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Relato de Caso

Avaliação de diferentes áreas de cicatriz na vítima de queimadura pela utilização do Cutometer: relato de um caso

Evaluation of different areas of scar on burn victim using Cutometer: case report

Adriana da Costa Gonçalves1; Natália Gonçalves2; Lígia Brancalion Catapani3; Lídia Aparecida Rossi4; Elaine Caldeira Oliveira Guirro5; Jayme Adriano Farina Júnior6

RESUMO

OBJETIVO: Relato de um caso com o objetivo de descrever as características biofísicas da pele (elasticidade, eritema e melanina) em diferentes tipos de cicatrizes de um paciente queimado, cerca de um ano após a alta hospitalar.
MÉTODO: Foi utilizado o equipamento Cutometer (modelo Cutometerr MPA 580), sonda 2 mm, vácuo de 500 mbar, parâmetro R0 (elasticidade) e sonda acessória, Mexameter (índice eritema e melanina). O paciente apresentava diferentes tipos de cicatrizes e enxertos, pósqueimadura. A mesma área contralateral ilesa foi utilizada como controle. Foram avaliadas áreas de cicatrizes de segundo grau superficial (SGS), profundo (SGP), enxerto em malha (EM) e lâmina (EL), com áreas controle.
RESULTADOS: Paciente de 56 anos, masculino, branco, queimadura por álcool, 16% de superfície corpórea queimada. Realizou procedimento cirúrgico de enxertia de pele, com área doadora de coxas, evoluindo com cicatriz hipertrófica. Na área de SGP, os valores encontrados para elasticidade, eritema e melanina foram os mais discrepantes quando comparados à área contralateral ilesa (R0 SGP= 0,068 mm, R0 controle SGP= 0,384 mm; eritema SGP= 689, eritema controle SGP= 385; melanina SGP= 31, melanina controle SGP= 182) e o SGS a mais semelhante (R0 SGS= 0,420 mm, R0 controle SGS= 0,439 mm; eritema SGS= 320, eritema controle SGS= 332; melanina SGS= 146, melanina controle SGS= 188). Em relaçao à elasticidade das áreas enxertadas, o EL apresentou os resultados mais semelhantes a sua área controle, quando comparado ao EM (R0 EL= 0,125 mm, R0 controle EL= 0,235 mm e R0 EM= 0,119 mm, R0 controle EM= 0,330 mm).
CONCLUSAO: Onze meses após a queimadura, as características biofísicas de diferentes tipos de cicatrizes no paciente estudado apresentavam-se alteradas quando comparadas entre si e com a pele ilesa. Há necessidade de avaliaçoes objetivas, que possam contribuir para adequaçoes no tratamento, prevençao e minimizaçao de sequelas estéticas e funcionais.

Palavras-chave: Queimaduras. Cicatrização. Cicatrizes.

ABSTRACT

PURPOSE: To report a case in order to describe the biophysical characteristics of the skin (elasticity, melanin and erythema) in different types of scars in burned patients, about one year after discharge.
METHODS: It was utilized Cutometer (model Cutometerr MPA 580), probe 2 mm, with vacuum 500 mbar, for the elasticity parameter R0, and probe accessory Mexameter (indices of erythema and melanin). The patient studied showed different types of grafts and scars, after burns, having uninjured contralateral side as a control. The areas evaluated were superficial second degree burn (SSD) and deep (DSD), graft mesh (GM) and split-thickness skin graft (STSG). The same contralateral unburned was the control.
RESULTS: A 56 year-old white male, burn for alcohol, 16% of body surface area burned. Realized skin grafting surgery, with donor area of thighs, developed with hypertrophic scar. In the area of the DSD values for elasticity, melanin and erythema were the most discrepant when compared to uninjured contralateral area (R0 DSD= 0.068 mm, R0 control DSD= 0.384 mm; erythema DSD= 689, erythema control DSD= 385; melanin DSD= 31, melanin control DSD= 182) and more similar to SSD (R0 SSD= 0.420 mm, R0 control SSD= 0.439 mm; erythema SSD= 320, erythema control SSD= 332; melanin SSD= 146, melanin control SSD= 188). Regarding the elasticity of the grafted areas, in the split-thickness skin graft presented the results more similar to its control area, when compared to the meshed graft (R0 STSG= 0.125 mm, R0 control STSG= 0.235 mm; R0 GM= 0.119 mm, R0 control GM= 0.330 mm).
CONCLUSION: Eleven months after burning, the biophysical characteristics of different types of scars in the patient studied showed changes when compared with each other and with the skin unharmed. The objective assessments are necessary and may contribute to adjustments in the treatment, prevention and minimization aesthetic and functional sequelae.

Keywords: Burns. Wound Healing. Scars.

INTRODUÇAO

A vítima de queimaduras pode ter diferentes graus de lesoes, necessitando de intervençoes como curativos, enxertos e retalhos. Consequentemente, diferentes tipos de cicatrizes podem se desenvolver, envolvendo hipertrofias, eritema, discromias e limitaçoes funcionais; dependendo da idade, tempo de cicatrizaçao, entre outros fatores1, exigindo reavaliaçoes frequentes, adequaçao de condutas2 e tratamento a longo prazo.

Devido às diferentes evoluçoes no processo de maturaçao de cicatrizes decorrente de queimadura, métodos objetivos de avaliaçao sao necessários. Na literatura, sao descritos vários métodos invasivos e nao invasivos para a avaliaçao das propriedades biofísicas e mecânicas da pele3,4.

O Cutometer tem sido utilizado para avaliar cicatrizes por queimaduras, sendo capaz de detectar mudanças mínimas no aumento da elasticidade da pele5 e indicado para aperfeiçoar o tratamento destes pacientes. É um equipamento nao invasivo que realiza medidas objetivas e quantitativas sobre a elasticidade da pele6, medindo a sua deformaçao vertical por sucçao. Além de avaliar a elasticidade da pele, possui sondas acessórias, dentre elas, o Mexameter, que realiza a mensuraçao da coloraçao (eritema e melanina) da pele, também com dados quantitativos1.

O objetivo deste estudo foi descrever características biofísicas do tegumento, tais como a elasticidade, o eritema e a melanina, em diferentes tipos de cicatrizes em uma vítima de queimadura, cerca de um ano após a alta hospitalar.


MÉTODO

Estudo descritivo, relato de caso, realizado na Unidade de Queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto da Universidade de Sao Paulo. Estudo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, Processo HCRP nº 13386/2011.

O paciente estudado apresentava diferentes tipos de cicatrizes e enxertos, pós-queimadura. O lado contralateral ileso foi usado como controle. A exclusao, presença de afecçoes que pudessem comprometer a avaliaçao.

Foi realizada uma avaliaçao fisioterapêutica, 11 meses após a queimadura por uma fisioterapeuta, acompanhada por uma enfermeira e uma aluna do curso de graduaçao em fisioterapia, com os dados pessoais do paciente, assim como procedimento cirúrgico, características das cicatrizes, principalmente em relaçao à hipertrofia (utilizaçao de escala subjetiva de 0 a 10, na qual 0 corresponde a ausência de hipertrofia e 10 hipertrofia extrema).

Para a avaliaçao das propriedades biofísicas da pele foi utilizado o equipamento Cutometer, modelo Cutometerr MPA 580 (Courage Khazaka electronic GmbH, Mathias-Brüggen-Straβe 91, D-50829 - Köln, Alemanha), calibrado, sonda com abertura de 2 mm, vácuo de 500 mbar, aplicado na superfície da área selecionada por um segundo e após um segundo de pressao normal, sendo esta medida repetida por três vezes (três curvas), parâmetro R0 (elasticidade bruta). Para a avaliaçao do índice eritema e melanina da pele, foi utilizada a sonda acessória Mexameter.

As avaliaçoes foram realizadas em ambiente controlado, com umidade de 50% e temperatura 25ºC, com tempo de adaptaçao do voluntário de 10 minutos, uma única vez em cada área selecionada.

As áreas avaliadas foram: queimadura de segundo grau superficial (SGS, Figura 1A), segundo grau profundo (SGP, Figura 1B), cicatrizadas em até duas e quatro semanas, respectivamente, e em áreas de enxertos em malha (EM, Figura 1C) e lâmina (EL, Figura 1D), após 11 meses de queimadura e em áreas controle contralateral (ilesas), todas nos membros superiores (Figura 2A e 2B).


Figura 1 - Marcadores para aplicaçao de sondas do Cutometer. Cicatriz de segundo grau superficial (1A), segundo grau profundo (1B), enxerto em malha (1C) e enxerto em lâmina (1D).



Figura 2 - Exemplo de áreas de cicatrizes hipertróficas avaliadas e áreas controle contralaterais. Enxerto em lâmina com área controle contralateral (2A), enxerto em malha com área controle contralateral (2B).



RESULTADOS

Paciente de 56 anos, masculino, branco, vítima de queimadura por álcool com 16% de superfície corpórea queimada, acometendo membro superior esquerdo e tronco. Realizou cirurgia de enxertia de pele (malha e lâmina), sendo a lâmina de 0,5 mm de espessura e a malha expandida 3x1, com área doadora de coxas, evoluindo com cicatriz hipertrófica na maioria das regioes acometidas (SGS=0, SGP=9, EL=5 e EM=7).

Observou-se que a área SGS apresentava características semelhantes à área controle do paciente (R0 SGS= 0,420 mm, R0 controle SGS= 0,439 mm), pela avaliaçao com Cutometer. O menor valor de elasticidade encontrado foi para a área SGP, quando comparado com a área nao cicatricial. Em relaçao à avaliaçao dos índices de eritema, a área de SGS manteve os valores mais próximos aos da área controle e o SGP apresentando valor mais discrepante. Na avaliaçao da melanina, as áreas de enxerto em lâmina e de segundo grau superficial apresentavam valores aproximados da sua área controle e as áreas de enxerto em malha e segundo grau profundo, os menores valores, quando comparadas aos controles (Tabela 1).




DISCUSSAO

A elasticidade bruta (R0) reduzida em áreas de cicatrizes, mesmo após 11 meses de queimaduras, caracterizam áreas de cicatrizes que sofreram uma reparaçao tecidual7 e que evoluíram com alteraçoes das suas características biofísicas, o que pode comprometer a qualidade de vida, devido ao comprometimento estético e funcional8. O pior resultado encontrado em nosso estudo foi em relaçao à elasticidade na área de segundo grau profundo, seguido de enxerto em malha e lâmina. Como esperado, somente na área de segundo grau superficial as características biofísicas encontravam-se semelhantes à área controle.

Após 12-24 meses, espera-se comumente um processo de maturaçao da cicatriz9, o que, nesse caso, ocorreu com a área de queimadura de segundo grau superficial, cicatrizada em até duas semanas, considerada por Roques8 um bom prognóstico. Nas demais áreas, a maturaçao da cicatriz, provavelmente, nao ocorreu totalmente, mostrando a necessidade de seguimento a longo prazo destes pacientes.

O eritema apresentou-se aumentado na área de cicatriz de SGP em relaçao ao controle; por outro lado, nas áreas de enxerto em lâmina e malha, e na área de SGS, valores menores e mais próximos às áreas controle foram encontrados. O eritema comumente encontra-se associado aos sintomas de prurido10, dor e hipertrofia em paciente com quadro de imaturidade da cicatriz, caracterizada pela hipervascularizaçao e consequente eritema local. Para a avaliaçao de sintomas como prurido e dor, há a necessidade de escalas subjetivas para a quantificaçao destes sintomas11.

Quando avaliados os valores de melanina nas diferentes áreas, foi perceptível a menor quantidade de pigmentaçao na cicatriz de SGP, valor esperado devido à área se caracterizar por uma reparaçao tecidual; seguida das áreas de enxerto em malha, SGS e enxerto em lâmina. A maior quantidade de melanina nos enxertos, principalmente lâmina, pode ser justificada pela área doadora ter sido a regiao da coxa, que possui maior quantidade de melanina que membros superiores12. A avaliaçao da cor da cicatriz tem um grande impacto na sua qualidade13 e nas possíveis sequelas estéticas, caracterizadas pelas discromias.

A melhor qualidade da coloraçao encontrada foi nas áreas enxertadas14 e de SGS, quando comparada com SGP, que apresentou maiores alteraçoes em relaçao às características biofísicas estudadas do tegumento (elasticidade, eritema e melanina).

Os dados do presente estudo mostraram a importância de parâmetros de comparaçao com uma área controle (ilesa) que possam fornecer indícios de padrao de normalidade para cada indivíduo em cada regiao corpórea, pois mesmo sendo feita avaliaçao em membros superiores, cada área corpórea deste segmento apresenta características biofísicas distintas e particulares15, que podem ser influenciadas por inúmeros fatores (fotoproteçao, vestimentas, entre outros).

Para avaliaçoes da qualidade e evoluçao de cicatrizes após queimaduras, têm sido utilizadas escalas subjetivas9. A avaliaçao objetiva das características biofísicas de cicatrizes, como elasticidade e coloraçao, pode otimizar o trabalho da equipe e o seguimento do processo de maturaçao2, assim como prevençao de sequelas.


CONCLUSAO

Onze meses após o trauma térmico, as características biofísicas do tegumento, em diferentes tipos de cicatrizes em um paciente que sofreu queimadura, podem encontrar-se alteradas quando comparadas entre si e com a pele ilesa, destacando-se a área de segundo grau profundo com maiores alteraçoes (menor elasticidade e melanina, maior índice de eritema) e segundo grau superficial mais semelhante em relaçao à elasticidade, eritema e melanina, quando comparadas à área controle contralateral. Em relaçao aos enxertos, o enxerto em lâmina apresentou características mais semelhantes à área controle quando comparado ao enxerto em malha. Há necessidade de avaliaçoes objetivas e frequentes, que possam contribuir para adequaçoes no tratamento, prevençao e minimizaçao de sequelas estéticas e funcionais.


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1. Fisioterapeuta da Seçao de Reabilitaçao de Queimados do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - Universidade de Sao Paulo, Doutoranda do Programa de Reabilitaçao e Desempenho Funcional da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - Universidade Sao Paulo
2. Enfermeira e doutoranda do Programa de Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem e Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto - Universidade Sao Paulo, Bolsista CNPQ
3. Discente do Curso de Fisioterapia da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - Universidade de Sao Paulo
4. Docente da Escola de Enfermagem de Ribeirao Preto - Universidade Sao Paulo
5. Docente do Programa de Reabilitaçao e Desempenho Funcional da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - Universidade Sao Paulo
6. Chefe da Unidade de Queimados, Docente da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - Universidade Sao Paulo

Correspondência:
Adriana da Costa Gonçalves
Rua: Uirapurus, 41 Bairro Quinta da Alvorada
Ribeirao Preto-SP, Brasil. CEP: 14110-000
E-mail: adrianacg_18@hotmail.com

Artigo recebido: 6/10/2013
Artigo aceito: 11/11/2013

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirao Preto - Universidade de Sao Paulo. Ribeirao Preto, SP, Brasil.

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