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Terapia nutricional em queimaduras: uma revisão

Nutritional therapy in burns: a review

Ana Paula Alves Silva1; Branca Jardini de Freitas1; Fernanda Luisa Ceragioli Oliveira2; Silvia Maria Fraga Piovacari3; Fernando José de Nóbrega4

RESUMO

INTRODUÇAO: As anormalidades metabólicas encontradas em queimados sao consequência da combinaçao da liberaçao de mediadores inflamatórios e da resposta ao estresse. A compreensao dos mecanismos envolvidos na produçao excessiva de radicais livres em indivíduos que sofreram queimaduras é de extrema importância para a terapêutica adequada.
OBJETIVO: O objetivo desta revisao foi investigar a terapia nutricional mais indicada e discutir a conduta nutricional em queimados, além de verificar quais os nutrientes estao envolvidos na viabilizaçao do processo de cicatrizaçao.
Métodos: Foram pesquisados trabalhos publicados nos últimos 20 anos que abordassem assuntos pertinentes à pesquisa, sendo selecionados artigos da literatura na língua portuguesa, inglesa e espanhola.
RESULTADOS: As substâncias que mais se destacam no processo de cicatrizaçao, atuando como parte do suporte nutricional e conferindo efeitos sobre a resposta imune, sao: glutamina, arginina e o ômega 3. As vitaminas A, C, E, o zinco e o selênio auxiliam a cicatrizaçao em queimados, por estimular as defesas antioxidantes do organismo.
CONCLUSAO: O uso da glutamina, independentemente da via de administraçao, parece auxiliar na cicatrizaçao e na melhora da perfusao da mucosa intestinal. No entanto, sao necessários mais estudos para esclarecer as quantidades adequadas dos nutrientes imunomoduladores e antioxidantes em queimaduras.

Palavras-chave: Queimaduras. Terapia nutricional. Cicatrização. Nutrientes. Antioxidantes.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The metabolic changes found in burned patients, are the result of the combination of the release of inflammatory mediators and response to stress. Understanding the mechanisms involved in the excessive production of free radicals in individuals who suffered burns is extremely important for appropriate therapy.
OBJECTIVE: The aim of this review was to investigate the most appropriate nutritional therapy and discuss the management nutritional in burns, and investigate which nutrients are involved in facilitating the healing process.
METHODS: We searched for studies published in the last 20 years, that addressed issues relevant to the research being selected articles from the literature in Portuguese, English and Spanish.
RESULTS: Substances that stand out in the healing process, acting as part of nutritional support and giving effects on the immune response are: glutamine, arginine and omega 3. The vitamins A, C, E, zinc and selenium contributes in burn healing by stimulating the body's antioxidant defenses.
CONCLUSION:The use of glutamine, regardless of the route of administration, appears to aid in healing and improving perfusion of the intestinal mucosa. However, further studies are needed to explain the appropriate quantities of nutrients and antioxidants immunomodulators in burn patients.

Keywords: Burns. Nutrition therapy. Wound healing. Nutrients. Antioxidants.

A resposta metabólica à queimadura apresenta vasto conhecimento na literatura. Muitas das informaçoes sobre hipermetabolismo vistas em outras doenças graves sao similares às definidas na queimadura.

Queimaduras sao lesoes dos tecidos orgânicos causadas por trauma de origem térmica, exposiçao a chamas, frio extremo, substâncias químicas, radiaçoes, atritos e fricçao, líquidos e superfícies quentes1. Na queimadura ocorre a destruiçao da barreira epitelial e da microbiota resistente da pele, rompendo seu efeito protetor2.

Segundo dados da Organizaçao Mundial da Saúde (OMS), anualmente existem 300.000 mortes no mundo decorrentes de queimaduras. Estima-se que no Brasil ocorram em torno 1.000.000 de acidentes com queimaduras por ano3.

Em queimados ocorre a degradaçao de proteínas e a proliferaçao de microrganismos patógenos que, aliados a uma importante deficiência imunológica, podem ocasionar a geraçao de um foco infeccioso e, posteriormente, sepse.

As anormalidades metabólicas em queimados sao consequência da combinaçao da liberaçao de mediadores inflamatórios e a "resposta ao estresse". As principais anormalidades sao: aumento dos hormônios catabólicos (cortisol, catecolaminas); diminuiçao dos hormônios anabólicos (GH e testosterona); aumento da taxa de matabolismo basal (TMB); aumento da temperatura corporal; aumento da demanda de glicose e neoglicogênese hepática; uso da proteína muscular como fonte de energia4. A compreensao dos mecanismos envolvidos na produçao excessiva de radicais livres em indivíduos que sofreram queimaduras é de extrema importância para terapêutica adequada. Qualquer substância que demonstre estimular as defesas antioxidantes ou diminuir a produçao de radicais livres constitui-se como importante objeto de estudo nas queimaduras. Dentre os antioxidantes que mais se destacam estao: zinco, selênio, vitaminas C, A e E e os nutrientes imunomoduladores: glutamina, arginina e ômega 32.

A terapia nutricional precoce tornou-se importante componente no tratamento de pacientes críticos, prevenindo a translocaçao bacteriana, a úlcera de decúbitos e os efeitos de hipermetabolismo. Em pacientes queimados, a American Burn Association (ABA) indica a terapia nutricional o quanto antes possível, assim como a Eastern Association for the Surgery of Trauma (EAST), que recomenda que a terapia nutricional enteral (TNE) seja iniciada logo após a admissao do paciente, nao ultrapassando período superior a 18 horas, pois acima desse período pode resultar maior taxa de gastroparesia e necessidade de nutriçao parenteral4. Sendo assim, este trabalho tem por objetivo revisar os principais estudos com a terapia nutricional nas queimaduras e discutir a conduta nutricional para esse tipo de paciente.


MÉTODO

A coleta de dados ocorreu nos meses de fevereiro 2011 a julho de 2012. Foram considerados como critério de inclusao: trabalhos publicados nos últimos 20 anos, que abordassem assuntos pertinentes à pesquisa, sendo selecionados artigos da literatura na língua portuguesa, inglesa e espanhola.

As fontes de pesquisa utilizadas foram: artigos científicos, livros e material disponibilizado na Internet. Foram levantados os periódicos científicos indexados na Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Literatura Internacional em Ciências da Saúde (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SciELO).

Foram selecionados artigos de maior relevância ao estudo, sendo utilizados os seguintes descritores para a pesquisa: queimaduras, terapia nutricional, cicatrizaçao, nutrientes. Foram encontradas 35 publicaçoes diversas, dentre elas, 29 foram selecionadas de acordo com sua relevância para esta revisao.


RESULTADOS E DISCUSSAO

O sucesso da terapia nutricional dos pacientes queimados envolve o conhecimento da sua fisiopatologia. O organismo queimado responde ao trauma com o aumento das catecolaminas endógenas, cortisol e outros hormônios para fisiologicamente auxiliar o organismo nesse combate. Essas catecolaminas provocam a resposta hipermetabólica observada nesses indivíduos, o que acarreta no aumento da frequência cardíaca, da pressao arterial, das proteínas plasmáticas, alteraçoes do glucagon no fígado, reduçao do tempo de coagulaçao sanguínea, aumento da lipólise e termogênese e o relaxamento da musculatura lisa do trato gastrintestinal5.

A fase inicial da resposta metabólica ao trauma tem sido denominada de fase ebb, sendo caracterizada por um consumo menor de oxigênio total (VO2) e menor taxa metabólica. Progressivamente, essa fase é substituída pela fase flow, caracterizada pelo alto VO2, gasto energético de repouso elevado, fluxo de substratos elevados e perdas aceleradas de nitrogênio e potássio. A síntese das proteínas de fase aguda e de algumas proteínas viscerais está aumentada, acarretando balanço nitrogenado negativo. Essas mudanças podem ser atenuadas, porém nao evitadas, com bom tratamento geral e com a terapia nutricional6.

A terceira fase é denominada de fase de recuperaçao e exige altos níveis de energia para enfrentar a reabilitaçao física e a cura completa da ferida, sendo que, em queimaduras mais graves, essa fase pode durar até dois anos6.

Grande parte das alteraçoes no metabolismo de queimados ocorre devido às citocinas, que estimulam o hipotálamo no aumento da termorregulaçao e na produçao dos hormônios do estresse (catecolaminas, cortisol e glucagon), ocasionando a lipólise e a proteólise7. O metabolismo da glicose é diminuído, há aceleraçao da gliconeogênese e da oxidaçao da glicose, resultando na degradaçao do músculo esquelético, produçao de substrato de aminoácidos para a gliconeogênese hepática7. O metabolismo das gorduras também se altera com o aumento da lipólise. Quanto aos aminoácidos, seu metabolismo é caracterizado pelo aumento da oxidaçao, da síntese de ureia e da degradaçao de proteínas7.

Terapia nutricional em queimados

A necessidade de terapia nutricional específica viabiliza o processo de cicatrizaçao, recuperando ou mantendo o estado nutricional do paciente, além de combater a formaçao dos radicais livres8.

A American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ASPEN)9 preconiza o uso da Dietary Reference Intakes DRI nas primeiras 24-48h pós-queimadura (ebb phase), para o cálculo das calorias totais estimadas. Após esse período, as demais fórmulas podem ser utilizadas no período de aproximadamente 7-10 dias, havendo a necessidade de serem revistas semanalmente de acordo com o estado do paciente.

A Tabela 1 ilustra diversas fórmulas para cálculo das necessidades energéticas em pacientes queimados vigentes na literatura. Observase que a quantidade de energia estimada pelas fórmulas apresenta diferentes variáveis para realizaçao do cálculo, que acarreta ampla variaçao dos resultados. As crianças precisam de maior requerimento de energia do que os adultos devido ao crescimento e maior atividade física, porém a extensao da superfície comprometida pela queimadura irá determinar a quantidade de energia necessária9.




Todas as fórmulas tendem a superestimar a energia gasta quando comparada à taxa metabólica pela calorimetria indireta9. Mensurar a energia por meio da calorimetria indireta tem sido o método mais confiável de calcular a energia gasta em queimados, sendo recomendada duas vezes/semana devido à grande variaçao do metabolismo para ajuste da terapia nutricional. Entretanto, é um método caro, e necessita de profissional habilitado9.

Revisao realizada por de Chan & Chan5 utilizou as fórmulas de Curreri et al.10 para determinar as necessidades energéticas de crianças e adultos (Tabela 2).




Outro estudo brasileiro recente16 cita a fórmula de Pennisi17, desenvolvida especificamente para a pediatria, considerando como uma das variáveis o percentual de superfície corporal queimada (SCQ) (Quadro 1).

A glicose é o primeiro combustível do sistema nervoso central e das células de sangue, sendo necessário no mínimo 120 g/dia para manutençao dessas funçoes. No adulto, a taxa máxima de oferta de glicose é de 4 a 7 mg/kg/min. No paciente hipermetabólico, grande parte da oxidaçao da glicose deriva da produçao endógena de aminoácidos, que fornece 2-3 mg/kg/ min de glicose9. A taxa ideal de oferta de glicose é de 3-4 mg/ kg/min ou 50%-60%, podendo chegar até a 70% do total das calorias em forma de carboidratos, sendo necessário o uso de insulina para manter a normoglicemia9.

A proteína necessária em queimados está aumentada devido ao catabolismo proteico, perda urinária, neoglicogênese e ao processo de cicatrizaçao18. Em geral, a oferta de 20%-25% de proteínas tem sido recomendada. Em crianças, sugere-se o fornecimento e 2,5 a 4,0 g de proteínas/kg/dia. A tolerância de crianças queimadas para tal oferta proteica irá depender de sua funçao renal e do balanço hídrico, que pode ser ponto crítico para atingir a meta proteica19. Em adultos, dependendo da porcentagem da área queimada, a quantidade de proteína pode variar de 1-5 a 2 g/kg/dia, com o objetivo de garantir um balanço nitrogenado positivo ou minimizar seu déficit, podendo chegar até 3-4 g/kg/dia se a queimadura for extensa9.

Lípidios sao excelentes fontes de calorias (9 kcal/g) e sao importantes nas dietas, principalmente em crianças, pois têm funçao de mielinizaçao e desenvolvimento do cérebro e transportadores de vitaminas lipossolúveis. Acidos graxos essenciais, como ácido linoleico, sao um importante componente para as membranas celulares e síntese de prostaglandina. A recomendaçao mínima desse aminoácido fica em torno de 2%-3% das calorias totais19.

Outro aminoácido é o ômega 3, sendo importante para a resposta imune, boa tolerância da dieta enteral e diminuiçao dos leucotrienos, além de possuir propriedades imunossupressoras5. A oferta de lipídios em pacientes queimados deve ser menor 20% do total de requerimento energético. A razao ômega 3: ômega 6 ainda nao está bem estabelecida20.

Vias de administraçao

Os pacientes queimados se beneficiam com a nutriçao enteral, embora as trocas de fluidos durante a fase de choque, que acontece após queimadura grave, causam edemas significantes na parede intestinal e favorecem a paresia gastrointestinal. Assim, nao se indica a TNE nesse momento21. A via intravenosa é a única maneira de fornecer grandes quantidades de micronutrientes que sao necessários durante as primeiras duas semanas após o traumatismo. O acesso venoso central apresenta o risco de infecçao e sepse9.

A nutriçao enteral é a via alimentar preferida para pacientes queimados quando possível. A administraçao enteral precoce de nutrientes pode melhorar a perfusao esplênica, atenuar a resposta hipermetabólica e manter a integridade da mucosa intestinal6.

O retardo do esvaziamento gástrico muitas vezes é observado em queimados, como resultado de sedaçao pesada e analgesia que esses pacientes necessitam. Nesses casos, a posiçao pós-pilórica da sonda é a mais indicada, permitindo que a terapia nutricional seja mantida durante procedimentos cirúrgicos prolongados, evitando, assim, a oferta energética insuficiente6.

Em relaçao ao acesso enteral, as sondas de alimentaçao nasogástricas sao as mais fáceis de inserir, porém, elas sao também as mais fáceis de deslocar. As sondas nasojejunais sao geralmente bem toleradas e permitem alimentaçao contínua22. A gastrostomia ou jejunostomia podem representar uma alternativa apropriada, pois em queimaduras graves na face pode ser muito difícil locar a sonda nas narinas22 .

Exames bioquímicos

Os marcadores bioquímicos (índice creatinina/altura, albumina sérica) encontram-se também alterados como consequência das mudanças metabólicas que afetam os processos de síntese e degradaçao23. As dosagens da pré-albumina e da proteína fixadora de retinol sao os indicadores mais recomendados para a avaliaçao de pacientes críticos24. Os valores de albumina, por sua vez, nao têm valor prognóstico à internaçao do paciente crítico, pois há reduçao das proteínas de síntese nos processos agudos. Tampouco, sao bons parâmetros de seguimento nutricional, ainda que seus valores possam relacionar-se à extensao da lesao24 .

A deficiência crônica de ferro, as múltiplas transfusoes e as alteraçoes na absorçao intestinal invalidam a transferrina como parâmetro no paciente crítico25. Quanto ao estado das proteínas musculares, a excreçao da ureia no paciente crítico é um índice da intensidade da resposta metabólica ao estresse. Nesses pacientes, é impossível conseguir balanço nitrogenado positivo nas fases iniciais da doença, pois apresentam persistentemente balanço nitrogenado negativo durante os primeiros dias. Na fase de resoluçao do estresse, em funçao da terapia nutricional adequada, poderá se observar balanço nitrogenado positivo23 .

Imunonutrientes

Os termos imunonutriçao e nutrientes imunomoduladores descrevem o uso desses nutrientes como parte da terapia nutricional, como nas fórmulas de nutriçao enteral ou parenteral, muitas vezes contendo múltiplos nutrientes ativos. Recentemente, estudos têm investigado a administraçao de altas doses de alguns nutrientes que podem conferir efeitos farmacológicos sobre a resposta imune26 . Em queimaduras, os achados da literatura incluem a glutamina, arginina e o ômega 3.

Glutamina

A glutamina é um aminoácido denominado "condicionalmente essencial" nas queimaduras, pois ocorre a diminuiçao dos níveis disponíveis, uma vez que ela é utilizada pelo fígado, rins e trato gastrintestinal, sendo importante fonte de energia para as células imunes e para os enterócitos. A suplementaçao de glutamina é proposta para diminuir o catabolismo proteico, preservando a massa muscular, minimizando a translocaçao bacteriana pela preservaçao da integridade da mucosa. Isso pode impedir o desenvolvimento de sepse em queimados, especialmente na fase crítica inicial da lesao26 .

No artigo de revisao de Kurmis et al.26, foram comparados 11 trabalhos com o uso de glutamina via enteral em queimados (0,5 g/kg/dia) por 14 dias em média, sendo que, na grande maioria dos estudos, houve reduçao na permeabilidade da mucosa intestinal e no tempo de cicatrizaçao após a suplementaçao.

Zhou et al.27 já relatavam significativo aumento da taxa de cicatrizaçao de feridas e reduçao no custo das internaçoes hospitalares, na permeabilidade intestinal e nos níveis de endotoxina com a suplementaçao de glutamina via parenteral (0,5 g/kg/dia), além de melhoria nos marcadores nutricionais e inflamatórios.

Em outro estudo controlado e randomizado28, grupo de pacientes foi suplementado via oral com glutamina (20 g) e outros antioxidantes (vitaminas A-3,2 mg, C-500 mg, E-166 mg, zinco-6,6 mg e selênio-100 mg) por 14 dias, resultando na reduçao do tempo de cicatrizaçao da ferida, quando comparado ao grupo placebo.

Conforme os trabalhos consultados, independentemente da via de administraçao, os pacientes queimados parecem se beneficiar com a suplementaçao de glutamina, que parece ser relativamente segura até a concentraçao de 0,5 g/kg/dia (de 7 a 14 dias) ou, no máximo, de 30 g/dia29.

Arginina

Semelhante à glutamina, a arginina torna-se aminoácido condicionalmente essencial nos períodos de estresse metabólico, sendo a sua utilizaçao maior do que a produçao endógena. A suplementaçao com arginina em pacientes críticos, particularmente na presença de sepse e pneumonia, é controversa e pode elevar a mortalidade nessa populaçao, por aumentar a síntese de óxido nítrico26. Alguns estudos revelam que a associaçao da dieta enteral enriquecida com arginina, fibras e antioxidantes tem diminuído a taxa de sepse em pacientes críticos. Em queimados, a suplementaçao de arginina (17 g/dia) mostrou melhora na cicatrizaçao e resposta imune em comparaçao ao grupo controle29,30.

A quantidade adequada de suplementaçao com arginina, tempo de uso, método de administraçao e nível de segurança ainda nao estao bem estabelecidos como rotina de uso em pacientes com queimaduras20.

Omega 3

Os ácidos graxos ômega 3 sao essenciais para o crescimento e desenvolvimento normais e podem desempenhar papel importante na prevençao e no tratamento de doenças coronarianas, hipertensao arterial, diabetes, artrite, e outras desordens inflamatórias

e autoimunes e câncer. A ingestao de peixes e óleos ricos em EPA e DHA, em substituiçao parcial de ácidos graxos ômega 6, pode resultar em reduçao da produçao de metabólitos de prostaglandina E2, diminuiçao de produçao de trombaxano A2 (potente agregador de plaquetas e vasoconstritor), diminuiçao de formaçao do leucotrieno B4 (indutor de inflamaçao e de leucócitos), aumento na concentraçao do tromboxano A3 (um fraco agregador de plaquetas e vasoconstritor), aumento na concentraçao de prostaciclina PGI3, e aumento na concentraçao de leucotrieno B5 (fraco indutor de inflamaçao e agente quimiotático)31 .

A justificativa para a suplementaçao de ômega 3 como parte da terapia nutricional está sendo cientificamente pesquisada, no entanto, a aplicaçao de tal suplementaçao ainda é limitada na populaçao de queimados. Kurmis et al.26, em sua revisao, citam três estudos (Tabela 3) que investigaram a suplementaçao via enteral de óleo de peixe. Os três estudos compararam nao apenas a suplementaçao com óleo de peixe, mas também o efeito de diferentes quantidades de lipídios utilizados na dieta enteral. Observam-se alguns resultados positivos, mas ainda faltam estudos para verificar a dosagem e a contribuiçao da suplementaçao de ômega 3, apesar da facilidade de administraçao via enteral. Embora já existam muitos estudos com a combinaçao de imunonutrientes, provavelmente devido à disponibilidade das fórmulas no mercado, verifica-se que a maioria deles utiliza quantidades variadas de EPA e DHA26, nao sendo possível, até o momento, afirmar a quantidade ideal em queimaduras.




Vitaminas e minerais

Alguns micronutrientes, como vitamina A, C, E, zinco e selênio, estao envolvidos na melhora da cicatrizaçao, uma vez que seu sucesso é fundamental na sua recuperaçao e na reduçao da morbimortalidade.

A vitamina A é utilizada para manutençao da epiderme normal e para síntese de glicoproteínas e prostaglandinas. Sua carência retarda a reepitelizaçao de feridas, a síntese de colágeno ou na presença de tumores. Em relaçao às doses, no caso de pacientes queimados, a suplementaçao recomendada é de 5000 UI por 1000 calorias ofertadas8 .

A vitamina C é essencial para cicatrizaçao por interferir na capacidade do fibroblasto em sintetizar o colágeno, aumentar a ativaçao dos neutrófilos e macrófagos na ferida. Na deficiência de vitamina C, os fibroblastos produzem colágeno instável, rapidamente degradado, além de prejudicar a defesa antibacteriana local e aumentar a chance de deiscência em feridas recém-epitelizada. A recomendaçao sugerida é de 500 mg 2x/dia20 .

A vitamina E previne a oxidaçao das membranas, pode acelerar a cicatrizaçao, afetar a produçao de fibras do colágeno e evitar a formaçao de escaras hipertróficas. A recomendaçao sugerida é de, pelo menos, 100 mg/dia32.

O zinco é um elemento traço mais importante na cicatrizaçao, estando relacionado à síntese proteica, replicaçao e imunidade celular e formaçao de colágeno. Uma vez que 15% a 20% do estoque corporal de zinco estao na pele, a destruiçao da epiderme aliada às contínuas perdas urinárias e cutâneas coloca em risco o status de zinco em pacientes queimados. A recomendaçao sugerida é de 45-50 mg de zinco/dia21.

A influência do selênio na cicatrizaçao dá-se pela participaçao na formaçao da peroxidase glutationa, enzima que protege as células dos danos oxidativos na fase inflamatória33.

Em estudo com pacientes queimados34, a suplementaçao de até 4 mg de cobre, 500 mg de selênio e 40 mg de zinco/dia, durante três semanas, pareceu segura e eficaz em queimados graves, resultando em maior número de leucócitos, reduçao da IL-6. Observou-se, também, reduçao do catabolismo proteico associada à melhora na cicatrizaçao de feridas e reduzida necessidade de cirurgia, reduzindo assim o tempo de UTI e internaçao hospitalar, mas a incidência de infecçoes na pele nao foi alterada34 . A via intravenosa foi a única maneira de fornecer as doses necessárias de antioxidantes. Estudos em queimados devem ser realizados para estabelecer a quantidade ideal do selênio na terapia nutricional.


CONCLUSAO

Entender as diversas alteraçoes que ocorrem na queimadura auxilia na terapia adequada, pois pode atenuar a resposta metabólica ao trauma e suas consequências, além de auxiliar na cicatrizaçao. Sendo o queimado um paciente crítico, as alteraçoes clínico-metabólicas serao responsáveis pela depleçao nutricional do paciente.

Devido ao hipermetabolismo, torna-se fundamental o cálculo adequado da quantidade de proteínas, assim como de carboidratos, lipídios, vitaminas e oligoelementos, para a formaçao de novos tecidos.

A terapia nutricional desempenha papel fundamental na cicatrizaçao. A via intravenosa é a única maneira de oferecer as quantidades adequadas de micronutrientes, pelo menos nas duas primeiras semanas, porém, apresenta risco de infecçao e sepse. A nutriçao enteral pós-pilórica é a mais indicada, na impossibilidade da dieta via oral.

Os antioxidantes e os imunomoduladores, como a glutamina, a arginina, as vitaminas A, C, E, o zinco e o selênio, parecem promissores em reduzir o estresse oxidativo e, consequentemente, a reduçao do risco de infecçoes, melhora na cicatrizaçao, além de diminuir o tempo de hospitalizaçao. Poucos ainda sao os estudos prospectivos e controlados que demonstrem conclusivamente os efeitos da suplementaçao na morbidade e mortalidade dos pacientes queimados. O ômega 3 vem sendo atualmente utilizado como parte da terapia nutricional, mas sua utilizaçao ainda é limitada na populaçao de queimados. O uso da glutamina, independentemente da via de administraçao, parece auxiliar na cicatrizaçao e na melhora da perfusao da mucosa intestinal.


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1. Nutricionista do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), Sao Paulo, SP, Brasil.
2. Médica do Núcleo de Pesquisa de Nutriçao Humana, Sao Paulo, SP, Brasil.
3. Coordenadora do Serviço de Nutriçao Clínica do HIAE, Sao Paulo, SP, Brasil.
4. Coordenador do Núcleo de Pesquisa de Nutriçao Humana, Sao Paulo, SP, Brasil.

Correspondência:
Ana Paula Alves Silva
Av. Albert Einstein, 627
Sao Paulo, SP, Brasil - CEP: 05651-001
E-mail: ana.alves@eistein.br / branca.freitas@einstein.br

Artigo recebido: 30/6/2012
Artigo aceito: 21/8/2012

Trabalho realizado no Hospital Israelita Albert Einstein, Sao Paulo, SP, Brasil.

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