2332
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

A atuação do psicólogo junto a pacientes na Unidade de Tratamento de Queimados

The work of the psychologist with patients in the Burn Care Unit

Marcelo Alves Guimarães1; Flávia Bússolo da Silva1; Alessandra Arrais2

RESUMO

INTRODUÇAO: Há um número reduzido de artigos sobre a atuaçao dos psicólogos nas unidades de queimados, consequência da inserçao lenta da Psicologia nas unidades especializadas, conjuntamente com uma cultura hospitalar conservadora, na qual a presençadopsicólogonemsempreédevidamenteexigidaemequipesdetratamento intensivo adulto. O presente artigo trata-se de uma revisao literária sobre a atuaçao do psicólogo hospitalar dentro da Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ).
OBJETIVO: Analisar os artigos encontrados elencando a atuaçao e atribuiçoes do psicólogo nessa unidade especializada, demonstrando a necessidade do trabalho e conhecimento do psicólogo hospitalar nessa unidade de tratamento e propor um protocolo de atuaçao do psicólogo hospitalar baseado nesta revisao de literatura.
MÉTODO: O método utilizado para a coleta de dados foi o levantamento bibliográfico por meio da busca eletrônica de artigos, encerrados, disponíveis, gratuitos, em português, nacionais ou escritos por brasileiros, indexados nas bases de dados Google Acadêmico, SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), e BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), com recorte de 2000 a 2011, a partir do cruzamento das palavras-chave: psicologia hospitalar, queimados, queimaduras, unidade de queimados e atuaçao do psicólogo hospitalar.
RESULTADOS: Com mais de 14.000 textos e artigos encontrados na pesquisa que relatam em algum momento ou transversalmente Psicologia, queimados e UTQ, apenas sete artigos abordaram de forma específica e direta a atuaçao do psicólogo em UTQ, os outros artigos apenas transversalmente. O maior número de artigos encontrados sobre pessoas vítimas de queimaduras relacionando emoçao, tratamento psicoterápico (TPT), cuidados e comportamento escritos por outros profissionais da saúde nao psicólogos revela a dimensao interdisciplinar dessa assistência.
CONCLUSAO: O presente artigo demonstra a necessidade do aprimoramento e continuidade dosestudos e trabalhos acadêmicos sobrea atuaçao na UTQ,capazes de reunir e sistematizar o trabalho do psicólogo, possuidor do conhecimento e manejos psicoterápicos, assim como da sistemática e adequada aplicaçao da intervençao psicológica responsável. Revela-se uma intimaçao a mais trabalhos acadêmicos sobre o tema, além da formulaçao de protocolos de atendimentos da Psicologia Hospitalar para pacientes vítimas de queimaduras internados em Unidade de Queimados.

Palavras-chave: Psicologia. Unidades de queimados. Queimaduras.

ABSTRACT

INTRODUCTION: This article reports a review the literature on the performance of psychologist hospital within Treatment Unit Burns.
OBJECTIVE: To analyze the articles found underlining the playacting and the tasks of Psychologist that specialized unit, demonstrating the need to work and knowledge of psychologist hospital treatment unit in burns.
METHODS: The method used for data collection was the bibliographic through electronic search of articles indexed in databases Google Academic, SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), and BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), from the crossing of key-words: psychology hospital, performance, burned and UTQ, psychological care. Just found one article written by psychologists and was entirely within the subject.
RESULTS: With more than 14,000 papers and articles found in the survey reported that at some time or across on Psychology, burned and UTQ, only seven articles deal specifically and directly to the psychologist in UTQ, just across the other articles. Therefore it was necessary to also include non-specific items, but relevant knowledge about the work of the Psychologist in the unit, so that all the contributions is based on and formed a framework closer to the psychologist with such patients. The largest number of articles found on victims of burns linking emotion, psychotherapy (TPT), care and behavior written by other health psychologists reveal the interdisciplinary dimension of such assistance.
CONCLUSION:This article demonstrates the need for improvement and continuation of studies and academic papers about acting in UTQ able to gather and systematize the work of psychologists, possessed of knowledge management systems and psychotherapy, as well as the systematic and proper application of psychological intervention responsible. It turns out a summons to more academic papers on the subject, besides the formulation of protocols of care for patients of Hospital Psychology of burns victims hospitalized in the Burn Unit.

Keywords: Psychology. Burn units. Burns.

A atuaçao do psicólogo dentro do ambiente hospitalar tem crescido bastante em relaçao às décadas passadas, em funçao do avanço da Psicologia Hospitalar em oferecer apoio sistemático, acompanhamento psicológico e manejo humanizado nos hospitais. Tal profissional favorece, dentre outros benefícios, a continuidade da adesao do paciente aos tratamentos e às intervençoes médicas, tendo resultado direto na qualidade e no avanço da recuperaçao dos pacientes tratados nas diversas especialidades médicas, como em uma unidade de queimados, que é o alvo de interesse do presente artigo.

Embora o número de profissionais psicólogos seja insuficiente para a realidade demandada nos hospitais brasileiros, esse profissional desde seu início histórico, no Brasil, sempre esteve ligado aos hospitais. No entanto, nas primeiras unidades especializadas no tratamento de queimados, a figura do psicólogo era inexistente, apesar da alta complexidade desse paciente, dos sofrimentos causados pelas queimaduras, comorbidades, internaçoes prolongadas e a convivência com sequelas dilacerantes que danificam a estima e abalam o referencial corpóreo1,2.

O paciente queimado deve ser tratado em uma unidade especializada de queimados por uma equipe multidisciplinar, profissionais treinados para interaçao interdisciplinar no tratamento dessas lesoes e suas diversas consequências (médicos especializados, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, etc).

No Brasil, as pesquisas sobre queimaduras nao estao unificadas a ponto de oferecer a real estatística desses acidentes com lesoes na pele provocadas pelo calor intenso entre outros. No entanto, o poder público tem, gradativamente, movido-se, conjuntamente com a sociedade civil, no sentido de melhorar a assistência aos pacientes vítimas de queimaduras. Segundo o Relatório da Reuniao sobre Políticas Públicas para Prevençao a Queimaduras e para Reabilitaçao de Queimados do Senado Federal, estima-se que, no Brasil, cerca de 1 milhao de pessoas se acidentam, tornando-se vítimas de queimaduras, e que, no âmbito do SUS, a atençao prestada é insuficiente em número e em qualidade3.

Relatou-se, também, que nem todos os estados brasileiros possuem serviço especializado ao atendimento de pacientes queimados, assim como o número de profissionais especializados na rede pública para esse tipo de atendimento é pequeno, sobretudo quanto à assistência especializada do psicólogo. É importante lembrar que, segundo Anzieu, "existe no paciente com trauma térmico, uma dor psíquica, mental, devido à abertura repentina, violenta nos limites da pele"1.

Toda doença, independentemente da sua cronicidade, abarca, ao mesmo tempo, elementos orgânicos e psicológicos, encontra-se repleta de subjetividade e, por isso, os indivíduos doentes, adultos, crianças e idosos queimados devem se beneficiar do trabalho da Psicologia Hospitalar. O psicólogo se torna essencial para apoiar, esclarecer, informar e acompanhar a evoluçao do paciente e dos familiares em seus aspectos clínicos e emocionais atrelados ao adoecimento4, sendo fundamental para a equipe interdisciplinar, especialmente em uma unidade de queimados.

Existe um contingente reduzido de profissionais psicólogos atuando na área da saúde hospitalar3, nao é raro constatar que há hospitais sem psicólogos, tampouco exclusivos para essa unidade. Há, também, número reduzido de artigos sobre a atuaçao dos psicólogos nas unidades de queimados, consequência dessa inserçao lenta da Psicologia nas unidades especializadas, conjuntamente com uma cultura hospitalar conservadora, na qual a presença do psicólogo nem sempre é devidamente exigida em equipes de tratamento intensivo adulto5.


A IMPORTANCIA DO PSICOLOGO HOSPITALAR

O apoio essencial do psicólogo hospitalar ao paciente queimado no enfretamento à dor física e existencial, ao luto e às perdas vivenciadas se dá de forma mais assertiva pelo trabalho acolhedor, cuidadoso e sistemático do especialista em psicologia hospitalar, o qual fortalece o paciente no reconhecimento de si mesmo, da realidade e em sua reorganizaçao interna e cognitiva, nessa descida profunda em busca do que restou de si e de seu corpo após o acidente da queimadura6.

O número crescente de acidentes faz com que o aprimoramento do conhecimento das alteraçoes psicológicas seja cada vez mais utilizado no tratamento do paciente queimado7. Apesar de muitos pacientes recuperarem-se dos efeitos agudos do trauma, da ansiedade e da depressao após a alta hospitalar, uma proporçao significativa desenvolve tardiamente sintomas de estresse e depressao pós-traumáticos8,9.

A intervençao psicológica na Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ) fornece novas técnicas de manejo da dor, favorece a adesao do paciente ao tratamento, propicia a troca interdisciplinar, pois ajuda a manejar de forma mais harmoniosa e humanizada as demandas das relaçoes interprofissionais em ambiente hospitalar10 . Sabemos que, com a presença do psicólogo hospitalar no acompanhamento aos pacientes, o custo da hospitalizaçao diminui, o número de dias internados se reduz, a adesao ao tratamento e a aceitaçao a medicaçao sao melhores, assim também como o enfrentamento à dor4,5.

As relaçoes humanas dentro do ambiente hospitalar estao em transformaçao; a Psicologia tem construído e demonstrado novas habilidades e oferecido novos espaços para pacientes, familiares, médicos e para toda a equipe de saúde se aprimorarem em prol da excelência no atendimento, por meio de relaçoes de respeito e orientadas ao trabalho inter e multidisciplinar, levando em consideraçao a realizaçao de técnicas e protocolos de prevençao psíquica e emocional para o hospital como um todo e para a particularidade de cada setor.


AS DORES E AS COMORBIDADES DO PACIENTE QUEIMADO

Embora o processo de hospitalizaçao11 e de restauraçao da saúde sejam integrados, envolvendo várias áreas e diferentes profissionais em vários níveis, as demandas mais específicas da UTQ em relaçao ao comportamento e estado psicológico e mental do paciente referem-se à dor com características psicossomáticas de difícil manejo apenas com sedaçao ou analgesia. Necessita-se, também, para diminuiçao e alívio do sofrimento, a compreensao, a escuta e a busca do significado dessa dor na vida do paciente12 .

Sabe-se que o tipo de lesao e queimadura, dependendo da regiao e do percentual atingido, leva a dores em altos graus, podendo chegar, inclusive, à perda de consciência13. Geralmente, a dor do paciente queimado está relacionada às atividades rotineiras e específicas do tratamento, tais como processo de limpeza da ferida, desbridamentos, enxertos, troca de curativos e fisioterapia 14 .

A dor pode ainda modificar comportamentos, humores e até traços de personalidade, gerando agressividade, depressao, apatias, desejo de morte, podendo, ainda, ocasionar doenças psicopatológicas. Outra demanda se refere à dor existencial vivenciada pelo paciente, que necessitará de ajuda na elaboraçao do que aconteceu no acidente, de forma gradativa de acordo com a idade e contexto, à medida que o paciente permite reconhecer os fatos que o levaram àquele estado de saúde, evitando, assim, de forma psicoterapeuticamente acompanhada, possíveis complicaçoes, transtornos e distúrbios mentais e emocionais2,10.

Defendemos que o psicólogo muito pode ajudar, acompanhar, apoiar o paciente em sua hospitalizaçao, em momentos e processos difíceis, como o reconhecimento de uma disfunçao, sequela ou perda. Tais fatos trazem ao paciente queimado grande dificuldade de aceitaçao e elaboraçao da autoimagem agora danificada, seja por seu aspecto estético dilacerante e definitivo ou por sequelas e preconceitos sociais vivenciados e gerados pelo próprio paciente, muitas vezes2,5.

A hospitalizaçao e o processo de reestruturaçao da imagem corporal (corpo queimado com perda ou nao de membro ou funçao) provocam, muitas vezes, sentimento de inadequaçao no paciente, rejeiçao familiar ou conjugal implícita num processo de marginalizaçao social (perda de emprego, rejeiçao na escola em criança sequelada, etc.)12,15,16.

Toda a equipe de saúde especializada deverá colaborar de forma uníssona no sentido de traçar um manejo e estratégia individualizada, humanizada e assertiva para o paciente e sua família, facilitando a adesao e o envolvimento da pessoa em sua própria recuperaçao e bem-estar, especialmente em internaçao na UTQ6,17. Uma vez que a sobrevivência do paciente queimado tenha sido assegurada, as funçoes físico-funcionais, estéticas e emocionais se convertem nos maiores fatores para a subsequente qualidade de vida18.

Diferentemente de uma unidade de terapia intensiva, onde muitos pacientes recebem potentes sedativos que os mantêm em algum grau de coma, na UTQ, o acompanhamento psicológico deve ser mais intenso e diário, pois os pacientes estao em estado grave, mas, em geral, conscientes2,10.

A psicóloga e discente Radomile17 apresenta um procedimento geral em três níveis: 1) Triagem ou visita psicológica, a qual se caracteriza pela visita a todos os leitos, etapa na qual se realiza uma breve avaliaçao de triagem; 2) Avaliaçao psicológica, caracterizada por uma ampliaçao da visita psicológica, na qual serao avaliados mais pormenorizadamente os pacientes que apresentaram tal necessidade na etapa de triagem; 3) Atençao psicológica focal, ou seja, após avaliaçao e sendo identificada a necessidade de acompanhamento/ atendimento, o paciente recebe atençao sistemática com visitas regulares. De acordo com o resultado e percepçao da triagem, cada paciente deverá receber a atençao psicológica necessária à continuidade do tratamento, de seu bem-estar físico e existencial17.

A rotina do psicólogo hospitalar na UTQ segue um protocolo de triagem e troca de informaçoes de casos clínicos por meio de reunioes com a equipe multiprofissional e, nos pacientes agudos, existe a necessidade mais frequente e diária de acompanhamento psicológico e intervençoes, realizaçao de psicodiagnóstico em resposta a pedidos da equipe, incluindo os psicodiagnósticos de crianças com queixas de distúrbios emocionais e dificuldades intelectuais anteriores, além de orientaçao a familiares e utilizaçao de técnicas de ludoterapia em atividades sociorrecreativas de crisanças10,17,18. O uporte familiar colherá dados importantes sobre o acidente e sobre o paciente, e ainda ajudará emocionalmente ao acompanhante, que conjuntamente com a equipe também cuidará do paciente, e, mais tarde, favorecerá a adequada continuidade do tratamento e das recomendaçoes médicas em âmbito domiciliar19-21.

É costumeiro constatar o entrelaçamento e o aumento de comorbidades na unidade de queimados, sendo agravadas ou evitadas pelo estado de ânimo e saúde mental do paciente que, por sua vez, sao influenciados pelas comorbidades; no entanto, muitas psicopatologias sao desencadeadas pela própria internaçao, pois cada paciente reage de uma maneira à queimadura e às subsequentes e novas condiçoes do tratamento.

Dentre comorbidades que podem surgir no paciente adulto e idoso queimado destacam-se:

  • Síndrome da internaçao - também chamada de hospitalismo; sao apatias geralmente observadas em crianças e idosos sem suporte emocional. Apresentando sentimento de abandono e desinteresse pela sobrevivência;
  • Estados depressivos - humor rebaixado com dificuldades em lidar com a dor/sofrimento e desejo de morte para evitá-los;
  • Crises histéricas - desencadeadas pela dor e caracterizadas por seguidos processos de descontrole emocional, crise de choro e inconformismo. Também entendido como dificuldade em aceitar o acidente;
  • Estados de Euforia - desconfirmaçao da dor, tendência a alegria, eloquência e ousadia, aumento da energia e aceleraçao da psicomotricidade. Verbalizaçao de progressos inexistentes em termos de tratamento;
  • Corpo Fantasmático - imagem corporal destruída, fragilidade e vulnerabilidade na imagem corporal (identidade), podendo provocar medo da morte e, principalmente, dificultando o reconhecimento progressivo de melhoras clínicas;
  • Comportamentos agressivos - reaçoes infantis, fixaçao em fases da evoluçao emocional que foram mal resolvidas, provocando comportamentos passivos, de solicitaçoes frequentes, ou seja, retorno ao útero e desejo de proteçao;
  • Negaçao do acidente - formaçao reativa provocando dificuldade de aceitar as consequências do acidente e o eventual tratamento de saúde, ainda se expressa como um desejo de morte como "saída" para a dor e ainda como resignaçao por meio de sentimentos que desencadeiam fanatismo religioso como recurso para elaboraçao do acidente.
  • Agressividade/Revolta - direcionados para a equipe de saúde, familiares, sendo uma projeçao de sentimentos mórbidos e de culpabilizaçao do outro pela "dor que sinto".


  • Em todos os distúrbios descritos, o acompanhamento psicológico é fundamental como forma de diminuir o sofrimento e garantir a continuidade da adesao ao tratamento9,16-18,22-25.

    Acreditamos que o psicólogo tenha as ferramentas e treino mais adequados, além da psicoterapêutica para abrir espaço para subjetividade da pessoa adoentada e de seus familiares. Nenhum outro profissional da área da saúde foi terapêutica e sistematicamente treinado para isso, pois Medicina e Psicologia Hospitalar têm filosofias distintas: a primeira tem como objetivo curar doenças e salvar vidas, já a segunda tem como principal objetivo situar e ajudar o sujeito em relaçao ao adoecimento e ao enfrentamento dos processos psicoemocionais da hospitalizaçao4.

    Sendo assim, o profissional da Psicologia Hospitalar é o responsável por fazer a avaliaçao psicológica, diagnosticando tais reaçoes ao adoecimento, já que é ele quem obtém os instrumentos para fazer o psicodiagnóstico, por meio de psicoavaliaçao, ajudando, dessa forma, paciente, família e equipe no entendimento e no enfrentamento do processo de adoecimento e tratamento, com o uso das técnicas próprias da Psicologia para correta intervençao, acionando o melhor processo de elaboraçao simbólica do adoecimento para cada paciente4.

    O objetivo geral da presente pesquisa foi analisar os artigos encontrados elencando a atuaçao e atribuiçoes do Psicólogo na unidade especializada em queimados. Os objetivos específicos foram demonstrar a necessidade do trabalho e conhecimento do psicólogo hospitalar nessa unidade de tratamento e propor um protocolo de atuaçao do psicólogo hospitalar baseado nesta revisao de literatura.


    MÉTODO

    O método utilizado para a coleta de dados foi o levantamento bibliográfico por meio da busca eletrônica de artigos encerrados, disponíveis, gratuitos, em português, nacionais ou escritos por brasileiros, abrangendo qualquer faixa etária, indexados nas bases de dados Google Acadêmico, SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), e BVS (Biblioteca Virtual de Saúde), com o recorte de 2000 a 2011, a partir do cruzamento das palavras-chave: psicologia hospitalar, queimados, queimaduras, unidade de Queimados e atuaçao do psicólogo hospitalar, e atendimento psicológico na unidade de queimados.

    Visando evitar a perda de quaisquer publicaçoes potencialmente elegíveis, os estudos foram inicialmente analisados por meio de seus títulos e resumos. Foram selecionadas para a avaliaçao de sua íntegra as publicaçoes cujos sumários sugerissem a presença, no texto principal, de resultados originais sobre a atuaçao do psicólogo na UQT. Foram excluídos artigos que nao haviam sido publicados entre 2000 e 2011, os nao escritos no idioma português e os que se desviaram totalmente do tema explorado. Também foi realizada uma busca secundária na lista bibliográfica dos artigos inicialmente avaliados, com o objetivo de identificar outras importantes referências nao captadas pela busca inicial.

    Todo o processo de busca nas bases de dados eletrônicas, seleçao dos estudos, leitura dos artigos e compilaçao das informaçoes foi realizado pelo autor principal do estudo. Visando maior confiabilidade do estudo, esse processo de busca e seleçao dos artigos foi replicado pelo mesmo observador de maneira cega e independente, nao sendo identificadas discrepâncias quanto à seleçao final dos artigos.


    RESULTADOS E DISCUSSAO

    Conforme apresentado na Tabela 1, a busca eletrônica inicial identificou mais de 14.000 textos e artigos encontrados na pesquisa que se referem a, em algum momento ou transversalmente, Psicologia, queimados e UTQ; apenas sete artigos abordaram de forma específica e direta a atuaçao do psicólogo em UTQ, os outros artigos apenas transversalmente. Por isso, foi necessário incluir também artigos nao específicos, mas com relevância no conhecimento sobre a atuaçao do Psicólogo na unidade, a fim de que o conjunto das contribuiçoes fundamentasse e formasse um quadro mais próximo da atuaçao do psicólogo com tais pacientes. O maior número de artigos encontrados sobre pessoas vítimas de queimaduras relacionando emoçao, tratamento psicoterápico (TPT), cuidados e comportamento escritas por outros profissionais da saúde nao psicólogos revelam a dimensao interdisciplinar dessa assistência (Tabela 1).




    Na base de dados do Google Acadêmico foram obtidos maiores resultados abrangendo aspectos sobre o tema abordado. Dos 205 artigos apresentados pela base LILACS, apenas dois foram selecionados por conseguirem preencher completamente os critérios de conteúdo sobre a descriçao da atuaçao do psicólogo na UTQ. Tais artigos foram escritos por uma mesma psicóloga (Terezinha de Jesus Abreu de Souza), que aborda a qualidade de vida do paciente internado em uma unidade de queimados e a intervençao psicopedagógica no centro de tratamento de queimados. Sendo que, no segundo artigo, a profissional da psicologia conta com o apoio de colegas pedagogos. Na SciELO, foi recuperado apenas um artigo e, no Google Acadêmico, quatro, incluindo dois estudos breves, do qual destacamos o artigo intitulado: Um desafio às emoçoes: o psicólogo x unidade de tratamento de queimados, escrito, em 2006, pelas psicólogas Ivânia Amaral e Adriana Sodré.

    No entanto, ao diminuir de quatro para dois descritores (queimados e Psicologia) e construir uma subcategoria, que também serviu de apoio para a confecçao desse artigo, relacionando queimaduras e Psicologia e com autor de qualquer área acadêmica, o número de artigos e estudos relacionados minimamente ao tema aumentou exponencialmente em todas as bases consultadas, embora o número de artigos especificamente sobre a atuaçao do Psicólogo em UTQ se mantivesse o mesmo: apenas sete artigos encontrados e escritos por psicólogos estiveram inteiramente dentro do tema.

    Dos artigos encontrados nas bases de dados pesquisadas sobre os aspectos psicológicos gerais dos pacientes vítimas de queimaduras e os cuidados do profissional da psicologia na unidade de tratamento de queimados, apenas sete abordam especificamente o tema pesquisado.

    Os tópicos dos artigos encontrados, em sua grande maioria, foram escritos por profissionais nao psicólogos e os principais temas recorrentes foram: imagem corporal e autoestima, dor, tentativa de suicídio e violência, epidemiologia, qualidade de vida do paciente internado em UTQ, métodos clínicos, novas técnicas e materiais, cuidados da enfermagem, intervençoes na esfera psicoemocional por enfermeiros e médicos, cuidados de equipe multiprofissional, percepçoes dos familiares, interaçao com crianças internadas na UTQ.

    Portanto, o resultado comprova que a quantidade de pesquisa é escassa no campo da Psicologia Hospitalar frente à demanda e ao próprio trabalho psicológico desenvolvido por esses profissionais no atendimento ao paciente queimado nas UTQ's do Brasil, embora os membros da equipe já requisitem o psicólogo com alguma frequência, querendo uma resposta especializada.

    A maioria dos artigos encontrados nas bases de pesquisa foi escrita por enfermeiros, médicos e outros profissionais nao psicólogos, abordando tanto questoes relativas às queimaduras em si, procedimentos de cuidado como curativos e formas de analgesia da dor quanto aspectos psicológicos, demonstrando que a dimensao do cuidado hospitalar é realmente interdisciplinar.

    Porém, é importante ressaltar que o conhecimento psicológico é de manejo, excelência e responsabilidade do profissional psicólogo, devidamente lotado na unidade e com condiçoes adequadas de trabalho, o qual na UTQ deve divulgá-lo e compartilhá-lo de forma ética, terapêutica e científica entre a equipe, a fim de melhor orientar e subsidiar os colegas da unidade em relaçao a determinados tipos de intervençao psicológica que contam necessariamente com a contribuiçao valorosa de toda a equipe de saúde da unidade.

    Com base nos poucos artigos encontrados sobre o tema, elaboramos e sugerimos um protocolo de atendimento da psicologia hospitalar a pacientes, familiares e equipes atuantes nas UTQ's, para melhor atender a pacientes adultos, idosos e crianças vitimas de queimaduras, que pode ser visualizado na Tabela 2.




    CONCLUSAO

    A cultura e o tratamento hospitalar na UTQ evoluem mais rapidamente quando vao ao encontro à recuperaçao plena da pessoa vítima de queimaduras, nos âmbitos físicos e psicológicos. O paciente queimado terá maior qualidade de vida e motivaçao em sua recuperaçao, à medida que os psicólogos adentrarem mais com suas técnicas nas enfermarias de queimados, dando voz e considerando o sofrimento da pessoa vítima de queimadura, devendo, também, oferecer e compartilhar técnicas e estudos gerais e particulares das alteraçoes psicológicas e somáticas das vítimas de queimaduras, as quais sao fonte de estímulo e ânimo para a recuperaçao física e emocional do paciente.

    Os estudos e a pesquisa demonstram os benefícios do trabalho da Psicologia no tratamento de queimaduras graves e leves. No entanto, é preciso produzir mais conhecimento e divulgá-lo, especialmente em uma área hospitalar onde as dores, danos e sofrimentos sao tao intensos e rotineiros. A produçao de conhecimento sobre a Psicologia e o tratamento de queimados tem crescido, mas parece estar atrelada ao número de contrataçoes desse profissional pelas UTQ.

    Sugere-se que o perfil acadêmico do psicólogo pela especializaçao em Psicologia hospitalar e da saúde seja valorizado e que novos estímulos sejam criados para a produçao científica na área da Psicologia hospitalar, fortalecendo o trabalho interdisciplinar com mais artigos, estudos, residências hospitalares, treinamentos em serviço e, principalmente, novas técnicas para a compreensao, escuta e melhoria da qualidade de vida dos pacientes internados na UTQ.


    REFERENCIAS

    1. Anzieu D. O eu-pele. Sao Paulo:Casa do Psicólogo;1989.

    2. van Kolck OL. A doença e a imagem corporal: campo fértil de pesquisas. Bol Psicol. 1987;37(87):46-8.

    3. Relatório da Subcomissao Permanente de Promoçao, Acompanhamento e Defesa da Saúde (CASSAUDE) do Senado Federal de 9 de junho de 2009. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/comissoes/ comissao.asp?com=1324&origem=SF

    4. Simonetti A. Manual de psicologia hospitalar: o mapa da doença. Sao Paulo:Casa do Psicólogo;2004. 201p.

    5. Dimenstein MA. Cultura profissional do psicólogo e o ideário individualista: implicaçoes para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estud Psicol (Natal). 2000;5(1):95-121.

    6. Antoniazzi AS, Dell'Aglio DD, Bandeira DR. O conceito de coping: uma revisao teórica. Estud Psicol (Natal). 1998;3(2):273-94.

    7. Anderson G, Ekselius L. Prediction of psychological health after an accidental burn. J Trauma. 2004;57(2):364-7.

    8. Blank D. Manual de acidentes e intoxicaçoes na infância e adolescência. Sociedade Brasileira de Pediatria. Comitê de Acidentes. Rio de Janeiro:Schering-Plough;1994.

    9. Laporte GA, Leonardi DM. Transtorno de estresse pós-traumático em pacientes com sequelas de queimaduras. Rev Bras Queimaduras. 2010;9(3):105-14.

    10. Campos TC. Psicologia hospitalar: a atuaçao do psicólogo em hospitais. Sao Paulo:EPU;2000.

    11. Alamy S. Ensaios de psicologia hospitalar: a ausculta da alma. Belo Horizonte;2007. 312p.

    12. Huren JS. Rehabilitation of the burned patient: James Laing memorial essay for 1993. Burns. 1995;21(2):116-26.

    13. Latarjet J. The management of pain with dressing changes in patients with burns. Ewma J. 2002;2(2):5-9.

    14. Rossi LA, Barruffini RC, Garcia TR, Chianca TCM. Queimaduras: características dos casos tratados em um Hospital Escola de Ribeirao Preto (SP) Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2000;4(6):401-4.

    15. 15 - Costa MCS, Rossi LA, Lopes LM, Cioffi CL. Significados de qualidade de vida: análise interpretativa baseada na experiência de pessoas em processo de reabilitaçao de queimaduras. Rev Latino-Am Enferm. 2008;16(2):252-9.

    16. Levy AS, Moreira AN. Desamparo, transferência e hospitalizaçao em centro de terapia intensiva [Dissertaçao de mestrado]. Belém:Universidade Federal do Pará; 2008.

    17. Radomile ME. A implantaçao do serviço de psicologia no hospital geral: uma proposta de desenvolvimento de instrumentos e procedimentos de atuaçao [no prelo].

    18. Arruda C. Tratamento de queimados. In: Cavalcanti A, Galvao C, eds. Terapia ocupacional: fundamentaçao e prática. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;2007.

    19. Carvalho FL, Rossi LA, Ciofi-Silva CL. A queimadura e a experiência do familiar frente ao processo de hospitalizaçao. Rev Gaúcha Enferm. 2008;29(2):199-206.

    20. Ferreira LA, Mazzi L, Bittencourt MN, Zuffi FB. Aspectos emocionais da mae em relaçao ao filho queimado após a alta hospitalar. Saúde Coletiva. 2010;44(7):232-6.

    21. Scherer ZAP, Luiz MAV. Percepçoes e significados atribuídos pelos acidentes à vivência da queimadura. Acta Paul Enferm. 1998;11(2):64-72.

    22. Cabral W. A atuaçao do psicólogo no hospital para a promoçao de saúde. Disponível em: http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/TL0089.pdf Acesso em 10/2/2011.

    23. Dignart RC. A psicologia na unidade de tratamento de queimados do hospital regional da asa norte [Tese de doutorado]. Brasília:Centro de Ensino Unificado de Brasília;1994.

    24. Macedo JL. Complicaçoes infecciosas e fatores preditivos em pacientes queimados [Tese de doutorado]. Brasília:Universidade de Brasília, Núcleo de Medicina Tropical;2006.

    25. Gorayeb R, Nunes S, Severino AC. O psicólogo como interconsultor num Hospital Geral: análise da eficácia de atuaçao. I Congresso Iberoamericano de Psicologia Clínica e da Saúde, Granada, Espanha;1999.











    1. Psicólogo, Especialista em Psicologia Hospitalar e da Saúde pela Universidade Católica de Brasília, Brasília, DF, Brasil.
    2. Psicóloga da SEF -DF, Coordenadora do Curso de Especializaçao em Psicologia Hospitalar e da Saúde da Universidade Católica de Brasília e Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.

    Correspondência:
    Marcelo Alves Guimaraes
    Avenida das Araucárias, 1735 - Bloco A - ap. 403
    Aguas Claras - Brasília, DF, Brasil - CEP 71936-250
    E-mail: marcelopsycologo@yahoo.com.br

    Trabalho realizado na Universidade Católica de Brasília - UCB/UBEC e Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), Brasília, DF, Brasil. O artigo foi realizado como trabalho final para obtençao dos Títulos de Especialistas em Psicologia Hospitalar e da Saúde de Marcelo Alves Guimaraes e Flávia Bússulo da Silva, sob a supervisao da orientadora Alessandra Arrais.

    © 2024 Todos os Direitos Reservados