1259
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Perfil epidemiológico de pacientes queimados admitidos em um serviço terciário de Caxias do Sul - RS

Epidemiological profile of patients burned allowed in a tertiary service of Caxias do Sul - RS

Adriane Lopes Teodoro1; Verônica da Silva Paiva2

RESUMO

OBJETIVOS: Determinar o perfil epidemiológico de pacientes queimados admitidos em um serviço terciário de Caxias do Sul/RS.
MÉTODO: Estudo transversal, por meio da análise dos prontuários dos pacientes com diagnóstico de queimadura de 2006 a 2011. Os dados foram tabulados em frequência e proporçao.
RESULTADOS: O sexo masculino foi o mais acometido, com 51,6%; a faixa etária entre 19-59 anos concentrou o maior número de pacientes queimados (71%); o grau de lesao misto foi predominante em 64,5%; em relaçao à superfície corporalqueimada(SCQ), prevaleceram pacientes grandes queimados (83,9); a alta hospitalarpredominouem 80,6% doscasos.
CONCLUSAO: Conclui-se, comessa pesquisa, que o estudo epidemiológico de qualquer tipo de afecçao é de suma relevância para organizaçao de campanhas de prevençao e de elaboraçao de tratamentos adequados, proporcionando, assim, melhor atendimento e melhor qualidade de vida à populaçao.

Palavras-chave: Epidemiologia. Pacientes internados. Queimaduras. Unidades de Queimados.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To determine the epidemiological profile of burn patients admitted to a tertiary Caxias do Sul / RS.
METHOD: This is a cross-sectional study, through the analysis of medical records of patients with diagnosis of burn 2006-2011. Data were tabulated by frequency and proportion.
RESULTS: males predominated with 51.6% aged between 19-59 years had the largest number of burn patients (71%), the degree of joint damage was prevalent in 64.5%, compared the SCQ prevailed extensively burned patients (83.9), discharge predominated in 80.6% of cases.
CONCLUSION: It is concluded from this research that the epidemiological study of any type of pathology, is of utmost relevance for organizing prevention campaigns and development of appropriate treatments, thus providing a better service and a better quality of life for the population.

Keywords: Epidemiology. Inpatients. Burns. Burn Units.

As queimaduras sao lesoes causadas pela açao direta ou indireta de um calor intenso sobre o tecido orgânico. Este calor pode originar-se de alteraçoes térmicas, componentes químicos e radioativos e correntes elétricas. Dependendo da intensidade do componente causador, os efeitos podem ser devastadores ao corpo humano, causando até a morte.1,2.

A complexidade do tratamento e a necessidade de uma infraestrutura adequada tornam os acidentes que levam a queimaduras um sério problema de saúde pública nos países desenvolvidos1. Somente nos Estados Unidos, cerca de 1,25 milhao de pessoas sofrem algum tipo de queimadura por ano, caracterizando a quarta maior causa de morte por trauma neste país. Aproximadamente 51 mil indivíduos queimados necessitam de internaçao hospitalar e, desse total, um terço sao crianças, das quais 2.500 morrem e 10.000 ficam com algum tipo de sequela3,4.

No Brasil, estima-se que ocorra em torno de 1.000.000 acidentes que levam a queimaduras por ano. O número de casos que necessitam de hospitalizaçao é alto, ou seja, cerca de 100.000 pacientes e, destes, aproximadamente 2.500 vao a óbito. A faixa etária de maior acometimento para este desfecho é de 0 a 19 anos4.

Existem várias formas de se classificar uma queimadura, dentre elas a que se baseia na profundidade da pele danificada, sendo estas lesoes denominadas de superficiais, de espessura parcial ou de espessura total. As queimaduras superficiais atingem unicamente a epiderme, as de espessura parcial acometem quase toda a derme e as de espessura total atingem toda espessura da pele, se estendendo para o tecido subcutâneo, músculo e osso5.

Outra maneira utilizada para se classificar um ferimento por queimadura é por meio da extensao da superfície corporal queimada (SCQ), na qual se dividem os pacientes em pequeno, médio ou grande queimado6. Para os casos considerados pequenos queimados, estao as crianças com SCQ inferior a 10% e os adultos com SCQ de 15%. Já o médio queimado é caracterizado por uma SCQ entre 10% e 20% e o grande queimado por uma SCQ maior que 10% nas crianças e 20% nos adultos7.

As evidências diárias nos ambientes hospitalares demonstram aumento da ocorrência de casos de queimaduras na regiao da Serra Gaúcha. Porém, a notificaçao dos mesmos nao é fidedigna, levando à subnotificaçao de casos, situaçao esta que compromete a descriçao de perfis epidemiológicos desta populaçao. Estudos que abordem os aspectos epidemiológicos e clínicos dos pacientes vítimas de queimaduras e a investigaçao dos agendes causadores se fazem relevantes em todo país, uma vez que contribuirao para a elaboraçao de programas de tratamento e campanhas de prevençao ao combate a este importante trauma.

Este trabalho objetivou determinar o perfil epidemiológico de pacientes queimados admitidos em um serviço terciário da Cidade de Caxias do Sul -RS.


MÉTODO

Estudo transversal no qual foram analisados prontuários de pacientes com diagnóstico de queimadura corporal internados no Hospital Pompéia, localizado na Cidade de Caxias do Sul -RS, no período de 2006 a 2011. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética deste Hospital, sob o número 029/2011. Para determinaçao da amostra, foram selecionados indivíduos de ambos os gêneros, variadas idades e de varias regioes da Serra Gaúcha. Foi utilizado um instrumento de coleta de dados contendo as seguintes variáveis: gênero, idade, causas da queimadura, grau da lesao, superfície corpórea queimada, tempo de internaçao hospitalar e desfechos do caso. Os dados foram coletados de todos os setores do Hospital.

A primeira triagem foi realizada por meio dos livros de registro da Enfermagem para obter os números dos prontuários dos pacientes com diagnóstico de queimadura e, após essa etapa, os prontuários foram analisados. As variáveis foram analisadas por meio de estatística descritiva com análise univariada (frequência e proporçao), com o uso do programa SPSS Statistical Package for the Social Sciences, versao 18 e expostas em tabelas.


RESULTADOS

Encontramos 31casos de pacientescom diagnóstico de queimadura no período de 2006 a 2011, com maior acometimento nos homens (51,6%), na faixa etária entre 19-59 anos (71%) e poucos casos foram notificados nos idosos (6,5%). As principais causas de queimaduras na amostra do estudo encontram-se descritas na Tabela 1.




O grau de lesao misto (64,5%) e o grande queimado (83,9%) foram os mais prevalentes, conforme dados das Tabelas 2 e 3, respectivamente.






Em relaçao ao tempo de internaçao hospitalar (tanto nas Unidades de Internaçao ou Unidade de Terapia Intensiva), 64,5% dos pacientes permaneceram internados até 15 dias, seguidos de 22,6% com mais de 30 dias. O desfecho de alta hospitalar prevaleceu (80,6%) enquanto 19,4% foram a óbito.


DISCUSSAO

Os principais estudos epidemiológicos sobre queimaduras baseiam-se na análise de dados hospitalares de centros de tratamento especializados no atendimento destes pacientes8. No presente estudo, encontramos 31 casos de pacientes com diagnóstico de queimaduras no período compreendido entre 2006 a 2011, número que consideramos baixo, uma vez que as evidências práticas demonstram aumento de casos de indivíduos queimados procurando os serviços de saúde. Nao sabemos a justificativa para este baixo número de notificaçoes, porém, destacamos que o Hospital Pompéia, apesar de ser um hospital de grande porte e alta complexidade de Caxias do Sul, tem referência no setor de traumatologia, sugerindo que a maior demanda de casos de queimaduras nao tenha indo para este estabelecimento de saúde.

O predomínio de casos de queimadura em adultos do sexo masculino com idade entre 19-59 anos (71%) encontrado nesta pesquisa também é relatado em outros estudos epidemiológicos que relacionam esse alto índice a indivíduos economicamente ativos, expostos a situaçoes de risco no ambiente de trabalho e por serem considerados menos cautelosos do que as mulheres9-13 .

Se considerarmos as sérias e incapacitantes complicaçoes decorrentes desse tipo de lesao, estamos diante de um sério problema de saúde. Estima-se que um indivíduo internado em uma unidade de tratamento de queimados gera um gasto de aproximadamente U$ 1.000 por dia, custo elevado considerando que os maiores índices de acidentes estao relacionados a países em desenvolvimento ou menos favorecidos economicamente13.

Apesar do grande percentual (41,9%) de casos em que o agente etiológico da lesao nao estava notificado no prontuário, as causas que envolveram líquidos superaquecidos (25,8%) foram as mais encontradas durante o estudo. No Brasil, 80% dos casos envolvendo queimaduras ocorrem na cozinha. Desta maneira, podemos assegurar que o controle adequado deste ambiente, como, por exemplo, nao manter cabos de panelas voltados para fora do fogao, reduziria significativamente esse tipo de acidente12,14.

Conforme a pesquisa o tempo médio de internaçao foi de até 15 dias, o que corresponde a 22,6% dos casos, indo de encontro com estudos que relatam uma média de 10 a 12 dias de internaçao. Esse baixo tempo revela a hipótese de benignidade das lesoes dos pacientes internados, sem levar em consideraçao as possíveis sequelas desenvolvidas12,14.

O grau de lesao mais encontrado foi o misto (64,5%), ou seja, 20 pacientes possuíam mais de um grau de lesao, as lesoes de espessura parcial e espessura profunda consistiam em grande parte as lesoes de grau misto. Porém, o diagnóstico da queimadura quanto à sua profundidade frequentemente constitui-se num desafio, devido à subjetividade dos critérios utilizados e às mudanças dinâmicas no período posterior ao trauma, que podem ocasionar na mudança da queimadura de espessura parcial em total.

De acordo com a análise dos prontuários, 26 pacientes foram classificados como grande queimado, ou seja, apresentaram 20% ou mais da superfície corpórea lesionada. Em outra pesquisa, dos 21 pacientes analisados, foram encontrados dois (9,5%) casos como pequeno queimado, 14 (66,7%) como médio queimado e cinco (23,8%) como grande queimado, confirmando, assim, nossos dados11.

Dos 31 pacientes estudados, 51,6% dos casos nao apresentaram complicaçoes decorrentes do trauma. Entretanto, outros estudos demonstram que a insuficiência respiratória e a pneumonia representam as complicaçoes pulmonares mais observadas em indivíduos queimados, devido à lesao das vias aéreas por inalaçao de fumaça. O atendimento específico é de extrema importância para a prevençao de complicaçoes e sequelas, sendo necessária a atuaçao de uma equipe multiprofissional, médicos, enfermeiros e fisioterapeutas, para evitar sequelas motoras, respiratórias e metabólicas, bem como promover uma cicatrizaçao adequada10,12.

A sobrevida dos pacientes queimados constitui um fato muito mais comum que em décadas passadas. Na década de 90, entre 50% e 80% dos pacientes com queimaduras envolvendo mais do que 50% da área de superfície corporal iam a óbito, devido à sepse, choque e falência de múltiplos órgaos. Atualmente, mais de 90% destes pacientes apresentam evoluçao satisfatória7,15. Esses dados vao de encontro com os resultados obtidos durante a realizaçao desse estudo, em que 80,6% dos pacientes receberam alta hospitalar.


CONCLUSAO

O presente estudo retrospectivo evidenciou o perfil epidemiológico de um serviço nao especializado em queimaduras na cidade de Caxias do Sul-RS afirmando a importância de programas de prevençao e a continuidade de estudos em outros serviços terciários da localidade e de outras regioes. Apesar da prevalência relativamente baixa, o estudo demonstrou um perfil semelhante aos centros especializados neste tipo de trauma.

Conclui-se com essa pesquisa que o estudo epidemiológico de qualquer tipo de afecçao é de suma importância para que profissionais da área da saúde detenham conhecimentos sobre os tipos de tratamento de queimaduras, contribuindo para a elaboraçao de protocolos de tratamento, garantindo um serviço de qualidade aos pacientes lesionados.


REFERENCIAS

1. Bernz LM, Mignoni ISP, Pereima MJL, Souza JA, Araújo EJ, Feijó R. Análise das causas de óbitos de crianças queimadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao, no período de 1991 a 2008. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):9-13.

2. Carlucci, VDS Rossi LA, Ficher AMFT, Ferreira E, Carvalho EC. A experiência da queimadura na perspectiva do paciente. Rev Esc Enferm USP. 2007;41(1):21-8.

3. Herson MR, Teixeira Neto N, Paggiaro AO, Carvalho VF, Machado LCC, Ueda T, et al. Estudo epidemiológico das sequelas de queimaduras: 12 anos de experiência da Unidade de Queimaduras da Divisao de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(3):82-6.

4. Pereira Júnior S, Bins Ely J, Sakae TM, Nolla A, Mendes FD. Estudo de pacientes vítimas de queimaduras internados no Hospital Nossa Senhora da Conceiçao em Tubarao-SC. ACM Arq Catarin Med. 2007;36(2):22-7.

5. Andrade AG, Lima CF, Albuquerque AKB. Efeitos do laser terapêutico no processo de cicatrizaçao das queimaduras: uma revisao bibliográfica. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(1):21-30.

6. Silva KP, Caparróz MR, Torquato JA. Prevalência de complicaçoes respiratórias em pacientes com queimaduras internados num hospital público estadual de Sao Paulo. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(4):130-5.

7. Bervian F, Maino MM, Schmidt MK, Silva VBG, Arnt R, Martins PDE. Estudo de mortalidade em pacientes tratados na unidade de queimados no hospital de pronto socorro de Porto Alegre. ACM Arq Catarin Med. 2007;36(supl 1):173-4.

8. Pereima MJ, Mignoni ISP, Bernz LM, Schweitzer CM, Souza JA, Araújo EJ, et al. Análise da incidência e da gravidade de queimaduras por álcool em crianças no período de 2001 a 2006: impacto da resoluçao 46. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(2):51-9.

9. Dassie LTD, Alves EONM. Centro de tratamento de queimados: perfil epidemiológico de crianças internadas em um hospital escola. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(1):10-4.

10. Montes SF, Barbosa MH, Sousa Neto AL. Aspectos clínicos e epidemiológicos de pacientes queimados internados em um Hospital de Ensino. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):369-73.

11. Narikawa R, Michelski DA, Hiraki PY, Ueda T, Nakamoto HA, Tuma Jr P, et al. Análise epidemiológica da mao queimada no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo. Rev Bras Queimaduras. 2011;10(3):89-92.

12. Moreira CA, Reis IF, Costa ACSM. Perfil epidemiológico de pacientes atendidos na unidade de tratamento de queimados no município de Aracaju (SE). Cad Grad Cienc Biol Saude. 2011;13(14):111-27.

13. Cardoso L, Orgaes FS, Gonella HA. Estudo epidemiológico das queimaduras químicas dos últimos 10 anos do CTQ-Sorocaba/SP. Rev Bras Queimaduras. 2012;11(2):74-9.

14. Coutinho BBA, Balbuena MB, Anbar RA, Anbar RA, Almeida KG, Almeida PYNG, et al. Perfil epidemiológico de pacientes internados na enfermaria de queimados da Associaçao Beneficente de Campo Grande Santa Casa/MS. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(2):50-3.

15. Machado THS, Lobo JA, Pimentel PCM, Serra MCVF. Estudo epidemiológico das crianças queimadas de 0-15 anos atendidas no Hospital Geral do Andaraí, durante o período de 1997 a 2007. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):3-9.










1. Fisioterapeuta formada pela Faculdade da Serra Gaúcha
2. Mestre e docente da Faculdade da Serra Gaúcha

Correspondência:
Verônica da Silva Paiva
Rua: Ivo Janson, 170 Apt 20, Intercap
Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 91530-070
E-mail: quinhafisio@yahoo.com

Artigo recebido: 13/3/2013
Artigo aceito: 27/5/2013
Esta pesquisa nao utilizou recursos financeiros
Nao houve conflito de interesse

Trabalho realizado na Faculdade da Serra Gaúcha. Caxias do Sul, RS, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados