros clínicos, especialmente em combinaçao com outros parâmetros laboratoriais, sao necessários para obter melhor compreensao dos marcadores de sepse e descobrir a exata combinaçao de indicadores que é mais preditiva para esse diagnóstico em pacientes queimados.


CONCLUSAO

O diagnóstico de infecçao em pacientes vítimas de queimadura é uma tarefa difícil e desafiadora. Nao existe uma ferramenta diagnóstica ou um critério capaz de isoladamente definir este diagnóstico. Atualmente, o que temos disponível sao critérios diferenciados para esta populaçao que, em conjunto com variáveis laboratoriais, norteiam o diagnóstico de infecçao e tornam possível nao iniciar tratamento antibiótico em todos os pacientes que, na maioria das vezes, têm critérios de resposta inflamatória sistêmica pela própria queimadura.


REFERENCIAS

1. Schultz L, Walker SA, Elligsen M, Walker SE, Simor A, Mubareka S, et al. Identification of predictors of early infection in acute burn patients. Burns. 2013;39(7):1355-66.

2. Raz-Pasteur A, Hussein K, Finkelstein R, Ullmann Y, Egozi D. Blood stream infections (BSI) in severe burn patients-early and late BSI: a 9-year study. Burns. 2013;39(4):636-42.

3. Mann EA, Wood GL, Wade CE. Use of procalcitonin for the detection of sepsis in the critically ill burn patient: a systematic review of the literature. Burns. 2011;37(4):549-58.

4. Santucci SG, Gobara S, Santos CR, Fontana C, Levin AS. Infections in a burn intensive care unit: experience of seven years. J Hosp Infect. 2003;53(1):6-13.

5. Soares de Macedo JL, Santos JB. Nosocomial infections in a Brazilian Burn Unit. Burns. 2006;32(4):477-81.

6. Orban C, Tomescu D. The importance of early diagnosis of sepsis in severe burned patients: outcomes of 100 patients. Chirurgia (Bucur). 2013;108(3):385-8.

7. Orban C. Diagnostic criteria for sepsis in burn patients. Chirurgia (Bucur). 2012;107(6):697-700.

8. Chipp E, Milner CS, Blackburn AV. Sepsis in burns: a review of current practice and future therapies. Ann Plast Surg. 2010;65(2):228-36.

9. Appelgren P, Björnhagen V, Bragderyd K, Jonsson CE, Ransjö U. A prospective study of infections in burn patients. Burns. 2002;28(1):39-46.

10. Bone RC, Balk RA, Cerra FB, Dellinger RP, Fein AM, Knaus WA, et al. Definitions for sepsis and organ failure and guidelines for the use of innovative therapies in sepsis. The ACCP/SCCM Consensus Conference Committee. American College of Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine. Chest. 1992;101(6):1644-55.

11. Murray CK, Hoffmaster RM, Schmit DR, Hospenthal DR, Ward JA, Cancio LC, et al. Evaluation of white blood cell count, neutrophil percentage, and elevated temperature as predictors of bloodstream infection in burn patients. Arch Surg. 2007;142(7):639-42.

12. Greenhalgh DG, Saffle JR, Holmes JH 4th, Gamelli RL, Palmieri TL, Horton JW, et al.; American Burn Association Consensus Conference on Burn Sepsis and Infection Group. American Burn Association consensus conference to define sepsis and infection in burns. J Burn Care Res. 2007;28(6):776-90.

13. Lavrentieva A, Kontakiotis T, Lazaridis L, Tsotsolis N, Koumis J, Kyriazis G, et al. Inflammatory markers in patients with severe burn injury. What is the best indicator of sepsis? Burns. 2007;33(2):189-94.

14. Mann-Salinas EA, Baun MM, Meininger JC, Murray CK, Aden JK, Wolf SE, et al. Novel predictors of sepsis outperform the American Burn Association sepsis criteria in the burn intensive care unit patient. J Burn Care Res. 2013;34(1):31-43.

15. Hogan BK, Wolf SE, Hospenthal DR, D'Avignon LC, Chung KK, Yun HC, et al. Correlation of American Burn Association sepsis criteria with the presence of bacteremia in burned patients admitted to the intensive care unit. J Burn Care Res. 2012;33(3):371-8.

16. Barati M, Alinejad F, Bahar MA, Tabrisi MS, Shamshiri AR, Bodouhi NO, et al. Comparison of WBC, ESR, CRP and PCT serum levels in septic and non-septic burn cases. Burns. 2008;34(6):770-4.

17. Yizhi P, Jing C, Zhiqiang Y, Xiaolu L, Gaoxing L, Jun W; Editorial Board of Guidelines for the Treatment of Burn Infection, Chinese Medical Association. Diagnostic criteria and treatment protocol for post-burn sepsis. Crit Care. 2013;17(1):406.

18. Peng YZ, Yuan ZQ. Standardized definitions and diagnostic criteria for infection in burn patients. Zhonghua Shao Shang Za Zhi. 2007;23(6):404-5.

19. Jeschke MG, Finnerty CC, Kulp GA, Kraft R, Herndon DN. Can we use C-reactive protein levels to predict severe infection or sepsis in severely burned patients? Int J Burns Trauma. 2013;3(3):137-43.

20. Cakır Madenci Ö, Yakupoğlu S, Benzonana N, Yücel N, Ababa D, Orçun Kaptanağası A. Evaluation of soluble CD14 subtype (presepsin) in burn sepsis. Burns. 2014;40(4):664-9.

21. Schneider HG, Lam QT. Procalcitonin for the clinical laboratory: a review. Pathology. 2007;39(4):383-90.

22. Bargues L, Chancerelle Y, Catineau J, Jault P, Carsin H. Evaluation of serum procalcitonin concentration in the ICU following severe burn. Burns. 2007;33(7):860-4.

23. Seoane L, Pertega S, Galeiras R, Astola I, Bouza T. Procalcitonin in the burn unit and the diagnosis of infection. Burns. 2014;40(2):223-9.

24. Lavrentieva A, Papadopoulou S, Kioumis J, Kaimakamis E, Bitzani M. PCT as a diagnostic and prognostic tool in burn patients. Whether time course has a role in monitoring sepsis treatment. Burns. 2012;38(3):356-63.

25. Housinger TA, Brinkerhoff C, Warden GD. The relationship between platelet count, sepsis, and survival in pediatric burn patients. Arch Surg. 1993;128(1):65-6.

26. Yamada Y, Endo S, Inada K. Plasma cytokine levels in patients with severe burn injury--with reference to the relationship between infection and prognosis. Burns. 1996;22(8):587-93.

27. Finnerty CC, Herndon DN, Chinkes DL, Jeschke MG. Serum cytokine differences in severely burned children with and without sepsis. Shock. 2007;27(1):4-9.

28. Bognar Z, Foldi V, Rezman B, Bogar L, Csontos C. Extravascular lung water index as a sign of developing sepsis in burns. Burns. 2010;36(8):1263-70.










1. Residente de Cirurgia Geral do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo (HC-FMUSP), Sao Paulo, SP, Brasil
2. Residente de Cirurgia Plástica do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil
3. Médica Intensivista da Unidade de Terapia Intensiva de Queimados do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil
4. Professor Colaborador e responsável pelo Serviço de Queimaduras do HC-FMUSP; Diretor Técnico de Serviço de Saúde da Divisao de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil
5. Médico Intensivista da Unidade de Terapia Intensiva de Queimados do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil
6. Professor Regente do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP; Professor Livre-docente da Disciplina de Cirurgia Plástica e Queimaduras do HC-FMUSP, Sao Paulo, SP, Brasil

Correspondência:
Wellington Menezes Mota
Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 171/507
Cerqueira César - Sao Paulo, SP, Brasil - CEP: 05403-908
E-mail: wellmota@gmail.com

Artigo recebido: 16/7/2014
Artigo aceito: 5/9/2014
Os autores declaram inexistência de conflitos de interesse e ausência de fontes de financiamento.

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados